• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Presidente da OAB cobra respeito à Constituição; ?só delação não resolve?


Sonia Fiori ? FocoCidade

O presidente da OAB em Mato Grosso, Leonardo Campos, disse que o Brasil está passando por transformações sociais e políticas (leia-se a Operação Lava Jato) que serão fundamentais na consolidação do país que todos querem, mas alertou que a pretexto de se combater a corrupção acima de qualquer coisa, não tem direito e, nem o dever, qualquer instituição, por mais importante que ela seja, o Supremo Tribunal Federal ou mesmo o Ministério Público e as demais instâncias operadoras do Direito, de rasgar a Constituição Federal e os princípios que considera da humanidade, a ampla defesa e ao contraditório.

No melhor estilo “a lei é para todos”, indistintamente, Leonardo Campos assinala que todos devem aprender que o desrespeito à lei não constrói avanços numa nação hoje de muitos excluídos e parcela considerável de privilegiados, mas ao contrário, corrói o que é mais sagrado, a democracia que define a igualdade entre as pessoas, estabelecendo direitos, deveres e obrigações como um todo.

Leonardo Campos aponta que a corrupção tem que ser combatida em todos os sentidos e em todos os lugares, pois ela existe e sem exceção, mas dentro do que preceitua a lei maior e respeitando os direitos, sejam eles dos acusados, réus, acusadores, delatores, enfim, de todos envolvidos em qualquer tipo de escândalo.

Ele alerta ainda que o denuncismo também precisa ser ponderado, sob pena de com "frágeis" delações se imputar condenações para muitos inocentes e dar salvo-conduto para àqueles que certos de sua culpa, distribuem entre várias pessoas a responsabilidade pelos seus erros. 

Confira a entrevista na íntegra:

 

As recentes decisões do STF rasgam a Constituição Federativa do país ao deliberar assuntos que são previstos em lei e acabam sendo quebrados, já que existe desigualdade em julgamentos para uns e para outros, principalmente no Código Penal? É o que se vê nos julgamentos da Lava Jato por exemplo.

É muito preocupante e caro para a democracia e para a cidadania, e para o Estado de Direito, quando o órgão protetor da Constituição, desconsidera ou ofende. Por isso, todos nós e a visão da Ordem e política da Ordem que devemos sim passar o país a limpo, devemos sim combater diariamente a corrupção e a impunidade, mas dentro do que diz a Constituição e das leis do país. Nós não podemos pagar esse preço, porque quem paga esse preço ao flexibilizar os direitos constitucionais, por exemplo, como a ampla defesa ao contraditório, a não obtenção de provas através de meios ilícitos, é a democracia de um país. É função primordial do Supremo zelar pela Constituição, de modo que preocupa muito a Ordem, como no caso, por exemplo, da flexibilização da cláusula pétrea constitucional que diz que somente será considerado culpado o indivíduo que for condenado após sentença penal condenatória transitado em julgado. Ao flexibilizar, possibilitando que a prisão se dê após julgamento de segunda instância, o Supremo Tribunal Federal está fazendo da Constituição, que ele tem o dever de zelar, letra morta, aí é muito caro para a democracia, é muito caro para o Estado de Direito e isso preocupa sobremaneira a Ordem dos Advogados do Brasil. E nós reagiremos sempre, como fizemos aqui, por exemplo, contra o ato de defesa da Constituição Federal.

Ao flexibilizar, possibilitando que a prisão se dê após julgamento de segunda instância, o Supremo Tribunal Federal está fazendo da Constituição, que ele tem o dever de zelar, letra morta

Na sua concepção, os empresários da Odebrecht são os principais fraudadores do sistema financeiro brasileiro?

Eu acho que é o conjunto. O Brasil precisava passar por esse momento que passa, depurar as instituições. Quando digo as instituições, digo elas todas, as instituições políticas, o Congresso Nacional, o Senado Federal, em nível estadual as Câmaras, a Assembleia e etc. Portanto, a Lava Jato é um patrimônio do povo brasileiro. Qualquer tentativa de coibir a Lava Jato, de frear a Lava Jato, será combatida pelo povo brasileiro através das instituições como a OAB. Eu não acho que a única responsabilidade é apenas dos empresários da Odebrecht. Uma organização criminosa, muito bem estruturada que se instaurou no sistema político brasileiro. De um lado nós temos empresários que ganham obras com preços superfaturados para poder devolver esses recursos em forma de propina ou caixa 2, financiando o sistema político brasileiro. Então é o conjunto, é uma engrenagem, não existe só um lado. Existe um sistema político composto de serviços públicos, de agentes públicos, de agentes políticos, e de outro lado de empresários, que precisamos agora, através de toda essa descoberta que ocorreu no Brasil, fazer a tão sonhada Reforma Política. Mas uma Reforma Política séria, que a partir desses erros históricos, e é bom que se diga, isso não é do governo A ou do governo B. É um erro histórico no sistema político brasileiro, e esperamos um sistema mais eficiente que faça fundamentalmente valer a vontade do eleitor, mas através da sua consciência e não através de benefícios recebidos em época de campanhas políticas.

Muitos advogados, em vários julgamentos de operações da PF por todo o país, se sentem lesados no direito da defesa. Muitos juízes, ao invés do que está escrito na Carta Magna estão interpretando leis. Para uns serve e para outros não?

É o que eu disse. Precisamos passar o país a limpo, combater a corrupção, combater a impunidade, combater o caixa 2, combater a propina, mas tendo como referência a Constituição e dentro das leis do país. Nós não podemos, no Estado de Direito, admitir que o devido processo legal não seja calcado pelos seus dois mais importantes princípios, qual seja ampla defesa e contraditório. Que se puna, mas dando as garantias constitucionais indelegáveis da ampla defesa e do contraditório.

Que se puna, mas dando as garantias constitucionais indelegáveis da ampla defesa e do contraditório.

Porque existe o conflito entre a Justiça, a defesa e o cidadão em crimes praticados? A polícia prende e a Justiça solta...

Eu não vejo conflito. Cada um cumprindo o seu papel dentro do ordenamento jurídico, a Justiça será feita, ou seja, a polícia investiga, o Ministério Público tem o papel nas ações penais de acusar, a defesa de garantir a ampla defesa e o contraditório, os princípios constitucionais como eu disse, e o magistrado que preside o feito de julgar e aplicar a lei distribuindo-se justiça. Qualquer coisa fora disso é ilegal, e sendo ilegal deve ser coibida e corrigida pelo Poder Judiciário. Por isso eu não uso essa máxima de a polícia prende e a Justiça solta. Se a Justiça soltou é porque existem falhas graves que prejudicam o devido processo legal, e a Constituição Federal no Estado de Direito só tem razão de existir se for calcado nos dois princípios, ampla defesa e contraditório. Portanto, tudo que foge ao devido processo legal é nulo, é ilegal e portanto, deve ser anulado. Por isso não existe conflito, o que existe é que se cada um fizer o seu papel nós teremos a distribuição de Justiça de forma igualitária.

É necessário uma reavaliação urgente das leis civis brasileiras?

Toda legislação deve regular o tempo e o direito naquele momento contemporâneo, ou seja, no momento atual. A lei não serve para retroagir, serve para regular o presente e determinadas relações no futuro. Então, por exemplo, é o caso da CLT. Vou falar da CLT, que precisa ser reformulada, ser revista, para atualizar a legislação trabalhista a novel relação que se dá no mundo no atual momento histórico que se passa no país nas relações empregado e empregador, ou seja, relações empregado/empregador hoje não são mais aquelas vivenciadas na década de 40, quando a CLT foi editada. Ela precisa passar por uma reavaliação porque já existe costumes atuais que não mais condizem com aquilo que a CLT almejava, que era a proteção do trabalhador. Hoje os trabalhadores estão muito mais evoluídos, com acesso à informação, acesso à Justiça do Trabalho, acesso a sindicatos, acesso à Delegacia Regional do Trabalho. Portanto, a cada quadra histórica precisamos sim rever a legislação para adequar ao momento e aos costumes e ditames da sociedade moderna.

O STF está abrindo muito a mão quando não há consenso nos julgamentos? Isso é a fragilidade da Carta Magna, das leis brasileiras?

Entendo que o STF é um Tribunal também político, mas essencialmente jurídico. É o guardião da Constituição, então o STF tem que julgar interpretando o que diz a Constituição e protegendo para valer as cláusulas constitucionais , principalmente os direitos e garantias fundamentais que são cláusulas pétreas, que não se admite a flexibilização. Então preocupa quando o STF muda a sua forma de pensar, a sua forma de agir, por conta da segurança jurídica. Nós precisamos ter a última palavra, hierarquicamente superior da Justiça brasileira, sendo uma palavra firme, uma palavra dura que permita a partir do seu entendimento tecermos as instâncias inferiores com uma segurança jurídica já conhecida. E isso é muito preocupante, essa mudança repentina de entendimento do STF sobre determinados assuntos. Isso preocupa muito a Ordem em razão da necessidade de segurança jurídica.

E isso é muito preocupante, essa mudança repentina de entendimento do STF sobre determinados assuntos.

Por que o STF usa da sua prerrogativa de que quando não há consenso entre o Poder Judiciário e advogados se faz uma súmula geral para uma ação e vale para todos? Isso já está recorrente.

Isso vem muito forte no novo CPC (Código de Processo Civil). Por exemplo, o IRDR - Incidente de Resolução em Demanda Repetitiva. Está na cara que nós temos um país de milhões de processos. Isso é um custo muito caro e o Poder Judiciário precisa sim agir e isso é positivo, vem muito forte no novo CPC, mas precisa tomar atitudes e ações que visam evitar a sobrecarga de ações do Poder Judiciário. Então, isso é salutar quando a partir de determinadas decisões conflitantes, o STF venha, ou o STJ dependendo o assunto, e baixe uma súmula para que determinado assunto nós já tenhamos prévio conhecimento de como pensam as mais altas Cortes de Justiça brasileira. E isso é o que dá celeridade ao processo, isso retira uma sobrecarga de processo do Poder Judiciário. Por isso é muito importante que o STF formule questões que tragam decisões jurídicas ou judiciais conflitantes uma com a outra e pacifique a questão de modo que consiga conter a busca pelo Poder Judiciário em assunto de decisões sabidamente recorrentes.  

Sobre a regularização fundiária no Brasil, existe a lei que regulamenta o assunto, só que também ocorrem as instruções normativas que regulamentam. Qual o papel da Ordem para que esse assunto saia de fato do papel e ocorra a regularização fundiária no país, considerando que em muitos municípios do Estado nem 10% da área urbana e rural é regulamentada?

A OAB tem a comissão de Assuntos Fundiários e de Direito Agrário. Essas duas comissões cobram permanentemente, estão debatendo permanentemente a regularização fundiária. Regularização fundiária, além de segurança jurídica e de dar o direito sagrado à propriedade àquele que a detém, serve também como instrumento de proteção ambiental. Não se faz, principalmente em nosso Estado, a proteção ambiental, que está diretamente ligada à regularização fundiária. Nós precisamos urgentemente ter políticas públicas sérias, céleres, de uma regularização fundiária. Nós precisamos é mapear o Estado e ter conhecimento, ter inserção e o Poder Público ter ação sobre o proprietário onde ele esteja bem definido, bem regulamentado. Por isso regularização fundiária é fundamental. Por isso que as nossas comissões, tanto de Assuntos Agrários como de Assuntos Fundiários e propriamente também de Meio Ambiente, trabalham sempre em constante com os comitês do Tribunal de Justiça, com os órgãos como Sema e Ibama, Intermat, cobrando por vezes uma política pública de regularização fundiária para dar segurança jurídica aos produtores, aos empresários e aos proprietários rurais.

Os advogados hoje estão muito subjugados no acesso às ações da PF. O que a instituição faz para que isso se reverta?

Isso está muito ligado à prerrogativa. Prerrogativas em nossa gestão é matéria central, é matéria fundamental, primordial. Prerrogativas são questão de Justiça. Prerrogativas, eu gosto sempre de frisar e reafirmar isso, não são privilégios dos advogados, ao contrário. Mas a garantia do cidadão que busca o advogado e ter o seu defensor atuando de forma autônoma, independente e sem hierarquia com os demais atores do processo. Portanto para nós, havendo qualquer entrave ao livre exercício profissional do advogado, quer acesso ao processo, quer conversa em reservado com o seu cliente, a Ordem tendo ciência disso, nós não transigimos, tomados providências enérgicas e imediatas para coibir tais fatos. Agora, inclusive, nós temos um aplicativo para facilitar a informação da violação da prerrogativa à OAB. O advogado, através do celular pode denunciar qualquer violação do direito da advocacia, que nós tomamos providências enérgicas. Porque prerrogativa em nossa gestão é matéria que não transigimos, é prioridade número um.

Qual a posição da Ordem sobre a pessoa que já é réu em processo de crime contra o erário público e vira delator. É um dispositivo legal, mas não exime o réu de ser julgado.

Bom, a delação premiada tem servido e tem se mostrado como importante instrumento da percepção criminal. Mas ela não pode ser o único. Ela é mais um instrumento que visa combater o crime. É óbvio que a delação premiada tem se mostrado que, sem ela, não chegaríamos aos resultados e às revelações que observamos, por exemplo, na Operação Lava Jato e no nosso Estado as várias operações desencadeadas. Mas o que não pode é a delação premiada ser o único instrumento da investigação criminal. Ao contrário, nós precisamos aprimorar sempre a instrução criminal para que os órgãos de controle, polícia, Ministério Público, Receita Federal, Controladoria Geral do Estado, Tribunal de Contas do Estado, Tribunal de Contas da União, tenham mecanismos legais para se combater o crime e se combater a corrupção. Portanto, a delação premiada é um instrumento fundamental mas não pode ser o único meio da investigação criminal. E o que nós temos visto é a delação premiada ser obtida através dos instrumentos de decretação de prisão preventiva e temporária, ou seja, em muitos casos se decreta a prisão de determinado cidadão, muitas vezes sem os requisitos mínimos ensejadores da possibilidade desse decreto de prisão, lei cautelar, vamos chamar assim, mas mantém-se o indivíduo aquartelado, preso, para se obter no futuro uma delação premiada. Com relação a isso, a Ordem é frontalmente contra. A prisão não pode ser instrumento de coação para chegar a uma delação premiada.

Portanto, a delação premiada é um instrumento fundamental mas não pode ser o único meio da investigação criminal.   

Antes das operações da PF, juízes se resguardavam ao direito de julgar. Hoje muitos estão mais expostos na mídia opinando sobre questões que estão em julgamento. Não deveria ficar só no direito do anonimato e de julgar?

A Ordem como instituição primeira é que zela pela liberdade do direito de manifestação e a liberdade de imprensa. Isso é quadrante institucional quase como cláusula pétrea na Ordem dos Advogados do Brasil. O direito constitucional de garantir ao cidadão a livre manifestação. Porém, nós somos muito preocupados. O juiz deve sempre falar no processo, juiz fala decidindo. Ele é um julgador, ele preside o feito, ele tem que ser imparcial, julgar de acordo com as provas dos autos. E a Loman (Lei Orgânica da Magistratura Nacional) inclusive traz esses parâmetros. O juiz não pode comentar sobre caso que esteja sob sua responsabilidade, porque aí coloca em risco a opinião daquele magistrado sobre determinado assunto A ou B que será ou está sob a sua responsabilidade de proferir o direito de aplicar a lei. Portanto, temos muita preocupação e vemos com muita cautela essa exposição midiática, tanto das operações como de determinados julgadores. Juiz deve falar, mas falar nos autos. Deve anexar sua decisão e publicizá-la conforme determina a lei. Ali está a opinião do juiz exarada em cada despacho, em cada decisão. A partir do momento que isso vá para a imprensa, que nós temos os chamados juízes midiáticos, operações midiáticas, nós corremos o risco de cometer ilegalidades, cometer excessos e cometer abusos. E cometendo ilegalidade, excesso e abusos esses atos são nulos. E nulos, portanto gerando um prejuízo à própria instituição criminal e à sociedade que dispende recursos para que o Poder Judiciário atue e a polícia atue. Portanto, a opinião na Ordem é garantir sempre o direito à livre manifestação, mas no caso dos juízes, do Poder Judiciário, dos órgãos, nós sempre queremos com serenidade e com muita cautela que essas manifestações sejam exauradas nos autos, no bojo do processo que é o local adequado e seguro e a forma correta de manifestar o seu pensamento, aplicando a lei. 




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