Aos cansados. Aos que já não suportam ver líderes religiosos pisarem na cruz de Jesus. Aos que olham para os templos e não veem Deus, mas negócios, vaidade e controle. Aos que choram em silêncio porque a fé que lhes venderam nada tem a ver com o Evangelho. Esta carta é para vocês.
Sabemos o que é sentar em um banco de igreja e sentir-se mais só do que quando chegou. Sabemos o que é entregar a alma em busca de consolo e receber em troca culpa, cobrança, e um evangelho deturpado, reduzido à barganha e à vaidade. Sabemos o que é amar Jesus com tudo o que se tem, mas já não aguentar o que fizeram com o nome d’Ele.
Transformaram o Cordeiro em símbolo de poder. A cruz virou logotipo de empresa. O altar virou palco. E a fé — a mais pura revolução de amor e justiça — virou mercadoria a ser explorada por quem deveria lavar os pés do povo. Os mesmos que dizem representar Jesus hoje o usam como garoto-propaganda de seus impérios pessoais.
Vendem o céu parcelado no cartão, prometem bênçãos em troca de ofertas e transformam a oração em contrato, enquanto os famintos continuam sem pão, os presos sem visita, os pobres sem acolhimento e os aflitos sem escuta.
Jesus não nos ensinou a rezar para repetir fórmulas. Ele nos ensinou a subverter o mundo. O Pai Nosso é um manifesto de justiça: chama Deus de Pai de todos, sem hierarquias; santifica Seu nome não em rituais, mas no pão repartido e na justiça feita; clama pela vinda de um Reino que não se constrói em catedrais, mas nas ruas, nos presídios, nos becos, nos barracos, nas lágrimas.
E pede o pão de cada dia não como um privilégio, mas como direito de todos — um pão que, se fosse levado a sério, jamais permitiria que pastores vivessem em mansões enquanto membros da comunidade passam fome.
No entanto, hoje vemos líderes religiosos enriquecerem à custa da fé do povo. Cobram dízimos de viúvas, oprimem em vez de libertar, abusam emocionalmente das pessoas em nome de Deus.
A maior tentação dos nossos tempos talvez seja essa: achar que ser religioso é o mesmo que ser justo. Que frequentar templos é o mesmo que ter compaixão. Que saber versículos é mais importante do que praticar o amor.
Jesus foi claro e direto: “Nem todo o que diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino.” Não importa quantos cultos participou, quantas campanhas liderou ou quantas línguas estranhas falou. O critério d’Ele é simples e escandaloso: “Estive com fome, e me deste de comer? Estive preso, e foste me visitar? Estava nu, e me vestiste?” Não pergunta a qual denominação você pertence. Pergunta se você parou para ajudar.
Porque na parábola do Bom Samaritano, foram justamente os religiosos — os que se diziam santos — que passaram de largo. Quem salvou o homem caído foi o herege, o marginalizado, o estrangeiro. E é com esse que Jesus se identifica.
Hoje, muitos líderes religiosos pisam na cruz de Cristo. Pisam quando transformam o dízimo em chantagem emocional. Pisam quando condenam mulheres, LGBTQ+ e pobres enquanto protegem os poderosos e encobrem abusadores.
Pisam quando usam a Bíblia para controlar corpos, sufocar subjetividades e impor medo. Pisam quando constroem templos luxuosos com o suor da base explorada, enquanto pregam um Jesus que não tinha onde reclinar a cabeça. Pisam na cruz quando ensinam moralismo sem misericórdia, pureza sem afeto, fé sem justiça.
E ainda têm a audácia de dizer que quem sai da igreja está fora de Deus. Mentira. Deus nunca foi propriedade de instituição alguma. Cristo é maior que o cristianismo. Ele não é evangélico, nem católico, nem reformado, nem gospel.
Cristo não é produto de denominação. Ele é o Verbo feito carne, não um slogan para campanhas. Ele é o Deus que se abaixa, não o que se vende em pacotes.
Se você saiu da igreja, mas não saiu do amor, você não está perdido. Se cansou da hipocrisia, mas ainda acredita na compaixão, você está renascendo. Se foi ferido, mas ainda tem fome de justiça, então esta carta é também seu Evangelho.
Jesus nunca disse: “Bem-aventurados os perfeitos.” Disse: “Bem-aventurados os que choram. Os que têm fome e sede de justiça. Os misericordiosos. Os perseguidos por causa do bem.”
Chega de templos dourados e corações endurecidos. Chega de cruzes no pescoço e indiferença no peito. Chega de usar Jesus como desculpa para sustentar hierarquias, doutrinas e privilégios que Ele jamais defenderia.
Cristo ainda está vivo, mas não está nos palcos. Está na rua. Está no abraço silencioso que ninguém vê. Está na mesa onde se reparte o pouco. Está na mão que se estende sem exigir fé perfeita, nem passado limpo.
Você não precisa de templos, títulos ou microfones. Você só precisa amar. Só precisa ser pão, ser escuta, ser cuidado.
O Reino de Deus não é um lugar — é um caminho. E esse caminho passa pela cruz, mas termina na ressurreição de uma vida mais justa, mais livre, mais humana.
Se você ainda sente fome dessa verdade, talvez Ele esteja nascendo em você. Não desista. Não silencie. Não se curve.
O mundo não precisa de mais religiosos.
Precisa de revolucionários do Evangelho.
De gente que ama mais do que julga.
Que serve mais do que fala.
Que prefere perder o status a perder a alma.
Porque no fim, só entrarão no Reino os que ousaram viver como Ele viveu.
Paulo Lemos é jurista e um espírito inquieto contras às injustiças e pelas causas justas.
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