Entregue ao Senado Federal, no final de abril, o anteprojeto de reforma do Código Civil prevê uma mudança significativa no direito sucessório brasileiro. Caso aprovada no Congresso Nacional, a nova legislação excluirá os cônjuges da lista de herdeiros necessários. Atualmente, os companheiros de matrimônio fazem parte desse grupo junto com descendentes (filhos e netos) e ascendentes (pais e avós).
Os herdeiros necessários, conforme estabelece o Código Civil de 2002, são aqueles que têm direito a uma parte da herança legítima deixada. Aos cônjuges, esse benefício independe do regime de bens do casamento, da vontade da pessoa falecida e só é perdido, se for deserdado ou declarado indigno. A retirada dessa obrigatoriedade aumenta a liberdade testamentária, mas também amplia os riscos à segurança financeira, especialmente às mulheres.
Historicamente, ao selar uma união matrimonial com seus companheiros, as mulheres assumem o papel de se dedicarem ao lar e criação dos filhos, ficando dependentes financeiramente dos maridos. Passo a passo esse cenário vem mudando, no entanto ainda não é uma realidade que alcança a todas. Dessa forma, se assim permanecer, o novo Código Civil pode transportar as mulheres a uma posição de vulnerabilidade financeira ainda maior após a morte dos esposos.
Esse contexto de dependência que se criou para a mulher é algo que deve ser analisado com muito cuidado pelos responsáveis pela aprovação do texto. Não há como desconsiderar em uma votação de tamanha importância as condições de desigualdades sociais impostas. Como ficará, por exemplo, a esposa que abandonou a carreira para cuidar da família, enquanto o esposo se desenvolvia profissionalmente?
É fato que, sem a garantia de uma parte da herança legítima, elas podem enfrentar ainda mais dificuldades para manter seu padrão de vida e sustentar seus filhos após a morte de seus parceiros. Sem a proteção de serem herdeiras necessárias, essas mulheres podem ser deixadas sem recursos suficientes, especialmente se o patrimônio for distribuído de maneira desigual ou se houver outros herdeiros que possam contestar o testamento.
Essa provável mudança é mais um alerta para que as mulheres assumam uma posição mais ativa na gestão do patrimônio familiar. É preciso que entendam que inserir-se nesse processo não é um ato de desrespeito ou de acusação, mas sim um direito daquelas que também exercem papel fundamental no núcleo familiar. Ao participar efetivamente no planejamento patrimonial, garantem que seus interesses sejam protegidos.
Minha recomendação é que procurem orientação jurídica especializada para entenderem completamente suas opções e direitos. A reforma exigirá ainda mais que as esposas se fortaleçam e atuem ativamente em todas as decisões do casal, inclusive as de cunho financeiro. A proteção e a segurança financeira são direitos que devem ser preservados e garantidos por meio de um planejamento cuidadoso, estratégico e mútuo.
*Samira Martins é advogada especialista na área familiar e de sucessões e atua no escritório Samira Martins Advogados Associados.
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