Foi com expectativa e apreensão que, no Brasil, especialmente no Governo Lula, se acompanhou a campanha e o resultado da eleição presidencial da Argentina. Obviamente, o resultado, para Lula e o PT, não foi o esperado, com a vitória de Javier Milei, ideologicamente distante da agenda lulista e conectado à visão de mundo anarcocapitalista e contrário ao mundo político tradicional.
Milei, assim, derrotou Sergio Massa, candidato da situação e ministro da Economia, mas que entrega um país com hiperinflação e acentuada pobreza no bojo da sociedade argentina. Desta forma, o discurso de Milei - atacando a política e os políticos, o establishment, prometendo acabar com o Banco Central, dolarizar a economia e diminuir o tamanho do Estado – ganhou corações e mentes e a promessa de um choque na realidade do país fez com que o eleitorado, democraticamente, o elegesse.
A despeito das diferenças de Milei em relação a Lula, há, ainda, as similaridades de Milei com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Em termos fulcrais, a visão anarcocapitalista do argentino e sua pouca experiência política o credenciam, de fato, como um outsider. Bolsonaro, ao contrário, foi vitorioso ao se apresentar como outsider e como liberal, todavia, nunca foi nada disso: era político há décadas, com a família toda na política e sempre foi corporativista, intervencionista e estatizante, longe dos valores liberais. Então, como os dois se encontraram no mundo da política e se reconhecem como próximos? Provavelmente, ambos – Milei e Bolsonaro – sentem ojeriza pela esquerda e se apresentam como atores políticos antissistema. Aí, talvez, esteja a maior identificação entre ambos.
Acompanhei as análises dos comentaristas de política de alguns canais. Fernando Gabeira chamou minha atenção, pois repetiu, para Milei, o que havia dito sobre Bolsonaro: "será que, agora, já eleito, Milei descerá do palanque e governará com certa moderação?". Gabeira, quando da eleição de Bolsonaro, fez a mesma observação e, afirmando que conhecia Jair, desde a Câmara dos Deputados, onde foram parlamentares, apostava que haveria moderação de Bolsonaro, diferenciando campanha eleitoral e governo. Aqui, portanto, há questões fundamentais: Milei levará sua agenda de campanha à sociedade argentina? Ou, no caso, reconhecerá a importância dos votos de Patrícia Bullrich e o apoio de Mauricio Macri? O ex-presidente foi, por assim dizer, um fiador de milhares de votos daqueles que acreditaram que haveria moderação de Milei, já que o novo presidente não terá apoio de governadores e tampouco terá uma base de apoio no Legislativo argentino.
No Brasil, como bem sabemos, Bolsonaro nunca desceu do palanque, radicalizou, formando importante núcleo político e fiel de bolsonaristas e, no que tange à governabilidade, implementou um presidencialismo de confrontação. Milei, na Argentina, em breve decidirá se seguirá sua cartilha de campanha ou se, pragmaticamente, comporá com setores da direita argentina mais moderada. Caso opte pela radicalização e diminuição do Estado com cortes em programas sociais, poderá enfrentar estrondosos protestos orientados pelos peronistas.
Na política externa, Milei, já na largada, despreza Lula e o Brasil e convida Bolsonaro para a posse. Presidentes podem ter amigos e ligações ideológicas, mas, sobretudo na diplomacia, devem representar, institucionalmente, os interesses de seus países. Atacar o Brasil e a China, principais parceiros comerciais dos argentinos, não é bom começo. Aguardemos a consolidação do cenário de nosso vizinho.
Rodrigo Augusto Prando é Professor e pesquisador do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas (CCSA) da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia.
*O conteúdo dos artigos assinados não representa necessariamente a opinião do Mackenzie.
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