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  • Artigo por Gonçalo Antunes de Barros Neto
  • 04/09/2022
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No lugar comum das vaidades humanas, o recato sempre teve seu destaque. A honra e o ambiente recluso, familiar, são preocupações constantes aos que se preservam do avanço da crítica infundada. Seja no Direito ou na vida social, a importância dada aos assaques das injurias, calunias, e difamações se fizeram caros, com a criação de mecanismos legais ou morais de anteparo.

Acontece que tudo mudou. Não há mais honra que se preserve imaculada e nem ambiente que persevere na paz dos esquecidos. O direito ao esquecimento é coisa do passado. Uma nota, um apontamento, é suficiente para ganhar o mundo nos arquivos digitais. A idiotice é acreditar na indiferença do tempo. Estamos todos amarrados a uma mesma sementeira, a de frutos duvidosos, dos boatos, das injustiças e dos farisaicos e autoritários comentários dos que se arrotam no dever da língua felina.

Segundo Jeremy Bentham, a natureza colocou a espécie humana sob o domínio de dois senhores soberanos: a dor e o prazer. Eu acrescentaria – a dor dos masoquistas e o prazer dos sádicos. Parece que há uma tendência a isso. A história está sendo desenhada por essas figuras. O medo (dor) das críticas está sendo elevado a patamares nunca vistos. A ninguém é dado à aventura, arriscar-se pelo sonho. Somente os masoquistas o fazem. O prazer, também, tem seu viés na tragédia humana. Se sentir realizado e feliz causa espécie e pode naufragar diante de uma calúnia. O sucesso cria inimigos, o conhecimento traz aborrecimentos. Os sádicos estão a postos, gostam da miséria alheia, zombam da inveja. Exemplifiquemos.

Uma determinada categoria profissional se sente mais realizada com a sua vitória ou com a derrota de outra? O amigo se sente feliz com o crescimento do outro, por lhe ter acompanhado e desfrutar de sua proximidade, ou se infelicita pela própria estagnação? O programa policial que exibe a desgraça alheia tem considerável audiência por nos ensinar como não proceder ou por nos colocar como expectador da derrocada de outrem, esquecendo a nossa? O vizinho está mais a se preocupar com a sua sorte ou com a do lado? No homicídio, o que atrai mais a atenção, o corpo inerte ou o homicida algemado? Na diligência policial, a ação dos agentes do Estado ou o resultado? A fotografia ou os fatos?

Senhores e senhoras, a sociedade atual é de risco. A qualquer momento e em qualquer instante o recato e a simplicidade de sua vida pode mudar, sem dó e piedade. Somos apenas números numa comunhão de estatísticas. Transformaram-nos em sádicos e masoquistas no espaço da felicidade. O simplório, recatado, que se preserva por medo de um vilipêndio moral, está fadado à estagnação. O mundo passou a ser dos audaciosos na prática do sofrimento próprio ou de terceiro. Há um preço a ser pago: a desonra ou a imersão.

Isso tudo faz lembrar Kant, que dizia: “Não ensino para gênios, pois sendo estes tão bem-dotados abrirão seu caminho por conta própria; nem para estúpidos, porque não valem a pena; mas ensino em benefício daqueles que se encontram entre essas duas classes e querem estar preparados para seu futuro...”.

O mundo vai tendo sua lógica e, na planície, temos a nossa.

É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e Direito e escreve aos domingos em A Gazeta (e-mail: bedelho.filosofico@gmail.com).   



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