Eu não tenho fotografias com o meu pai, mas carrego comigo muitas lembranças do pouco tempo que vivi com ele. Foram apenas 11 anos juntos, mas de muita conexão e cumplicidade. Ele não sabia, mas desde muito pequena, me preparou para a vida sem ele, me estimulando sempre a batalhar pelo que eu queria e me mostrando o quanto eu era capaz. A maior lição que ele deixou pra mim fala sobre “coragem”.
Passei muito tempo ouvindo as pessoas me chamarem de corajosa, mas eu não sabia de onde vinha essa coragem, até que, um dia, em uma meditação, eu consegui me conectar com um dos momentos mais incríveis da minha infância.
Meu pai, em uma roda de amigos, falava com o maior orgulho sobre a minha coragem, a ponto de fazer uma aposta com eles, que, se ele pedisse para eu ir sozinha no escuro até a casa da minha avó, eu iria. Aquela fala dele me marcou tanto, que muitas vezes ele me desafiava a fazer determinadas coisas e eu, mesmo com medo, as realizava.
A forma que ele partiu foi bastante incomum. Ele era caminhoneiro, e no segundo ano em solo mato-grossense, saiu para fazer um frete e nunca mais voltou. Foram muitos sentimentos em pouco tempo, saudade, esperança, revolta, raiva, vergonha, rejeição, tristeza e abandono. Não tive tempo de viver todos esses sentimentos, pois a vida segue para aqueles que ficam e não foi diferente pra mim. Tive que pegar todas as lições que aprendi com ele para enfrentar o que a vida reservava para mim.
Foi um período difícil, ter que trabalhar como babá em troca de estudo e casa para morar, mas também foi um período de muito aprendizado, que levei pra vida.
Nesse período, os Fake News também existiam, as fofocas eram de que ele havia nos abandonado, que estava com outra família, entre tantas outras. Mas, conforme o tempo foi passando e nada de notícias dele, outras histórias surgiram, a de que ele havia sido assaltado e morto.
O que de fato aconteceu com o meu pai, não sabemos, mas depois de muito tempo, veio a calmaria e a compreensão de que, no pouco tempo que ele esteve presente, me deu o melhor e é isso que importa.
Sofri bastante para ter essa compreensão, por muito tempo busquei um pai nos relacionamentos afetivos e isso acabou me levando para caminhos de dor e sofrimento.
Com o autoconhecimento, veio o despertar de consciência e me fez ver o quanto a figura paterna é importante na vida de qualquer pessoa. Nem sempre temos o super-herói que romantizamos, mas temos o único homem capaz de nos dar a vida, que antes de ser pai, também foi filho, também desenvolveu traumas e muitas vezes não conseguiu quebrar certos padrões familiares, mas, com essa nova consciência, eu posso quebrar esses padrões.
Nunca soube o que de fato aconteceu com o meu pai, mas hoje, isso não importa mais pra mim, porque escolhi me apegar ao principal, a vida que ele me deu e as lições que tive com ele, principalmente a coragem, que tem me permitido superar o medo.
Pra você, pai, quero te dar um conselho: deixe uma marca positiva na vida do seu filho, não deixe para amanhã, a conversa que você pode ter hoje!
Se você até agora não soube lidar com sua paternidade, está na hora de aprender, cumpra com o seu papel naquilo que te compete, e assim teremos filhos melhores e uma sociedade mais coerente.
E você, filho, valorize seus pais. Entenda que eles te deram o melhor que poderiam te dar.
E se seu pai, de alguma forma, falhou contigo, ou não foi o pai que você esperava, ressignifique a sua dor, o seu vazio e lance fora essa mágoa, olhe para o lado positivo de tudo para que assim, você possa ter um futuro melhor.
Somos capazes de mudar a nossa história.
Sirlei Theis é advogada, gestora pública, treinadora comportamental, consteladora familiar e candidata a deputada federal.
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