• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

A Verdade

As movimentações político-eleitorais continuam. Não só. Mas também se intensificam. Quase com a mesma voracidade de outras brigas eleitorais, tanto mais recentes quanto mais antigas. Afinal, estas, iguais aquelas, se dão por vontades individuais, necessidades de outrem. Pois o estarem próximos do poder de mando inflam interesses variados, além de despertarem ambições várias, tais como as que fazem sonhar com o objeto de desejo de muitos. Objeto cobiçado, sonhado por demais, e por tantos, ainda não revelados, que leva os grupos a se digladiarem entre si, a despeito da falta de traquejos de cada um deles.

Falta que, a todo custo, procuram esconder. Tentam, sem, contudo, escondê-la, assim como não conseguiriam encobrir os dejetos que escorrem a céu aberto, em substituição das águas que um dia, há bastante tempo, deslizavam pelo leito, com os lambaris a brincarem de esconde-esconde em meio às pedrinhas presas ao fundo. Pedrinhas, agora, distantes dos olhares populares. Nada mais se vê. Talvez, quem sabe, pelo grosso cobertor invisível que reveste completamente o que deveria estar a descoberto.

Acobertado, ainda que sob o cantar sincronizado do pássaro, cuja partitura realça as notas da transparência, sempre anuviadas pelas nódoas visíveis da retórica gorgiana. Mesmo que a imensa maioria de quem se faz uso dela, sequer tenha ouvido falar em Górgias, em suas técnicas, tão massificadas aos cidadãos gregos. Mas sabem o valor do malabarismo com as palavras, com o fim de robustecer a prosa, distração com ornamentos, e em reduzir grande parte das pessoas ao silêncio.

Vozes que desafiam os que exercem o poder já se tinham na Ilíada, de Homero, com o cântico de seus versos. Continuam os tendo também hoje. Certamente em maior número e força. Mesmo que alguns tentem abafá-las, e, por vezes, fazem com precisão, ainda que em tempo de redes sociais, uma vez que é forte a lacração. Lacra-se, ou tenta se lacrar quem ousam escutar o som estridente das queixas, das lamurias, das injustiças. Em troca, exigem que se fale de coisas boas. Coisas boas que se passam por cortina, ou, na verdade, de maquiagem, ou como diria Ney Matogrosso, em um trecho de uma de suas canções: “o que a gente faz/É por debaixo do pano/Prá ninguém saber/É por debaixo do pano/Se eu ganho mais...”

Isto fortalece o jogo no espaço da disputa eleitoral, que é, de fato, um espetáculo, o qual se faz acompanhar por críticos, mas, na maioria das vezes, por espectadores, cuja aceitação ou não dependem sobremaneira os atores. Atores que dizem ser o que nunca foram, e jamais serão, ainda que haja todo um coro de que são. São porque são. Aí de quem se atreve a discordar do que está sendo dito, e ao fazê-lo, recebe todo tipo de alcunha, sempre para desqualificar a pessoa do discordante, embora nada apresente para derrubar o que este formulou, ou argumentou. Não apresenta, pois lhes falte conhecimento a altura, e, por isso, a opção por ataca-lo de não gostar do país, só bastando repetir, como na ditadura, “ame-o, ou deixe-o”.

Valem-se também de palavras variadas. Ideologia é uma delas. Dizem-na, sem saber o seu conceito, e nem qual seja a sua serventia, e vão dizendo-a, torto e a direito, com o fim de calar, quem jamais se calará, pois não se pode, nem deve tentar abafar os gritos dos fatos. Mesmo que estes sejam ignorados ou desconsiderados pelos lacradores, que não aceitam que seus políticos de estimação sejam questionados, e a verdade venha a aflorar-se. E, por fim, quase dando lampejos de lucidez, balbuciam: “a verdade é decidida pelo voto da maioria”. O voto da maioria tem que ser respeitado, e o eleito por ele, referendado. Mas a verdade é bem outra coisa, muito diferente. A literatura é rica nessa direção. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e estudioso do jogo político.



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