Sempre acreditei que o retorno, antes de ser um andar para trás é a busca das origens, dos reencontros, e até da confirmação de um erro, logo que desnudado. Um olhar sobre o ombro, cargueiro de tantas experiências, ilusões e sonhos.
Retornar pode ser, também, encarar a realidade como posta, do ponto até então abandonado. Sair de um estado mental que se vive, para o vivido, retomando-o. Neste último sentido, ensaio as linhas a seguir.
Nas férias estamos sempre dispostos a esquecermos, ainda que temporariamente, das coisas do dia a dia – trabalho, preocupações domésticas, política local etc. -. Apressados, caminhamos para o lazer. Na poética “Bom tempo”, de Chico Buarque, o significado: “Dou duro toda semana/Senão pergunte à Joana/Que não me deixa mentir/Mas, finalmente é domingo/Naturalmente, me vingo/Eu vou me espalhar por aí [...] Ando cansado da lida/Preocupada, corrida, surrada, batida/Dos dias meus/Mas uma vez na vida/Eu vou viver a vida/Que pedi a Deus”.
Mas a contradição (Opa!... Sempre ela a nos ensinar!) indica-nos, dias após o começo do esperado lazer, um surpreendente confronto de ânimo pela saudade do corre-corre característico do trabalho. Ou o ócio nos faz inquietos ou, ao contrário, nos obriga à reflexão. E pensar não é fácil, não (imagino que os modestos concordarão)! Acostumados com a máquina corporal, sofisticada, mas néscia, que não prescinde de regular lubrificação, a preguiça intelectual faz escola.
No ócio que a alma é castigada, pois, como atender a Sócrates (conhece-te a ti mesmo) sem dar vazão ao pensamento? É nessa dialética interior que nos brindamos com as imagens que retratam o cotidiano de cada um, com seus acertos, o que é de júbilo, com seus erros, o que é colérico. Agigantamos e apequenamos em um vai e vem frenético do mais puro julgamento, o da consciência.
Na advertência de Chaplin - “não sois máquinas, homens é que sois” – a síntese do horizonte humanístico. A corrida diária a que nos submetemos, ou somos submetidos, embrutece, mata a essência do que nos reveste. Não nos damos conta disso. Então, como máquinas embrutecidas, logramos esquecer os pecadilhos na ostentação corporal ou pelo cansaço laboral - fácil e menos traumatizante do que pensar, refletir. E vamos repetindo desde o poeta romano Juvenal que “mens sana in corpo sano”. Aliás, até a mais valia se apodera disso quando impôs a pérola de que o trabalho dignifica o homem. Dignifica o homem ou o bolso de quem escraviza? Ainda dizem não haver altercação entre o capital e o trabalho. Pobres, que somos!
Retornando ao trabalho, deixamos para mais um final de primavera as nossas angústias. Nem a elas submetemos quando o lombo nos é castigado. A reflexão me foi imposta somente em sentir o cenário de umas boas férias. Seus frutos, não só os comestíveis, mas também e principalmente os que inquietam, fazem mais gordo; gordo de decência interior, a mesma que faz pesado o sentir pelos que nunca delas desfrutarão.
Sair de férias pode ser muito bom, mas também perigoso considerando o utilitarismo da vida. Devolvo a verve dramática aos saborosos prazeres do esquecimento; afinal, não nos querem máquinas?
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto (Saíto) é professor de Filosofia, magistrado e escreve aos domingos em A Gazeta (email: bedelho.filosofico@gmail.com).
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