• Cuiabá, 21 de Novembro - 00:00:00

A Reprise

Era o primeiro dia de outono, com a luz do sol escondida pelo véu nublado do céu, quase ao entardecer, esparramado a preguiçosa na sacada, seu José corria os olhos sobre o noticiário local e nacional. Uma e duas notícias prendiam-lhe mais a atenção, enquanto outras, nem tanto assim. Ou, por vezes, sequer, parava por um instante, saia logo para a página seguinte. Talvez, procurasse por um furo, sem ter sido repórter, cuja tarefa se perdia nas esquinas, dobras ou retas do labirinto social. Ou, quem sabe, estava em busca de respostas, a exemplo do pesquisador em meio à farta papeladas, retirada de caixas saídas de prateleiras que formavam um labirinto de documentos esquecidos. Ele sorriu. Sorria ao ver a si mesmo ou na condição de repórter ou na de pesquisador.

Pretensões que chegaram a fazer parte de suas ambições pessoais. Inclusive, quase se viu como estagiário em uma dada redação, igualmente se sentiu entre papeis espalhados pela mesa, mas as necessidades imediatas o obrigaram a tomar rumos diversos, a exemplo do beija-flor sempre à cata do melhor néctar, embora o fizesse pular de flor em flor. Anos se foram, até que um dia, viu-se preso a uma cadeira de rodas, e para se vir livre das correntezas do enfadonho, passou a dedicar mais e mais às leituras de jornais e sites. Naquela tarde, assim como fazia cotidianamente, o vai e vem dos políticos prendia-lhe a atenção.  

Promiscuidade institucionalizada. Migrações pipocavam-se. Nenhuma delas fora provocada por ideologia. Mas, isto sim, interesses pessoais, os quais se alimentavam da necessidade de maior espaço, maior visibilidade, com vistas à conquista ou a manutenção do cargo, o que resultaria no estar próximo do poder. Para tal, costuravam se acordos, desfaziam se outros, rompiam-se parcerias e selavam uma terceira, a exemplo daquele que mal acabara de se agasalhar em uma sigla, logo a deixou por outra, com maior parcela do fundo partidário.

Embora sujeita a passar por fortes resistências, sem que lhe esteja ao alcance o melhor dos prêmios, mas sim a possibilidade de alcançar uma migalha do bolo, que fora levado à mesa, onde mais dois partidos procuram se apossar dele por inteiro, com um candidato único. Mesmo nestes, inexiste união, concordância, afinal, as correntezas do desentendimento transformam cada célula em ilha, e, desse modo, torna-se pouco provável a construção de uma candidatura de centro, com real possibilidade de quebrar a polarização que domina a disputa. Articulações mal feitas. Conjecturas descabidas. Avaliações irracionais.

Isto realça a incompetência, a falta de habilidade. Mesmo que lá na frente, por um acaso, a tal candidatura venha a ser feita. Não, contudo, com a força necessária, capaz de diminuir a rejeição que sufoca, inibe o crescimento de um ou outro nome, embora endossado por coronéis. Coronéis que batem cabeças. Caso não esporádico. Presenciado também em agremiações distintas. Mesmo naquelas em que seus representantes estejam em dianteira, no primeiro pelotão, onde a briga entre si parece forte, e pode se tornar bem mais, pois o jogo, sequer, foi iniciado oficialmente.

Jogam, blefam, ameaçam, fingem brincar, mas as caneladas são rotineiras, frequentes quanto os falastrões que tentam oferecer o que jamais possuem, ajudados pela ingenuidade da torcida, que demovida da racionalidade, abraça qualquer ilusão do purgatório, mesmo que nada tenha de certeza. Mesmo a tal certeza, ou a sombra que se tem dela, retirada da cartola do Mandrake, que surgiu assim do nada, nascido do QG do faz de conta, com a ladainha já bastante conhecida, porém enganadora.

2018 não está assim tão distante, podendo ser lembrado imediatamente, ainda que a memória tenha sofrido certa lavagem, enquanto as crises chegavam a galope, iguais aos filmes de faroestes saídos de roteiros tupiniquins, com a bandeira a tremular em falso lugar, agigantadas pela pandemia. “A menos que se queira, e pode ser que haja quem é adepto de péssimas reprises” – confabulava consigo mesmo Luís, quando tentava se acomodar, pois se sentia afundado a preguiçosa. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.    



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