Tempos atrás, antes da pandemia, ainda não se tinha a restrição à aglomeração, tampouco se imaginava com isso, um grupo de jovens caminhava pelo saguão de um prédio na região central da cidade. Caminhava sem pressa alguma, ainda que dois ou três deles não demonstrassem interesse no que viam, ao contrário de outros, e o visto estava dividido em setor, em área temática ou não.
Quatro artistas expunham seus quadros. “Grandiosa exposição” – chegou a dizer alguém que, pela vez primeira, visitava um local desses. “Verdade” – concordou um segundo, com ar de quem se sentia a vontade naquele ambiente. “Há muito, precisávamos de algo assim” – afirmou um terceiro, acompanhado por um quarto, o qual apenas meneou a cabeça, ao passo que um senhor desgrudara-se do grupo e se postou a frente de uma tela mediana, com uma árvore solitária em meio ao gramado, cortado ao meio por um riacho. Fitava-o insistentemente. Seus colegas se aproximaram. Olharam a mesma tela, e, logo, deram suas opiniões a respeito do que viam, apressadamente.
O senhor, sem desviar o olhar, solicitou-lhes: “Observem com cuidado”. “Ah!...” – balbuciaram ao mesmo tempo. “Deixem suas vistas acostumarem com o visualizado... Forcem-nas, além de fazê-las deslizar por todo o ambiente pintado...” – insistia ele. “Não se contentem em fixar-se um único ponto, como se este fosse o todo” – prosseguia, diante do desentendimento dos companheiros. “Cheguem mais perto... Não tenham medo... Sintam o cenário...” – silenciou-se por um instante, até para observa-los. “Um traço, um risco pode ser importante, e, de fato, o é, mas está longe de dizer tudo sobre o quadro” – continuava, em meio a sorrisos, talvez em razão da reação positiva deles. “Há quem se atem a ver, sem enxergar... e, mesmo assim, faz longa analise sobre o que diz ter conhecido” – nova parada. “Também existem os que se prendem na superficialidade, e, então, tanto quanto aquele fazem palestras a respeito da situação descrita pelo artista” – ninguém o interrompia. “Tem um terceiro que decoram frases soltas ditas por outrem... Quando tem a opinião solicitada, vomitam-nas de uma vez só, quase sem fôlego, a espera de ser ovacionado, e, quase sempre, o é” – observou. “Quem o aplaude, infelizmente, se contenta com a superficialidade das coisas, jamais com o aprofundamento delas” – completou. “Contenta-se com a mediocridade e o achismo exagerado” – voltou à carga.
“Prefere, assim, o sarcasmo desproposital, as piadinhas desligadas do contexto e o desfile de adereços” – ponderou. “Sobrepõe-se a perfumaria...” “Ah!...” – deixaram escapulir seus companheiros.
“Isto mesmo... Perfumarias, adereços e bugigangas... Nada, ou coisa alguma de argumentos, pois os fatos, tão necessários, foram ignorados, deixados para escanteios... Aliás, diria Pablo Neruda: ‘Esta igreja não tem lampadários votivos/ Não tem candelabros nem ceras amarelas/ Não necessita de alma de vitrais ojivos/ Para beijar as hóstias e rezar de joelhos” – silenciou-se, ao mesmo tempo em que sorria, e sorria debochadamente, diante da incredulidade de seus ouvintes.
Até porque, acrescentaria os especialistas verdadeiros, ao contrário dos sabichões das redes sociais, o “Não” reiterado com força “é gorgiano”, para o qual “o discurso é tão real como qualquer realidade”. Platão e Aristóteles saíram contra a retórica, uma vez que esta, segundo diziam, vem esvaziada de substancias, de fatos, dos porquês e das razões – constitutivos da argumentação.
Argumentos são imprescindíveis a quaisquer opiniões. Opiniões que se dão e formam pelas palavras, além de promoverem o conflito. Conflito de palavras. Longe, portanto, das acusações, das ameaças e dos ataques pessoais, tão presentes no jogo político-eleitoral que, como um quadro de pintura, precisa ser olhado, enxergado em toda a sua plenitude, não apenas o que convém a um ou a outro grupo, ou fatia do eleitorado. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
Ainda não há comentários.