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Ciência, fé e ódio

  • Artigo por Gonçalo Antunes de Barros Neto
  • 28/06/2022 08:06:40
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            O conflito entre fé e razão e a conciliação entre Filosofia e religião despertam grande interesse acadêmico, sendo, seguramente, dois dos temas centrais a ocupar as preocupações dos teólogos e filósofos.

            Pensadores como Heráclito, Pitágoras, Anaxágoras, Xenófanes, Giordano Bruno e Darwin, dentre outros, tiveram problemas com a igreja por estabelecerem a ruptura entre mitos e lógos.

            A fé prescinde de prova; diferentemente, a Filosofia vai em busca dela para firmar seus conceitos e conclusões. Mas isso significa a prevalência de uma sobre a outra ou mesmo que a Teologia não seria confiável? Não, em absoluto.

            Para competir com a Filosofia no campo da racionalidade, dos conceitos e teses, a religião funda a Teologia (ciência sobre Deus). E então, transforma a história sagrada em doutrina (por Marilena Chaui, in Convite à Filosofia, Ática, 13ª edição).

            Cada qual a seu modo, Kant e Hegel tentam conciliar o conflito entre Filosofia e religião. O primeiro, limita o conhecimento teórico aos fenômenos, afastando as coisas em si das reflexões racionais.

            Os ‘nôumenos’ (realidade em si) são inacessíveis ao nosso entendimento, afirmou Kant. Deus e alma são realidades em si, não são fenômenos; vale repetir: o conhecimento está limitado aos fenômenos. 

            Hegel, ao contrário, entende que a mais alta manifestação de Deus é na cultura, e nesta Ele se realiza (manifestando para si mesmo) primeiro como arte, a seguir como religião, depois como Estado e, finalmente, como Filosofia (Idem, ob. Cit.). Deus não está antes e nem fora do tempo, mas é o sujeito espiritual que se efetua como sujeito temporal. 

            De um aparente conflito, Kant, com a noção de ‘nôumenos’, consegue retirar das apreensões científicas, as coisas explicáveis por si, que fogem à compreensão e entendimento humano, como Deus e alma. A manifestação da fé descarta a intervenção da razão para que sobreviva. Ao contrário, sobrevive por si, é autoexplicável, sem precisar passar por provas e demonstrações.

            Apesar da temática da existência ou não de conflitos entre religião e Filosofia, tem algo que ambas se preocupam e não chegaram a conclusões razoáveis, penso eu: o ódio. Esse sentimento é natural aos humanos ou foi adquirido nesta pátria material a que nos encontramos? 

             Em ‘O Cultivo do Ódio’, Peter Gay afirma que ‘Os humanos, animais beligerantes que são, cultivam seus ódios porque obtém prazer com o exercício de seus poderes agressivos. Mas as sociedades em que eles vivem cultivam o ódio precisamente da maneira oposta, sujeitando a agressão na maior parte de suas formas a um controle estrito; elas puxam as rédeas da violência antes que ela destrua tudo’.

            A modernidade venceu esses conceitos. Vive-se outros valores, se aceita a axiologia como ciência e a inclusão como meta. Apesar disso, insista-se, como explicar os pragmáticos e utilitaristas?

           O prático enxerga a tudo como um campo de batalha: de um lado, os do bem; de outro, os fora da lei, sem qualquer consideração sobre justiça, equidade, liberdade e igualdade. Daí as soluções golpistas, fraticidas, que só oprime e mantém privilégios.

           Contudo, o teórico fica na elucubração e não milita. E o senso comum à espera da canalha, do politicamente correto, e suga a religião como antibiótico de sua dor. Longe do cristão dualista do corpo e alma, nunca jogue suas peras com a verdade, especialmente quando ela se assenta por si.

            Se é próprio da natureza humana ou uma condição, o ódio não pode fincar raízes entre a ciência e a fé.

            É por aí...

 

Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e Direito, autor da página Bedelho.Filosófico no Facebook e Instagram e escreve aos domingos em A Gazeta (email: bedelho.filosófico@gmail.com).



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