Nas avaliações do 7 de setembro bolsonarista, há os que afirmam ter sido um enorme sucesso e outros um fracasso. As narrativas pululam ao sabor das predileções políticas. Cabe, creio, essencialmente, entender, temporalmente, o antes, durante e depois das manifestações e a essência, o conteúdo, do famigerado evento.
Antes do dia 07 de setembro, houve empenho direto e com muita força do presidente Jair Bolsonaro de divulgar e fazer um chamamento a um ato de apoio a ele e ao seu governo. Foram, praticamente, dois meses de propaganda de um presidente que aprendeu a monopolizar a agenda da mídia e com força nas redes sociais. A situação política de Bolsonaro é de um governo amplamente reprovado, com desgastes promovidos pela CPI da Covid, com deterioração da situação econômica (inflação, aumento dos preços da gasolina e do gás, dólar nas alturas, crise energética e hídrica se aproximando) e isolamento político, bem como a crise institucional alimentada pelas ações do presidente.
Sabe-se que há uns 12% de bolsonaristas raiz, que acompanharão o presidente por qualquer caminho que ele queira seguir, e, por isso, muitos dos manifestantes foram por conexão ideológica e comungam dos valores inerentes ao bolsonarismo, mas sabe-se, também, que houve apoio financeiro e logístico por parte de empresários e de setores do agronegócio simpáticos às teses propaladas. Em síntese, a minoria de apoiadores está bem articulada e o presidente continua no jogo.
Durante os atos - em Brasília e em São Paulo - inicia-se a já conhecida guerra dos números e das narrativas. Os promotores do ato afirmam ter sido um retumbante sucesso; os adversários indicam que apenas 6% do público esperado compareceu às ruas. Em termos imagéticos, os bolsonaristas não ligam se havia 125 mil (número estimado pelo Governo de São Paulo) ou 2 milhões como desejavam, o importante são as imagens, em fotos e vídeos, que objetivam indicar a força do presidente e serão compartilhados à exaustão nas redes sociais.
Naquilo que estava expresso nas faixas, no comportamento e falas dos manifestantes e no discurso de Bolsonaro, mais do mesmo: atos na essência antidemocráticos. Novamente, ataques às urnas eletrônicas e à lisura e legitimidade do nosso sistema eleitoral, colocando em xeque as eleições vindouras; ameaças aos ministros do Supremo Tribunal Federal, especialmente a Alexandre de Moraes. O mais grave, no caso, foi a afirmação de Bolsonaro que não mais vai acatar decisões de Moraes e isso significa, simbolicamente, que se o presidente pode descumprir decisão judicial, todos poderão, já que Moraes tornou-se o inimigo da vez.
Outro ponto, este já repetido em falas anteriores, foi a afirmação de Bolsonaro: "Só saio preso, morto ou com a vitória. E eu nunca serei preso. Só Deus me tira de lá". Esta afirmação reclama atenção redobrada, já que, na perspectiva do presidente, não há derrota pelo voto (as urnas são objeto de fraudes), não há possibilidade da Justiça o levar a julgamento ou à prisão. Nada disso. Só Deus ou a morte o tirariam do poder ou, como disse também, o povo, mas, para ele, em sua visão, a amostra de seus apoiadores é o que entende como a totalidade do povo brasileiro, desconsiderando sua altíssima rejeição.
Depois das manifestações, alguns elementos merecem ênfase. Em primeiro lugar, temos um dado positivo: não houve violência e nem ações concretas de policiais militares bolsonaristas. Houve o episódio em Brasília da tranquila superação das barreiras que isolavam determinadas áreas e em São Paulo de jornalistas que foram cercados e xingados e com policiais que demoraram para agir na proteção dos profissionais. No mais, aqueles que esperavam feridos ou mortos para uma escalada da violência, erraram nas previsões. Em segundo lugar, os resultados das manifestações em seus ataques às instituições serão, ao longo da curta semana, objeto de discussão no campo jurídico e político.
Juridicamente, já há no STF investigações em relação a Bolsonaro e, novamente, as falas de 07 de setembro podem ser novas provas no processo investigatório ou podem decidir iniciar nova peça jurídica. Politicamente, ganha força a tese do impeachment e, para isso, muitas variáveis devem ser consideradas: 1) o vice-presidente Hamilton Mourão está ou não disposto a encampar a tese e se colocar como solução para a crise?; 2) os atores políticos confiariam em Mourão, alguém sem experiência política, mas com capacidade intelectual e organizacional?; 3) o impeachment, agora, não interessa aos lulopetistas, pois a saída de Bolsonaro enfraquece Lula; 4) Arthur Lira pautaria o impeachment ou aguardaria a definição do processo na Justiça Eleitoral que versa acerca da cassação da chapa Bolsonaro-Mourão já que, com a cassação, Lira entra no jogo como aquele que assume sem Bolsonaro e Mourão?; e, não menos importante, 5) o Centrão desembarca do governo e daria os votos necessários ao processo de impeachment? - vale lembrar que nas votações para a eleição da presidência da Câmara e, recentemente, na PEC do voto impresso, os alinhados ao governo mostraram força.
Enfim, as manifestações de 07 de setembro conseguiram escantear os temas (pandemia, deterioração da economia e a CPI) que enfraquecem o combalido Governo Bolsonaro, por enquanto. A essência da ocupação das ruas apresenta um ensaio do que poderemos presenciar em 2022, mormente, num caso de derrota de Bolsonaro que, segundo as recentes pesquisas, mostra-se provável. Insisto que Bolsonaro assume na condição de substituir o presidencialismo de coalização pelo presidencialismo de confrontação. Não vai se moderar, não vai recuar jamais. Interessa manter esse clima beligerante de tensionamento da sociedade, das instituições e da democracia. A questão é até quando esse clima será aceito pelos atores políticos e pelas instituições?
Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Graduado em Ciências Sociais, Mestre e Doutor em Sociologia, pela Unesp.
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