O jogo político é um jogo bruto, desleal e desigual. Alguns atores se destacam mais, e outros, nem tanto assim. Há também os que servem de coadjuvantes, até para darem corpo ao encenado. Mesmo estes se valem de todas as armas que possuem, ainda que não sejam as mesmas dos protagonistas, os quais igualmente se beneficiam com as ações de quem têm papéis secundários. Espetáculo montado. A plateia se delira. Vai ao júbilo. Mais a um canto, talvez em lugar estratégico, se acomodam os críticos. Pouquíssimos, mas atentos a toda a movimentação.
Nem tudo, porém, se dá a olhos nus. Muita coisa passa despercebida (não deveria) pela imensa maioria da população. O acontecido deixa seus rastros, é verdade, os quais se perdem em meio ao nevoeiro formado pelo “jeitinho”, pavimentado pela mentira, com o uso de instituições tidas como de Estado, em proveito de um grupo político. Artimanha antiga. Bastante utilizada em séculos passados. Reprisada atualmente. Embora haja quem duvide, e ao duvidar-se, traz a tona questionamentos necessários, o que abre uma discussão importante: a necessidade de autonomia dos integrantes de cada corporação para escolherem seus próprios chefes, sem o crivo dos governantes.
Isto é uma exigência da democracia. Não dá mais para protela-lo, ou ignorá-lo. Não dá mais para deixar de ver o óbvio: o uso das corporações com fins político-eleitorais. A propósito, segundo a imprensa, no dia 24 de agosto do corrente ano, em entrevista a uma emissora de rádio, o delegado de Polícia Civil Flávio Stringueta teria dito: “Conversei com os delegados... Pelo que me disseram na época, pode ter havido uso político e hoje também,... e a gente sabe que há um racha entre o governador e o prefeito. Então, pode sim até para prejudicar o prefeito talvez”.
Em momento anterior, na CPI do Covid-19, senadores estranharam o fato de que alguns depoentes, nas vésperas de seus depoimentos, tenham se tornados investigados pela Polícia Federal. Valendo-se desta condição, claro, eles, os depoentes, recorreram ao STF para ficarem calados diante dos interrogatórios na CPI do Senado. E mais, antes e depois, de acordo com a imprensa, oficiais das Forças Armadas presentes em manifestações políticas. O que lhes são vedados pelo regimento e pela Constituição Federal. Também contrários ao próprio caráter das Polícias, bem como ao estatuto do Estado, militares a se posicionarem a favor ou contra determinados agentes políticos e públicos. Nenhum deles foi punido.
A impunidade é mesmo o cancro que cala o país. País dividido, massacrado pela desigualdade social e pela intolerância, somado a taciturnidade do Procurador-geral da República. Tudo isso é preocupante. Mas acontecem. Não deveriam acontecer, caso os legisladores tivessem, de fato, conjugados um verbo imprescindível: legislar, além do fiscalizar. São fissurados em emendas parlamentares. Falam dela e as distribuem em suas bases eleitorais, depois cobram em dobro por elas.
As emendas são moedas de troca do presidente da República e dos governadores. Estes somente as liberam para pagamentos depois de terem recebidos o que compraram: votos a favor de seus projetos nos Parlamentos. É o chamado toma lá, dá cá. Disfarçado de governabilidade. Ainda que não seja. Congressistas batem cabeças, naufragados pelas ondas de uma legislatura que se vem colocando como a pior do que a passada. Incapazes e sem qualquer interesse em discutirem o que deveriam discutir, e decidirem por criarem regras e normas para a eleição dos chefes das instituições de Estado, até para que estas se tornem, de fato, de Estado, e não de governos. É isso.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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