O STF em recente decisão, tomada por unanimidade na ADC 49/RN, julgou improcedente o pedido formulado pelo estado do Rio Grande do Norte e declarou a inconstitucionalidade dos artigos 11, § 3º, II; 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, e 13, § 4º, da LC 87/96. Dessa decisão o Estado interpôs embargos de declaração pedindo a modulação temporal e a manifestação acerca da extensão do julgado em relação à amplitude da decisão quanto à autonomia dos estabelecimentos.
Com essa decisão ficou mais uma vez confirmados os entendimentos anteriores do próprio STF (RE 158.834/SP) e do STJ (súmula 166 e REsp 1.125.133/SP), no sentido de que na transferência, tanto interna quanto interestadual, de mercadoria entre estabelecimentos do mesmo titular, não incide o ICMS. Isso porque não se trata de uma operação que transfere o domínio de bens, os quais permanecem no patrimônio da empresa, mas de seu mero deslocamento físico, o que não configura uma circulação jurídica, ou seja, a necessária mudança de titularidade para que possa legitimar a pretendida tributação.
Essa posição dos tribunais superiores não é nova, vem desde a década de 1970, isso ainda na época do antigo ICM, sendo tal entendimento reiteradamente mantido.
A despeito do que dispunha na sua parte final o artigo 11, I da supracitada lei complementar do ICMS, no sentido de que ocorria o fato gerador do imposto mesmo quando a saída da mercadoria fosse para outro estabelecimento da mesma pessoa jurídica, isso não implicava muita preocupação, porquanto o débito na saída era compensado com o crédito decorrente da entrada tributada.
O problema que exsurge com essa decisão do STF reside na realização de operações interestaduais, uma vez que não sendo tributada na saída do estado de origem, a arrecadação ficará apenas com o estado de destino por ocasião da posterior saída, bem como o problema de se saber se haveria ou não direito à manutenção do crédito apropriado em razão da aquisição da respectiva mercadoria pelo estabelecimento localizado no estado remetente.
No caso acima apontado, em havendo a manutenção do crédito, a referida distorção na arrecadação tributária de cada ente, assim como a permissão de eventual transferência de crédito para evitar inclusive problemas de caixa de cada estabelecimento, só poderá ser solucionado com a celebração de convênio no âmbito do CONFAZ ou de alteração da lei, mormente com a inexistência nessa hipótese de autorização para centralização de escrituração, bem assim com o fim da autonomia de cada estabelecimento do mesmo titular, isso para efeito do ICMS, consoante decidido pelo STF na ADC em apreço.
No que concerne à mencionada manutenção de crédito, a matéria é polêmica, havendo corrente doutrinária entendendo ser ela legítima, porquanto não se trata de isenção ou não incidência, uma vez que o caso não é de uma operação de conteúdo econômico caracterizada como mercancia, “ipso facto” de uma de saída com circulação jurídica do bem, pois não há a transmissão de sua propriedade, inexistindo, portanto, o aspecto material do ICMS, motivo pelo qual não teria aplicação a obrigatoriedade de estorno determinado pelo artigo 155, § 2º, II “a” da Constituição Federal e artigo 21, I da aludida lei complementar, como, por exemplo, já ressalvou o STF, em caso de comodato, no RE 1.141.756.
Tendo essa decisão efeito “erga homnes”, possui, por conseguinte, eficácia geral e vinculante, mas fica-se ainda no aguardo da decisão dos embargos com vistas a dirimir as dúvidas surgidas após esse julgamento, bem como das providências que terão de ser tomadas pelas unidades da federação, destacadamente em relação às operações atinentes à substituição tributária, diferencial de alíquotas, antecipação da cobrança do imposto e as praticadas por empresas optantes do Simples Nacional, questões essas que inevitavelmente advirão das transferências interestaduais entre matriz e filiais, agora sem a incidência do imposto estadual.
Dr. Juliana Bueno é Advogada Tributarista na JBueno Consultores e Advogados, Consultora Tributária na Lucro Real Consultoria Empresarial, especializada em Direito Tributário, ex-assessora do Tribunal de Contas e da Procuradoria Geral do Estado de MT. e-mail: juliana@jbuenoadvogados.com.br
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