• Cuiabá, 16 de Junho - 00:00:00

Não A Carta Viciada

A democracia não é um prêmio, nem um presente, mas, evidentemente uma conquista. Conquista do conjunto, e não de meia dúzia de pessoas. Conquista sempre inacabada. Isso em razão da própria natureza da democracia. Jamais concluída. O que deixa, ou deveria deixar a todos em alerta, cuidadosos, pois, qualquer coisa, por menor que seja, pode paralisa-la, ou mesmo leva-la a morte. O que seria desastroso. Desastroso para todos. Inclusive para quem se colocam em trincheiras opostas, e brincam de se posar de democratas.

Jogo de cenas. Palavras vazias. Comportamento reprovável. Reprovável pelo disfarce, por se passarem por algo que não são. A reprovação se baseia na enganação, por não se mostrarem verdadeiros, como são de fato. Se seus comportamentos fossem outros, não teria o que reprovar, ou abominar. Afinal, em um Estado democrático, nenhuma pessoa pode se sentir acuada, obrigada a defender o que não põe fé, nem se posicionar a favor do que está em desacordo com a sua vontade e o seu ideal de vida. Desde que esse ideal e essa vontade não agridam as regras, as normas, as legislações e o estatuto do Estado brasileiro.  

Exigências mínimas. Imprescindíveis. Presentes no dia a dia. Marcantes. Uma forma de preservar o existente, garantir a associatividade e avançar. É assim em qualquer lugar, onde haja a liberdade, ou em quaisquer entidades privadas. Avança-se, ainda que se tenha a certeza de que a parada também se faz necessária, até para se reoxigenar ou recarregar as baterias, e, então, prosseguir-se.

O Estado é um corpo. Não uniforme. Nem deveria sê-lo. Seu território é descontinuo. Sua sociedade, plural. Pluralidade desconsiderada pelas ditaduras Vargas (1937-45) e militar (1964-85). Quiseram-na torna-la singular, uniforme. Façanha impossível. Ainda que tenham tentado silenciar as vozes plurais. Silêncio por meio da violência, torturas, prisões, assassinatos e censura. Quebrado, por fim.

Os plurais se levantaram, saíram para a luta, conquistando um ou outro espaço, viram “o bolo crescer”, sem serem chamados para o banquete, mesmo porque ainda não se detonou a cadeia de privilégios. Antigos e mantidos por um tripé: cartorialismo, corporativismo e patrimonialismo. Estrutura arcaica. Urge sua demolição.

Mas, para tal, somente a Reforma Política. Reforma que não se resume, nem se restringe a mudanças na legislação eleitoral, mas, na verdade, o reformar o Estado. E, ao reforma-lo, destroem-se os alicerces carcomidos da cadeia de privilégios. Utópico! Certamente que o é. Mas não se perdeu o direito de sonhar. Sonha-se, ainda que se esteja em meio pandêmico, com a dor das perdas e das ausências.

Sonha-se, mesmo envolto ao rebuliço ultraconservador, que assola, arrasta tudo que encontra pela frente, e procura destruir o que já se conquistou em termos de direitos. Direitos que um dia, bem antes, foram sonhos, viraram desejos, vontades, passaram a ser reivindicações, e, então, consagrados, garantidos pela Constituição Federal. Muito ainda se tem para sonhar. Tem tanto para se conquistar. Outros tantos para serem retomados, pois às correntezas adversas trataram de retirá-los de cena.

Não se quer um brado uníssono. Isto é imaginável. Impossível. A Nação é o todo. Todo constituído de partes. Partes, sem as quais, aquele nada seria. Realça, assim, o seu plural. Plural que não morre. Plural de singulares. Singulares, muitos deles ainda não convidados para o banquete, cuja mesa está o “bolo crescido” dividido entre pouquíssimos, nem têm eco de suas vozes. Vozes necessárias para fazerem avançar a democracia. Democracia que brota em terreno da pluralidade, com os tijolinhos da liberdade, assentados sobre a argamassa do respeito sempre as diferenças e aos diferentes. É isto.

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.



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