Nunca se falou tanto em fraternidade e solidariedade como nos dias atuais. E a verdade é que nunca se precisou falar tanto nessas duas importantes virtudes a serem cativadas. Papa Francisco, no mês de outubro do corrente ano, na encíclica ‘Fratelli tutti’, ou fraternidade entre irmãos, discorre sobre o tema, especialmente pelo período pandêmico vivenciado mundialmente.
Francisco apresenta as deformidades da sociedade de hoje, quando muitos e muitas acabaram saindo de suas ‘ilhas’ e assumindo posições menos humanitárias. Diz das distorções vislumbradas com o interesse apenas pessoal, lucro desmedido para poucos e poucas, falta de democracia, cidadania e justiça com equidade. Acrescenta que o desemprego, o racismo, a pobreza, a escravidão e o desrespeito à liberdade de gênero tem causado males sem precedentes.
Rememorando a parábola do ‘Bom Samaritano’, o Santo Padre explica quanto à possibilidade de se fazer o bem independentemente de quem irá se beneficiar. Enfatiza que o Bom Samaritano é molde social e civil de inclusão, que deve ser trazido aos nossos dias para que possamos ‘sair do lugar comum’ atingindo o necessário.
Traz citações de São Francisco de Assis ao afirmar que a fraternidade não deve ser apenas com seres humanos (abandonados, doentes, descartados por vários motivos), mas, também, com a natureza (sol, vento, mar, etc.), devendo ser enxergada e praticada de modo global. Diz Francisco que a incapacidade dos seres humanos de agir em conjunto e sem pensar individualmente tem deixado marcas indeléveis, sem qualquer motivo para se orgulhar.
O Papa admoesta que a fraternidade não é apenas uma emoção ou um sentimento, devendo ser cultivada a amizade social. Há necessidade de inversão da lógica que vem acontecendo predominantemente. O mundo não vem agindo de acordo com os ensinamentos do Pai, como um ídolo eterno a ser seguido. Os irmãos e irmãs estão em busca constante por mártires.
A amizade social permite que o diferente se torne igual. A fraternidade ganha todos os tempos e momentos: quer na família, na política, na construção social e por aí afora. Apesar de o mundo estar interligado pela internet, na vida material não há esse sentimento real. É premente que essa palavra seja redescoberta como à época da Revolução Francesa.
A ‘Fratelli tutti’ se abre em uma fraternidade aberta, reconhecendo que qualquer pessoa possa ser amada, sentida, reconhecida, tocada e valorizada para além das fronteiras físicas.
As lições do Santo Padre quanto aos direitos humanos, posto teleológicas, traz à tona a importante Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948: ‘A presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforcem, através do ensino e da educação, em promover o respeito a esses direitos e liberdades e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, em assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos (...)’.
Como Bom Samaritano, Francisco deixa evidente na encíclica a esperança de dias melhores. Assim, como estamos a esperar por uma vacina, que deverá assegurar a imunização indistintamente, a imunização fraterna da amizade social deverá acontecer como forma de incluir em todos os lugares, guetos e países.
Gonçalo Antunes de Barros Neto (Saíto) é formado em Filosofia e Direito, autor da página Bedelho. Filosófico no Face e Instagram e escreve aos domingos em A Gazeta.
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