Caros leitores, já leram ‘Vultos Eminentes’? Livro magistralmente escrito pelo Desembargador António Arruda. Após narrar históricos da vida de Rondon e, antes mesmo de nos brindar com o conhecimento das obras de José de Mesquita e D. Aquino Corrêa, sintetiza as boas andanças de Augusto Leverger, o Barão de Melgaço. Recomendo.
Nascido em Saint Malô, região da Bretanha (França), em 1802, filho de navegador, o futuro Barão de Melgaço passou a infância praticamente entregue à assistência materna, já que o pai havia sido, não obstante as constantes ausências por motivo de trabalho, aprisionado pelos ingleses, então em hostilidades com os franceses. Vivendo à beira mar, em 1819 acompanhou o pai em uma viagem que selaria seu destino. Seguindo para Buenos Aires, diante do naufrágio do navio em que se encontrava, inicialmente fixou-se em Montevidéu, trabalhando em serviços do mar. E, posteriormente, em Buenos Aires, após a morte de seu pai, ocorrida em 1822. Com o término do conflito pela nossa independência, incorporou-se à Marinha brasileira.
Após lutar pelo Brasil contra as províncias do Prata, Leverger recebeu algumas missões em Cuiabá, inclusive a construção do arsenal da Marinha do Brasil. Em outubro de 1843, casou-se com D. Inês de Almeida Leite, fincando definitivamente raízes no Estado, dos quais são descendentes os Alves Corrêa, Arruda e Sá, Corrêa Cardoso, Prado etc.
Deixando as funções públicas, Leverger recolheu-se a uma vida sossegada na casa da antiga rua do Campo, hoje Barão de Melgaço, sede da augusta Academia Mato-Grossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Da França, na beira mar da Bretanha, até Cuiabá, do ‘agarrador Mato Grosso’ – ‘Nada mais posso almejar neste mundo. Deus me deu muito mais do que eu pudera sonhar. Estou velho, mas não alquebrado e, se houver ainda necessidade de mostrar a esta boa terra, que tão bem me acolheu, quanto lhe sou grato, fá-lo-ei com toda a boa vontade. Sou feliz como se possa ser, embora sempre inclinado à tristeza e a uma vaga e indefinível aspiração. Que me falta? Falta-me não sei o que. Pungem-se, às vezes, dolorosas saudades da pátria, a nossa cara França, ou então do mar, do Oceano, com todas as suas magnificências, perigos e até horrores. Poderia eu, porém, deixar hoje o meu agarrador Mato Grosso, que tão bem soube prender-me a si? Não, não, impossível! Aqui findarei os meus dias... Levem as águas deste Paraguai, a cuja beira vim abrigar a minha modesta existência, realizando todos os meus desejos, levem elas ao grande Oceano, meu amigo de outrora, no seu rolar sem fim, a lembrança do velho Leverger’ (em carta à irmã) -, o que ocorreu em 14 de janeiro de 1880.
A história de Mato Grosso é muito bonita. Como bonita sempre foi a fascinante Cuiabá com suas superstições, brincadeiras e contos. Gente acolhedora e simples. Morei alguns anos em Brasília e estudei no seminário dos irmãos Marista, na adolescência. Guardo boas lembranças de lá, mas as de Cuiabá da minha ‘criancice’ são inigualáveis. Veríssimo, Maria Preta, o barbudo inspetor, o homem do saco, a menina do algodão... Saudades das corridas que levava de puro medo.
Apesar de alguns ainda falarem ‘do Mato Grosso’ e ‘no Mato Grosso’, o nosso povo, acolhedor, perdoa. Perdoa setenta vezes sete, pois, não é que a sua capital já se chamou Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá?
Gonçalo Antunes de Barros Neto tem formação em Filosofia e Direito, autor da página Bedelho. Filosófico no Face e Insta, e escreve aos domingos em A Gazeta (E-mail: antunesdebarros@hotmail.com).
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