Nuvens cinzentas. Não se mexiam. Ao menos era essa a impressão que se tinha. Mesmo diante das fortes ondas de fumaça. Vinham lá das bandas do cerrado e da savana alagada. Espalhavam-se com uma rapidez impressionante, e uniformemente desciam sobre as cidades. Quase como um tapete gigante e espesso, impenetrável pela luz. O que tornava o ar asfixiante e o calor, bem mais quente. Crianças e adultos reclamavam do forte mal-estar. Insuportável! Palavra repetida por muitos, a todo instante e toda hora.
As conversas, independentemente do lugar e da ocasião, sempre se voltavam para o estado do clima, da baixa umidade e do fogo, cujas labaredas deixam rastros de destruição na natureza, formando um imenso vazio em suas entranhas, com ferimentos e mortes de animais e o verde em desaparecimento. Manchetes e chamadas ganharam as páginas dos jornais, revistas, sites, blogs e os espaços das emissoras de TV e de rádio. E, logo, se espalharam mundo afora. Críticas não tardaram. Pipocavam-se aos montões. Tais como milhos de pipocas nos micro-onda. E não era para menos.
Afinal, continuam vibrante e efervescente o “crescimento econômico e a sustentabilidade”. Países levam a sério. O mercado internacional é exigente neste sentido. Ainda assim, há quem deixa de respeitar o meio ambiente e a não estar nem aí parta a qualidade de vida da população. Tudo pela ganância. A reação internacional não perdoa. Associa-se a nacional. Ou, talvez, seja a nacional que se somou a internacional. Mas, quer saber, pouco importa quem se juntou. Relevante mesmo é o que juntos estão a defender.
Ainda que haja, e sempre há o sabotador, aqueles, ou aqueles que buscam o atalho, o esconde-esconde, para escamotearem, mesmo incapazes de esconderem as línguas de fogo que, ao longe, podem ser vistas, enquanto as correntezas de fumaças se avolumam nos céus das paragens distantes. A savana e o cerrado tornam desse modo, o centro do universo. Pena que por uma via indesejada, porém provocada, pois está em curso o processo de desmonte das entidades encarregadas de fiscalização, com o coro do “passar a boiada”.
Gritaria! O eco chega as vigilantes. Retumbam na ONU. Voltam-se as críticas. Bem mais acentuadas. Os reinóis são levados a pronunciarem. Não têm outra saída. Mas conta com um grande trunfo, o de ser o primeiro a falar, e fala por quase um quartel de hora. Talvez nem isso. Muito menos, na verdade. Inexistia novidade no que dissera. Nem a tal novidade era esperada. Longe disso. Foi ouvido, e o que se ouviu, em nada se aproximava do ocorrido. Ainda que se fizesse um tremendo esforço. Impossível se contentar com a versão. Versão estranha. Distante, sequer, de persuadir. Mas o falante não falou para os presentes em assembleia.
Falou para um público especifico. O seu próprio. Acostumado ao negacionismo. Alheio ao dizer da ciência. Adepto da versão em substituição do fato. Um fato que lhe soa mal aos ouvidos. E foi ao delírio diante do rosário de mentiras. Sem que tivesse usado pedrinhas. Nem poderiam. Isso porque está longe de ser um anacoreta oriental. Ainda que quisesse sê-lo. Mesmo em meio a uma cortina de fumaça, pela qual se esconde e ataca as minorias sociais, com o fim de afastá-las do reconhecimento de direitos.
Toada em que se associou a outra, a de que há um complô contra, e tudo faz para replicar as “falsas” denuncias de desmatamento e de queimadas. Assertiva, no mínimo, curiosa – para não escrever aqui um palavrão. Conspiração e falsidade que se juntam com o fim de esconder o que não se pode jamais, pois o céu continua cinzento, carrancudo, não de mau-humor, mas da fumaça que advém do fogo que deixa rastros na savana e no cerrado, a despeito dos que procuram negar tais fatos. É isto.
Lourembergue Alves é professor universitário e analista político.
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