Para Descartes, há somente seis paixões primitivas: a admiração, o amor, o ódio, o desejo, a alegria e a tristeza (As Paixões da Alma). As outras, e é claro que existem, se compõem de algumas dessas ou então são espécies delas.
Neste espaço, contudo, nos ocuparemos da admiração, que, por si só, já teria componente reflexivo o suficiente para encher dezenas de páginas.
Continua o filósofo francês: ‘a admiração é uma súbita surpresa da alma que faz com que ela se ponha a considerar com atenção os objetos que lhe parecem raros e extraordinários’.
Assim, pode-se concluir que a admiração é causada, em princípio, pela impressão que se tem a pessoa dona do cérebro que representa o objeto/sujeito como raro, digno de muita consideração.
Consideração elevada há aos homens ou mulheres EXTRAordinários, ou seja, fora de tudo que é ordinário, portanto.
Contudo, há um sentimento contrário a essa paixão, provavelmente sua oposição ou contradição, a inveja. O invejoso não admira, não sabe admirar, se sente despossuído do lugar do admirado, do extraordinário.
Aqui, vale sempre lembrar Tom Jobim: ‘no Brasil, o sucesso é ofensa pessoal’. Ou mesmo Nelson Rodrigues: ‘Assim é o brasileiro – um sujeito atormentado por culpas imaginárias’, ou ainda, ‘O brasileiro tem por hábito cochichar o elogio e berrar o insulto’(O Reacionário, Memórias e Confissões).
Mas não é o brasileiro que se mostra dessa forma, não. O brasileiro sabe disfarçar. É o outro; sim, o inferno ‘são os outros’ (Sartre). Por estarmos condenados a sermos livres, e livres até na busca de autoconhecimento, os outros fazem com que conheçamos a nós mesmos. Interessante isso, os estrangeiros, que admiram seus extraordinários, nos faz ver o quanto temos de complexo de vira-latas.
Para Aristóteles, a admiração é a atitude que está na raiz da investigação (busca-se conhecer o que está diante de si e que seja diferente do já conhecido, apreendido; extraordinário, vale afirmar). Admiramos aquilo que se torna maravilhoso aos nossos olhos, à nossa consciência crítica - a espetacular singularidade de um ser.
Na inveja, não ‘é o grito que dá testemunho primeiro da violência’ (Zeljko Loparic, in Heidegger Réu), mas a indiferença ou o fingir dela.
É interessante como as pessoas não param para pensar no que se tornaram. É mais fácil afiançar-se na fé em detrimento das obras. A inveja está camuflada numa redoma de fé e perdão, numa promessa de cura e tolerância a cada pecado.
Afinal, nas conclusões de Nietzsche (O anticristo) não estaria a redenção? – ‘no fundo, houve apenas um cristão, e esse morreu na cruz (...). Apenas a prática cristã, uma vida como a que viveu aquele que morreu na cruz, é cristã (...). O cristianismo original, verdadeiro, sempre será possível... não uma fé, mas um fazer, sobretudo um não fazer muitas coisas, um ser de outro modo (...)’.
Cristo vive, sim, mas com maior densidade naqueles que lutam pela justiça e igualdade, resistência contra todo tipo de opressão e que sabem admirar.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto (Saíto) tem formação em Filosofia e Direito pela UFMT, autor da página Bedelho. Filosófico no Face, Insta e YouTube, e escreve aos domingos em A Gazeta.
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