• Cuiabá, 03 de Dezembro - 00:00:00

Trava no Olho

Tempos pandêmicos. O vírus, inimigo invisível, deixa uma onda de rastros bastante nítida, tão cristalina quanto era, em períodos idos, a água do “Córrego das Estrelas” (O Prainha), cujas pedrinhas ao fundo poderiam ser vistas ao longe, diferentemente de agora, transformado em corredor de dejetos e sujeiras, sem a devida atenção do poder público. Marcas, igualmente, visíveis. Tanto quanto as ondas e correntezas provocadas pelo Covid-19, a despeito de uma porção de pessoas que teima em tentar escondê-las, no instante em que chama quem as divulgam (denunciam) de “alarmistas”, de “serem alimentadores do pânico”, acusando-os de “pregadores do quanto pior melhor”.

Mas, tragicamente, a equivocadamente chamada “gripezinha” ocasiona consequências desastrosas: prejuízos à economia, pobrezas, fechamento de portas e desempregos, sequelas em um sem número dos recuperados da contaminação, muitas mortes e uma dor imensurável em familiares e amigos dos que morreram. Dor sem fim. Ferida jamais cicatrizada. Isto é de uma obviedade tamanha...  

Mas, estranhamente, ainda há os que não percebem todos esses rastros, e procuram escamotear a irresponsabilidade de um dado governante. O que obriga a citar aqui uma frase de Francisco Duarte Júnior, em seu livro “o que é realidade”: “se o homem vivesse no fundo do mar, a última coisa que ele perceberia seria exatamente a água”. Frase lapidar, pois revela o que nunca ficou encoberto: o óbvio, nem sempre, é notado por todos. Infelizmente! Tem gente que, por conveniência, finge não enxergar o que está à frente de seus olhos. Aliás, diz um dito antigo: “o pior cego é aquele que não quer ver”. Isto explica o porquê só se visualiza alguns dos crimes registrados, apenas alguns dos enormes desvios do dinheiro público, algumas práticas de peculatos e alguns atos ilegais e imorais.

Considera corrupção apenas as contratações de funcionários fantasmas realizadas por alguns políticos, por alguns agentes públicos. Criminosos são sempre os adversários de seu político de estimação. São sempre os outros. Nada importam os fatos, as provas contrárias. Afinal, estufa o peito para apregoar-se, com a boca cheia, que o seu político de estimação “nunca se envolveu com o ilícito, com o imoral”. Ainda que relatórios e mais relatórios do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) tenham listados pagamentos, depósitos atípicos, estranhos, suspeitos na conta do dito político, ou na da esposa, ou na de parentes, ou na de assessores.

Além de se recusar a perceber o óbvio, posiciona-se contrariamente ao veículo de imprensa que divulga esses atos e ações ilícitas e imorais, taxando-a de estar “contra o país”, a serviço dos adversários, a serviço dos “pregadores do quanto pior, melhor”. Além do mais, valendo-se da bandeira da liberdade de expressão (será?), ataca com palavras ácidas, ofensivas, de baixo calão, a pessoa dos que reproduzem, ou mencionam a tal notícia de corrupção, mas se recusa piamente a encarar e a conversar sobre as provas que “saem pelo ladrão” – frase também antiga, mas ainda apropriada.

Teria comportamento totalmente diferente se as acusações recaíssem nas costas dos adversários do político de estimação. Aí sim, valem as provas, os relatórios de registros de movimentação atípica. Só vê e enxerga a sujeira provocada por outrem, e nega, com veemência, de perceber a podridão que já se alastra embaixo do tapete da casa. Ah!... Talvez... Quem sabe!... Em razão da enorme trava que lhe atravessa a córnea e chega à íris, tapa a pupila, impedindo-a de facilitar a entrada de luz no olho, e, consequentemente, a imagem do objeto chega ao impreciso, escurecido, opaco e, desse modo, focado sobre a retina. Nada cristalina, ainda que seja de fato, assim como é a enorme onda de rastros do Covid-19. É isto.

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: lou.alves@uol.com.br



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