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Moeda Verde, contrassenso e incoerência

  • Artigo por Alberto Scaloppe e Luana Scaloppe
  • 05/02/2020 07:02:21
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As políticas ambiental e financeira têm suscitado intensos debates sobre o posicionamento mais acertado para garantir o desenvolvimento da economia aliado à manutenção de condições saudáveis de vida para a população, condição indissociável da preservação ambiental.

É em meio a esse jogo de forças que foi promulgada, em novembro passado, a Lei Estadual nº 11.001/2019, com o propósito de instituir o “Programa Moeda Verde”. A proposta efetiva o princípio do desenvolvimento sustentável, norma jurídica de alta hierarquia que determina que o crescimento econômico deve estar sempre em balanço com a preservação ambiental. Diante dessa relevância, a lei merece alguns apontamentos.

A Lei Moeda Verde possui dispositivos que pretendem instituir um mercado de títulos e de créditos que são gerados a partir de excedentes de preservação ambiental. O proprietário de determinado imóvel rural que conserva e amplia a vegetação nativa presente na propriedade poderá buscar a emissão de títulos representativos dessa preservação e que possuirão certo valor de mercado. A emissão desses títulos sujeitará o interessado à burocracia envolvendo entes responsáveis pela certificação do título (uma validação do título, ou seja, dizer que ele condiz com a realidade e que, portanto, está apto a ser negociado no mercado) e organismos autorizados a negociá-los. Por fim, no lado oposto da relação, proprietários rurais que possuam déficit de preservação e estejam em situação de irregularidade com órgãos ambientais poderão comprar esses títulos como forma de compensação.

A intenção parece boa. Contudo, a norma apresenta alguns problemas. Em primeiro lugar, ela peca por ter um baixo grau de operabilidade. O Código Civil pauta o princípio da operabilidade, que exige que os direitos conferidos ao cidadão devem ser facilmente compreendidos e que o sistema seja facilmente operável. Esse não parece ser o caso da lei, pois, há um campo nebuloso a respeito de como funcionará a emissão desses títulos, de como será aferido o seu valor, de como e onde ele será negociado e qual será a extensão dos seus benefícios.

Em segundo lugar, a Lei cria condições favoráveis para que o Estado também haja como ator desse mercado, podendo ele ser detentor desses títulos. E aqui surgem alguns problemas, pois a participação do Poder Público nessa posição implica um contrassenso, uma incoerência e uma aparente inconstitucionalidade.

O contrassenso reside no fato de que o Estado seria beneficiado com a emissão de títulos representativos de conservação de áreas que ele já é obrigado a preservar. Isso, ao menos do que é possível compreender da Lei, porque o Estado poderia emitir títulos sobre as áreas preservadas de suas Unidades de Conservação (UC). Ocorre que, embora a instituição de uma UC não seja obrigatória, a partir do momento que ela é instituída, a sua proteção e conservação são obrigatórias. É essa a razão de existir da UC. Como, então, poderia o Estado ser beneficiado por isso, competindo com o particular?

Dessa última noção é que decorre a incoerência, pois, ao permitir que o Estado seja proprietário de títulos de áreas que é obrigado a preservar, cria-se incoerência com os princípios econômicos atualmente vigentes no planejamento dos governos estadual e federal, o que gera desnecessário embate ideológico e dificuldades políticas de implantação do programa.

Por último, a ideia de que o Estado seria dono de títulos, emitidos em razão da preservação de áreas que, necessariamente, já teriam que ser preservadas, para compensar áreas desmatadas ilegalmente contraria todo o arcabouço de princípios constitucionais que ditam a posição do Estado na tarefa de preservação ambiental, fazendo surgir uma, aparente, inconstitucionalidade da Lei.

Concluímos que pode haver uma intenção legítima de movimentação econômica do setor de preservação na extensão do nosso Estado, mas, o método ligeiramente proposto na lei promulgada precisa ser repassado e aprimorado para que possa ter os efeitos esperados.

 

Alberto Scaloppe é advogado em Cuiabá

Luana Scaloppe é professora e pesquisadora em Direito Ambiental.



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