• Cuiabá, 28 de Setembro - 00:00:00

O Rompante

         Conversa vai, conversa vem. Era este o passatempo de um grupo de amigos. Sempre aos finais de semana, ao redor da mesa e à frente da churrasqueira feita de tijolinhos a vista, com o verniz a lhes dar mais realce. Tudo estava à mão. E, em meio a uma cerveja e outra, um tira-gosto, eles, os amigos, gargalhavam, cantavam e caçoavam uns dos outros. Pareciam bastante a vontade. Não havia o porquê estarem de modo diferente. Já se conheciam a um tempão. Eram de cidades distintas, saíram de cada uma delas ainda crianças. Devido à combinação do destino, passaram a ser vizinhos, quase parede-meia, freqüentaram o único grupo escolar do lugar e fizeram da rua o espaço para o jogo de bola, com as traves improvisadas de tijolos. Só desfeitas, quando mudavam as brincadeiras, “queimadas”, “esconde-esconde”, “pegador”,guarde o anel bem guardadinho” (misturados com as garotinhas da redondeza). Assim, varavam o dia. Mal viam as horas passarem, e não era para menos, e, só se recolhiam, depois de muita insistência de suas mães. Mas o tempo é implacável. Passa, ainda que pareça imperceptível, mas passa a passos largos. Logo, as crianças se tornarem adolescentes, e, nesta metamorfose da natureza, a necessidade da busca pelo desconhecido, por seus próprios caminhos, não mais resumidos a mesma rua, nem ao mesmo lugar.  

Separados, descobriram paragens, fizeram novos amigos< Mas à memória, este depósito de coisas passadas, sempre os obrigava a visitarem, vez ou outra, a infância que um dia tiveram. Velhos rostos, como mágicas, reapareciam, nomes relembrados e antigas histórias recontadas. Tocavam a vida, embora, por vezes, circunstanciais, deixavam-na os levar, “pra onde ela quiser/seguir a direção/de uma estrela qualquer” – cantava Skank. E, ao longe, outra música se fazia ouvir, pela voz soprada de Martinho da Vila: “Deixa a tristeza pra lá/Canta forte, canta alto/Que a vida vai melhorar”. E melhorou. Tanto que eles conseguiram o que buscavam.

Por fim, o retorno e o reencontro. Nada no lugar, era como fora antes. Desapontamento. Frustração, talvez. Mas uma coisa ficou bem guardada, a lembrança do vivido. Um belo dia, o reencontro, para não mais se separarem. Tornou-se sagrado para eles o bate-papo a frente da churrasqueira, enquanto as mulheres se divertiam com os filhos em canto distinto da casa, que pertencia a um deles, o que teve melhor sorte ou, melhor, soube aproveitar o que conquistou. Era um casarão, um palácio para quem cresceu em uma casa rústica, de duas águas, espremida, quase em parigatos, construída na parte mais elevada daquela rua da cidade. O casarão foi erguido onde antes era o campo de aviação, o qual se transformou em área nobre, condomínio de luxo.

Amigos de infância passavam horas e horas jogando conversa fora, sempre em meio a copos de bebidas e carnes assadas, a despeito do alto custo, em razão da maior quantidade destinada à exportação, somada a malandragem de empresários que levaram menos gado ao matadouro, com vista a manterem o preço em alta. Lucram com a própria mão, que nada tem de invisível, no mercado, sem tabelamento de preços. Ainda que tenha ocorrido uma queda. Nem de longe, chegou ao patamar que se encontrava a cerca de quinze dias, quando uma parte da população, localizada a base da pirâmide, poderia se desfrutar de costelas ou de carne moída, a despeito dos festejos natalícios e do final de ano. Churrascos? Só em caso de vaquinha, ou se valendo do 13º. Até a classe média foi obrigada a cortar gastos. Talvez não da carne, mas de outros da lista de despesas. A crise continua. 1% de crescimento da economia não alivia a barra de ninguém. Apesar disso, é preciso ter esperança, que se diferencia do esperar, pois se tratam de verbos distintos, ainda que conjugados em iguais tempos. Era sobre isto que conversavam os velhos amigos, pois tinham interesses no jogo de apostas no mercado de futuro, depois da investida da China, porém ressabiados com os rompantes do presidente. É isto.

Ob.: Grande e abençoado Natal a todos. 

 

Lourembergue Alves é professor universitário e analista político. E-mail: Lou.alves@uol.com.br.             



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