Estamos condenados a sermos livres (Sartre). Nesta assertiva do filósofo existencialista, salta aos olhos as palavras condenação e liberdade.
Não há contradição; a responsabilidade, aqui, é mais que atributo da liberdade, é condição a que todos se sujeitam no processo contínuo de própria formação enquanto Ser no mundo.
Para os existencialistas, a existência precede a essência. Portanto, você não é, torna-se.
Não há caminhada tímida nessa formatação daquilo que se é. É voraz e insidiosa subjetivamente, não excêntrica por importar numa complexidade cultural, de pensamentos, atitudes, valores, vontades e até percepções absolutistas, como a fé.
Por isso se está condenado, tem-se liberdade na escolha de caminhos, e não dádiva, mimo, presente para desembrulhar e guardar ou deixar de lado. A recordação dessa liberdade é sempre atual, sem passado ou futuro. ‘Já o é’.
Dada a existência, um Ser passa a dialogar consigo mesmo num eterno devir. Ao contrário da fé, na existência não há salvação, mas escolhas.
Judas existiu e escolheu; acreditar que a traição seria a marca de sua responsabilidade, desde antes, é transformar perfeição em vingança, sacrificar criatura para a redenção do Criador. Transpor Deus para um plano de ação em que se saiba antecipadamente do resultado, diminui a Sua onisciência e sagrada importância.
O existencialista, na sua maioria, é ateu, o oposto dos teístas, o que não quer dizer que desacreditam em princípios ou mesmo num Princípio necessário e regulador.
Foquemos não na fé, na religião, mas na existência caminhando para a essência. Na obra final, o que teremos? Um Ser que ‘é’, e ‘é’ por exercitar livremente o próprio arbítrio.
Assim, condenado ou absolvido por fatos e valores impregnados na sua consciência, se fez merecedor do produto final da própria condição, a liberdade.
Crer poder voar como os pássaros não o faz ter asas, mas pensamento e vontade. Voe sem asas, entregando o pensamento à liberdade. Isto é possível e somente você é capaz de se dá.
Na poesia musicada de Raul: Nascer horrendo, triste, cego e louco/Sem mãe, sem pai, sem fé, sem nada/Um pouco de lama, abandonado no caminho/Sem ter de meu, um gesto de carinho/.../Nascer assim, até aguento/Desde que eu possa/Nascer livre/Nascer livre/.../Viver desconhecido, iludido, desprezado/Beber do ódio, amargo vinho/Viver sem uma amor, viver sozinho/.../Viver assim, até aguento/Desde que eu possa/Viver livre/Viver livre...
A liberdade ainda é um conceito para muitos. Se tornar sentimento, os grilhões serão inúteis.
É por aí...
Gonçalo Antunes de Barros Neto é Juiz de Direito, poeta, formado em Filosofia (UFMT). (antunesdebarros@hotmail.com).
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