Caríssimo governador, enfim, outubro chegou. Para mim, chegou com festa. Para você, nem tanto. O poder republicano, como sabemos, é enorme, mas não ilimitado. Felizmente, de quatro em quatro anos, o governante passa por uma avaliação popular que mensura os menores detalhes da administração.
Ao contrário do que você pensa, Governador, o critério mais importante que o povo avalia é o desempenho pessoal do gestor: se ele é democrático, tolerante, dialógico, se ele escuta sugestões, adapta a forma de governar, cumpre os compromissos a que se propõe. Passando por essa avaliação, a sua personalidade obteve uma nota muito inferior ao que qualquer analista poderia esperar. Por quê? Você teve uma trajetória brilhante: promotor estadual, federal, senador e governador, eleito em primeiro turno com 57% dos votos. O que aconteceu para que, em quatro anos, essa substancial rejeição popular se consolidasse?
Antes mesmo de falar em rejeição pessoal, é importante não se posicionar com radicalismo. Quero dizer que é uma alegria não tê-lo mais como governador. Mas o digo sem qualquer rancor. Para tanto, vou inventariar algumas realizações de seu governo: asfaltamento maciço das estradas estaduais, escolas militares e as de tempo integral com aumento efetivo dos vencimentos dos docentes, pagamento em dia adicionado à recomposição salarial dos servidores públicos (uma raridade entre os Estados), regularização fundiária de propriedades urbanas, transferência direta de renda às famílias em situação de vulnerabilidade, entre outros avanços. Se não estivesse em xeque judicialmente, eu citaria também a caravana da saúde. Mesmo com uma fórmula mambembe, obteve um bom resultado nas intervenções oftalmológicas, sobretudo no interior de Mato Grosso. Portanto, em tempos de crise, não foi um governo ruim. De forma alguma. O que não deu certo, afinal?
O que não deu certo no governo Taques foi você, Governador. Independentemente dos escândalos – esquemas na Secretaria de Educação para cobrir defasado o caixa dois da campanha, os odiosos grampos telefônicos em adversários políticos, a prisão sucessiva de tantos secretários e até do próprio primo, Chefe da Casa Civil – a sua rejeição em nada se relaciona com questões relativas à probidade. Os índices que o apontam como ruim/péssimo dizem respeito à sua fórmula de comunicação pessoal, ao seu jeito de ser. Quando o povo pensa em você, a primeira imagem que surge é a da arrogância, essa olímpica soberba que paira sobre tudo e todos.
Essa impressão é difícil de tirar, quando não é verdadeira. Mas quando o governante é realmente pedante, aí é impossível desvencilhar esse defeito pessoal de todo o resto. O seu trato superior com todos os que o rodeiam – pelo que os seus próprios secretários me confidenciavam – é de um eterno patrulhamento, paranoico, improdutivo, impondo terror. A sua relação com os deputados foi a pior possível, assim como com os servidores públicos e os representantes da sociedade civil.
De outro lado, sua arrogância é ainda mais visível ao vê-lo tratar a oposição. A oposição é uma forma de consultoria gratuita. É ela a responsável por apontar seus erros e fazê-lo melhorar. Isso, claro, quando se tem a concepção de que, numa democracia, a contraposição de forças é essencial. No seu caso, a oposição é uma ameaça pessoal. Tomada como inimiga, a oposição é tachada da pior forma.
Quem está contra o seu governo autocrático, o faz por duas razões: ou porque supostamente não obteve vantagens ilícitas ou porque estas foram cortadas. Noutras palavras, o que você fala ao público é que todos os seus ex-aliados, todos sem exceção, queriam de você esquemas criminosos. Sendo assim, a sua fala de antemão classifica as pessoas de uma forma simplista – quem está com o governo, é honesto e quem está contra, desonesto.
Não é, contudo, o que se viu ao longo desses quatro anos de mandato. Houve pessoas da sua cozinha, trabalhando no mesmo andar, mandando no governo da sala ao lado, que passaram temporadas na cadeia. Para quem não dialogava com presidiários, você ficou sem qualquer resposta nesses casos e, portanto, começou a relativizar: os aprisionados do governo são mais honestos que os outros presidiários, uma ilógica forma de se comunicar.
Tive uma decepção pessoal contigo, Governador. Eu que abri as portas da minha casa e o recebi com a minha família, pensei que você tivesse a hombridade de cumprir compromissos de campanha. Estamos no final desse desencontrado governo com o pior desempenho em matéria cultural que já se viu. Boas iniciativas foram abandonadas no meio do caminho. A empresa particular do seu ex-secretário ganhou bastante recurso público, em detrimento de artistas que passaram dificuldades e da população que ficou sem um único museu como alternativa de cultura, educação e lazer.
Além do mais, você que era tomado como o governador mais culto dos últimos tempos, foi incapaz de implantar o ensino de história mato-grossense em sala de aula, na iminência dos 300 anos e não foi capaz de uma única ação nesse sentido, embora tenha nos envolvido em promessas e diálogos fictícios organizados por mim, inclusive.
Eu sou o pior juiz de mim mesmo e, hoje, me condeno por ter votado em você. Acreditei burramente no discurso tecnocrata, na promessa de higienização política, de honestidade atávica. Projetei em você tudo aquilo que eu queria ver na administração pública. Errei ao idealizar e errei ao idealizá-lo. Fico me penitenciando seguidamente e me perguntando “onde foi que eu errei?”, embora eu já saiba perfeitamente. Você foi tão arrogante que chegou a transferir essa petulância aos secretários, alguns queridos amigos que estão inflamados pelo ego obeso.
Lamento por tudo. Lamento por termos perdido uma alternativa, lamento pelo meu próprio equívoco, lamento por quatro anos de decepção. Mas, felizmente, tudo passa. Ficarei feliz em me despedir de um dos meus maiores erros. Desejo que você seja feliz e reflita muito. Por fim, quero lembrar da sabedoria de Mário Quintana – vocês que aí estão atravancando o meu caminho, vocês passarão... eu passarinho!
Eduardo Mahon é advogado e escritor.
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