Por Edson Sardinha e Pedro Sales/Portal Congresso em Foco
O setor editorial e de livrarias está se movimentando no Congresso para aprovar uma lei que visa coibir o que chamam de “concorrência predatória” das plataformas digitais de varejo generalista, particularmente da Amazon. Em 2019, a empresa respondia por 23% do mercado livreiro no Brasil, mas, cinco anos depois, esse número subiu para 42%, com uma tendência de crescimento contínuo.
Os empresários do setor argumentam que não conseguem competir com a gigante multinacional, que é capaz de oferecer preços mais baixos devido à sua vasta e variada gama de produtos, o que tem resultado no fechamento de livrarias em todo o país.
Para tentar reverter essa situação, o mercado está articulando a aprovação do Projeto de Lei (PL) 49/2015, que está em tramitação no Senado há nove anos. Denominada Lei Cortez, em homenagem ao editor e livreiro José Xavier Cortez, a proposta estabelece que, nos 12 meses posteriores ao lançamento de uma obra ou nova edição, o desconto máximo permitido para venda ao público será de no máximo 10% sobre o preço de capa do livro. O texto passou pela última comissão no Senado em outubro e deveria ser encaminhado diretamente para a Câmara, sem sem passar pelo Plenário. Mas um grupo de 11 senadores da oposição entrou com recurso para que a proposta seja analisada pelos 81 senadores.
O preço de capa é o valor estabelecido para a venda de um livro, definido por editores ou autores independentes, e inclui custos como papel, impressão, direitos autorais, aluguel de espaços, salários e impostos.
Portas fechadas
Em 2023, as editoras registraram um faturamento de R$ 4 bilhões, uma queda acumulada de 20% em termos reais desde 2019, que foi o último ano a apresentar crescimento superior à inflação. Esses dados fazem parte da pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro, realizada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) e pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), com dados da Nielsen BookData.
Nos últimos cinco anos, o mercado de livrarias no Brasil enfrentou grandes mudanças, como o fechamento da Saraiva, a reestruturação da Cultura e a saída da Fnac do Brasil. A Fnac, que chegou a ter 12 lojas em sete estados, fechou sua última unidade em outubro de 2018, e a Livraria Cultura, que já teve 17 lojas em oito estados, agora conta com apenas duas, após um período de redução iniciado durante a pandemia.
Atualmente, as 20 maiores redes de livrarias possuem cerca de 500 estabelecimentos e 6.040 empregados. Há outras 2.450 livrarias, com uma média de quatro colaboradores cada. Com isso, o número total de empregados no setor pode chegar a aproximadamente 15 mil, excluindo os trabalhadores indiretos de distribuidoras e editoras.
Para o vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, Diego Drumond, o projeto de lei “não altera preços, apenas impede descontos predatórios que atraem consumidores”. O empresário ressalta que a medida prevista na Lei Cortez alcança apenas cerca de 6% do catálogo das livrarias, percentual que corresponde aos lançamentos. Assim, 94% dos livros permanecerão com descontos livres.
Livro como chamariz
Ele observa que plataformas como a Amazon utilizam livros para segmentar seu público e como chamariz para a venda de produtos de valores mais altos. “Pelo tipo de livro que uma pessoa compra, é possível fazer uma segmentação mais precisa da base de dados. Se alguém compra livros infantis, o site reconhece que há crianças em casa”, exemplifica. Segundo Drumond, os preços baixos atraem consumidores a adquirir produtos mais caros nas plataformas, como eletroeletrônicos e eletromésticos.
O presidente da Associação Nacional de Livrarias e proprietário da editora Martins Fontes, Alexandre Martins Fontes, esclarece que a lei propota não é “contra a concorrência”, mas sim “contra o monopólio”. Para ele, é preciso que haja uma competição mais justa no mercado. A prática já é adotada em países como Argentina, Áustria, Eslovênia, Israel, Hungria, Dinamarca, Itália e Canadá, que protegem seu mercado editorial.
Na França, a Lei Lang de 2014 impõe regras ainda mais restritivas do que as propostas no Brasil, com um desconto máximo de 5%. Na Alemanha, os descontos são proibidos e o preço de capa deve ser mantido por 18 meses.
Martins Fontes esclarece que o projeto não prevê uma lei do preço fixo. “Como a editora estabelece o preço do livro, se ela quiser mudar a qualquer momento o preço, ela muda. É uma lei que existe há vários anos em muitos países, muito anterior à existência da Amazon. Não é uma lei contra a venda pela internet, pelo contrário. Existe para impedir o monopólio e para que as livrarias tenham competência justa e saudável”, argumenta.
A reportagem procurou a assessoria de imprensa da Amazon, que preferiu não se manifestar sobre o assunto.
Cultura
Na avaliação de Diego Drumond, há uma diferença conceitual no papel do livro para livrarias e as plataformas generalistas digitais. “É muito mais fácil para elas vender um livro de R$ 40 sem lucro para pegar o cliente e, depois, vender uma geladeira por R$ 3 mil. Os livros são usados por elas para isso. Passa para o consumidor que a ideia de que o varejista generalista é bacana. Vende mais barato, chega mais rápido. Já para a livraria, que só vende livros, não faz sentido um combate de preço em cima dos livros, porque ela quebraria. Ela é mais que um ponto de venda de varejo, ela é um ponto cultural. É lá que as pessoas descobrem o livro, as crianças têm os seus primeiros contatos. A livraria oferece um produto que vai muito além, é cultura”, afirma o vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro, que também é diretor da Associação Brasileira de Difusão do Livro, e sócio da Faro Editorial e da Drummond Livraria.
Martins Fontes reforça o argumento de Drumond. “Precisamos de mais livrarias fortes e saudáveis. Tem surgido muitas iniciativas amadoras, de gente que ama livros, tem fantasia de ter uma livraria e acaba abrindo uma. A grande questão é por quanto tempo essa livraria vai sobreviver. Tenho sérias dávidas se vai. Precisamos da lei para permitir que essas novas livrarias se fortaleçam e cresçam”, defende o empresário e presidente da Associação Nacional de Livrarias.
Recurso no Senado
A votação do projeto no Congresso enfrenta resistência. O texto, que passou pela Comissão de Educação e Cultura do Senado no último dia 29 de outubro, já poderia ter sido enviado à Câmara. Mas um recurso do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), com o apoio de 13 senadores, impediu que a proposta avançasse para a outra casa legislativa. O texto terá de ser submetido à apreciação dos 81 senadores no plenário do Senado.
Líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN) afirmou ao Congresso em Foco que é contra qualquer tabelamento de preços por entender que a medida restringe a competitividade do setor. Ele acrescentou, ainda, que o foco do projeto deveria ser em “incentivar a produção, ampliar a acessibilidade e estimular a leitura”.
“Sou contra qualquer medida que imponha tabelamento de preços ou restrições que interfiram diretamente no mercado de livros, seja físico ou digital. Acredito que a fixação de preços, como a proposta de limitar descontos em até 10% no ano de lançamento, não resolve os problemas enfrentados pelo setor editorial. Pelo contrário, ela restringe a competitividade, desestimula a inovação e pode encarecer o acesso à leitura para a população”, alegou.
O senador disse que o resultado da experiência internacional “deixou claro um impacto negativo tanto para quem produz quanto para quem consome” devido à baixa efetividade. “Continuaremos defendendo, portanto, a livre iniciativa como caminho para fortalecer o setor editorial e garantir um acesso mais amplo à cultura e à educação no Brasil”, explicou Rogério Marinho.
Uma das signatárias do pedido para que o texto seja analisado pelo plenário, a senadora Damares Alves (Republicanos-DF) afirmou ao Congresso em Foco, por meio de sua assessoria, que avaliza integralmente a aprovação da matéria legislativa. Segundo a senadora, a medida é necessária devido “à importância da matéria para a geração de empregos na cadeia do livro nacional, que sofre com a falência de tantas livrarias de renome nacional”.
Antes, a senadora apresentou emenda ao texto para isentar os e-books, livros digitais, da precificação inicial. Após ter conversado com editores dos livros físicos, Damares foi dissuadida da sugestão de mudança. Em relação ao recurso, a assessoria apontou que Damares Alves assinou o recurso “atendendo à solicitação de colegas parlamentares, a fim de que o assunto seja debatido pelos 81 senadores da Casa”.
Mercado editorial
O projeto tem amplo apoio na base governista. A proposta foi apresentada em 2015 pela então senadora Fátima Bezerra (PT-RN), atual governadora do Rio Grande do Norte. Na Comissão de Educação, recebeu parecer favorável da senadora Teresa Leitão (PT-PE). “Quero saudar o projeto de Lei apresentado em 2015 com cinco pontos”, disse relatora. “Promover acesso aos livros e à bibliodiversidade, em condições de coexistência saudável; apoio ao setor livreiro como equipamento cultural que merece ser fortalecido; garantir competição e sustentabilidade das livrarias brasileiras; aumentar a diversidade e disponibilidade de publicações; e trazer para o país a experiência bem sucedida no tocante a este item em outros países”, afirmou.
O tema tem sido um assunto recorrente em debates e conversas dentro do mercado editorial brasileiro há anos. Nos últimos meses, tornou-se o foco principal das ações políticas de diversas entidades do setor, como a Associação Nacional de Livrarias (ANL), a Câmara Brasileira do Livro (CBL) e a Liga Brasileira de Editoras (Libre). Em setembro, durante a abertura da Bienal Internacional do Livro de São Paulo, uma carta expressando o apoio e o consenso do mercado em relação à lei foi encaminhada ao presidente Lula.
Autoria
Edson Sardinha Diretor de redação. Formado em Jornalismo pela UFG, foi assessor de imprensa do governo de Goiás. É um dos autores da série de reportagens sobre a farra das passagens, vencedora do prêmio Embratel de Jornalismo Investigativo em 2009. Ganhou duas vezes o Prêmio Vladimir Herzog. Está no site desde sua criação, em 2004.
Pedro Sales Jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Integrou a equipe de comunicação interna do Ministério dos Transportes.
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