Dr. André Fusco
A humanidade vivencia hoje em dia vários problemas que são produtos da pós modernidade, e um dos mais impactantes é a síndrome de burnout. O termo muitas vezes tem sido mal interpretado porque se mistura a situações que estamos vivendo, como estilo de vida, crenças e valores que carregamos. E enfrentar novos sofrimentos demandam também os admitir. Rever a forma que organizamos nossas vidas e o trabalho não será tarefa fácil.
Não se pode explicar o burnout exclusivamente pelo ponto de vista fisiopatológico e apenas pelos sintomas da ansiedade, depressão ou do esgotamento. Genericamente falando, a grande questão é que ele está relacionado intimamente ao trabalho. É na atividade laboral que a pessoa vivencia a situação de se adoentar ou mesmo agravar alguma doença mental.
Mais recentemente a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu cientificamente o burnout que seria o mesmo transtorno do humor ou de ansiedade, mas com relação direta de causa ou agravamento pelo trabalho. A grande reflexão é que apesar de estar inserido no Código Internacional de Doença (CID), ele ultrapassa a definição da doença. É na verdade um conjunto de doenças mentais que são provocadas ou agravadas pelo trabalho.
É possível, por exemplo, traçar um paralelo das semelhanças históricas com a lesão do esforço repetitivo (LER) e a doença osteomuscular relacionadas ao trabalho (DORT). Porque essas patologias também foram causadas pela mudança da forma como se trabalhava tradicionalmente. Essas doenças ocupacionais aumentaram quando surgiu a digitação no computador e as pessoas começaram a ficar mais horas sentadas.
A mudança na rotina de trabalho fez com que os indivíduos começassem a ter por exemplo a síndrome do túnel do carpo e a epicondilite que mexeram na rotina do trabalho de digitadores, secretárias e outros trabalhadores que ficam diante dos PCs por muito tempo.
Em relação às doenças osteo musculares, aquela inflamação dolorosa que afeta os tendões, músculos e as articulações, houve uma reação na população de que o problema era o doente, não a doença. Como antes o funcionário costumava digitar e não apresentava problemas, a tendência foi responsabilizar a vítima, inclusive atacando mais as mulheres por ter um maior número de casos. O público, porém, não fez a conta do número de horas trabalhadas que foram acrescidas com o tempo ou a intensidade diária ou com a postura inadequada por horas e as novas formas de exigir produtividade.
A partir da abordagem equivocada responsabilizando vítimas, o INSS tipificou os distúrbios como a LER/Dort [Lesão por Esforço Repetitivo (LER) e Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho (DORT)], que são síndromes clínicas que afetam o sistema musculoesquelético do paciente e que tem relação de causa ou agravamento com o trabalho.
A LER/Dort de fato é a mesma síndrome do túnel do carpo, a epicondilite e a bursite comuns e demais doenças osteo musculares, mas necessariamente relacionadas ao trabalho. Essa novidade, por sinal, incentivou a contratação de profissionais de educação física e fisioterapeutas para ministrarem a ginástica laboral, aquela feita dentro dos locais de trabalho. O objetivo de estimular a ginástica laboral por trás era hipertrofiar (fortalecer) a musculatura da força de trabalho para o operador do computador resistir à carga de trabalho.
O problema se arrastou por um bom tempo até que a situação gerasse um passivo trabalhista muito grande para as empresas. Inclusive entrou nessa discussão, a ergonomia osteomuscular, que são práticas que visam o maior conforto no trabalho para a maior produtividade. Neste caso visam ajustar o ambiente de trabalho para reduzir problemas físicos, como, por exemplo, os distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT).
Hoje o empregador está diante de algumas novas exigências normativas profissionais. Por exemplo, a exigência do ângulo do cotovelo e o ângulo do pescoço determinado pela altura do monitor; o digitador não pode ultrapassar a digitação de 8 mil toques (caracteres) por hora e o empresário pode até ser obrigado a trocar as cadeiras de toda sua equipe, porque precisam fornecer apoio de cotovelo para todos, além de outras disposições regulatórias.
Nesta nova fase, ao comprar uma cadeira de escritório, o produto já vem com apoio de cotovelo, a maciez adequada e com apoio para lombar. Desta forma foi consagrada a ergonomia osteomuscular, conhecimentos que previnem e tratam distúrbios osteomusculares no trabalho, ou seja, doenças que afetam os ossos, músculos, ligamentos e tendões do corpo humano. Trocamos a adaptação das pessoas ao trabalho, através da ginástica laboral, pela prevenção de adoecimento adaptando o trabalho às necessidades humanas de conforto, através da ergonomia osteomuscular.
Essa novidade, comprovou que a LER/Dort, estabelecida pelo INSS, serviu efetivamente para mobilizar a sociedade e ela deixar de observar exclusivamente o doente e começar a focar também no trabalho. Houve resistência no início, mas hoje não se discute mais. No burnout estamos repetindo a história, mas com enfoque mais amplo e também psíquico.
Uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontou que trabalhar 55 horas por semana ou mais aumenta em 35% o risco de morte por acidente vascular cerebral (AVC) e em 17% por doença cardíaca. Este estudo revelou que 745 mil pessoas morreram em 2016 de derrame e doenças cardíacas relacionadas a longas horas de trabalho. Naquele ano, de acordo com o levantamento, as doenças e lesões ligadas ao trabalho foram responsáveis pela morte de 1,9 milhão de pessoas ao redor do mundo.
Hoje, lamentavelmente estamos numa fase que ainda se estimula as pessoas a reforçarem o aparelho psíquico para aguentar a sobrecarga de trabalho. Este excesso vai além do aspecto quantitativo, porque uma abordagem muito importante do problema também é a qualitativa. Há inúmeros trabalhadores que praticam meditação, yoga, fazem boa alimentação, realizam higiene do sono e atividades físicas, que são fundamentais para todos, mas que nesse contexto, na prática, ajudam as pessoas a levarem a cabo suas tarefas ocupacionais diárias. Estamos repetindo a ginástica laboral mas agora mental. Por isso, a OIT alertou para observar o doente e colocar também o 'trabalho' nesse contexto.
*Dr. André Fusco é médico psicanalista graduado pela Universidade de São Paulo (USP), TedX Speaker e Professor. Como consultor tem atuado no suporte a empresas sobre a complexidade da Saúde Mental e o sofrimento emocional de seus colaboradores, objetivando a produção de resultados sustentáveis por meio de ambientes saudáveis. ( https://andrefusco.com.br/ )
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