Por Gabriella Soares/Portal Congresso em Foco
A Câmara aprovou nesta quarta-feira (10) o texto-base da regulamentação da reforma tributária. O texto teve voto favorável de 336 deputados – como um projeto de lei complementar, eram necessários 257 votos. Outros 142 deputados foram contra e dois se abstiveram em relação ao texto que detalha o novo sistema tributário.
Ainda é necessário que os deputados decidam sobre partes do projeto, que tiveram pedido de destaque (votação em separado). Depois da finalização da votação, o texto segue para o Senado, onde terá como relator o senador Eduardo Braga (MDB-AM).
A votação antes do fim do primeiro semestre legislativo atende à vontade do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A ideia de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), é que os senadores consigam votar o projeto durante o segundo semestre, apesar das eleições municipais.
O projeto regulamenta a emenda constitucional que institui o novo sistema tributário brasileiro, que passará a valer a partir de 2027 em uma fase de transição e em 2033 para valer. Ou seja, as regras são para o futuro e não entram em vigor agora. A emenda constitucional da reforma tributária foi promulgada em 2023. Mas o texto precisa de regulamentação para funcionar.
O relator do principal projeto de regulamentação da reforma tributária na Câmara é o deputado Reginaldo Lopes (PT-MG). Seu parecer foi negociado com os integrantes do Grupo de Trabalho sobre o projeto e com Lira durante a madrugada, além de negociações durante todo o dia desta quarta-feira (10).
Cesta Básica Nacional
Um dos principais pontos de discórdia entre os deputados é a inclusão de carnes e outras proteínas animais na Cesta Básica Nacional, com isenção de impostos. Ainda há um destaque sobre o tema para ser votado.
Reginaldo Lopes e boa parte dos líderes não colocaram o tema na isenção porque a inclusão poderia elevar a alíquota geral em 0,53 ponto percentual. No projeto enviado pelo governo, a alíquota geral ficou em 26,5%. Os deputados não querem que a alíquota passe desse limite. Assim, a carne está, até o momento, com desconto de 60% nos impostos.
Além disso, de acordo com o governo, o cashback para os mais pobres de 20% dos impostos pagos nas compras gerais assegura que pessoas de baixa renda paguem menos para consumir carne bovina, por exemplo.
Por outro lado, Reginaldo Lopes incluiu três itens na isenção da cesta básica: aveia, farinhas e óleo de milho. As flores também foram isentas de impostos
Cashback
O cashback é uma forma de diminuir a carga tributária para as famílias mais pobres brasileiras. Antes, o projeto previa a devolução de 50% do CBS (imposto federal) e 20% do IBS (imposto estadual) para as contas de energia, água, esgoto e gás natural para os mais pobres. Agora, a devolução do CBS será de 100% para os mais pobres, aumentando o cashback para os mais pobres.
Além disse, o botijão de gás terá a devolução de 100% do imposto federal e de 20% do imposto estadual, como já havia sido acordado entre o Ministério da Fazenda e os governadores, responsáveis pela taxa estadual.
Aumentar a devolução de impostos nas contas básicas mensais para os mais pobres era uma defesa do Partido dos Trabalhadores (PT), do qual Reginaldo faz parte. Além dessa alteração, Reginaldo também mudou uma das regras para acesso ao cashback para as famílias mais pobres. Antes, somente as compras ligadas ao CPF do representante da família no CadÚnico teriam direito ao cashback, mas agora todos os CPFs cadastrados na família poderão receber a devolução de impostos.
Trava na alíquota
Em um acordo entre os líderes da Câmara, foi incluso um gatilho e impedir que a alíquota geral do novo sistema tributário ultrapasse os 26,5%. A alteração será apresentada pelo próprio relator antes da votação da regulamentação da reforma tributária no plenário.
A ideia seria que se a alíquota ultrapassar o percentual limite, o governo federal atue para controlar a taxa geral de impostos no Brasil. No caso, o Ministério da Fazenda poderá enviar um projeto de lei complementar para restringir os benefícios tributários dos itens com desconto de 60% da alíquota geral.
Armas
Como Reginaldo Lopes saiu derrotado dentro do GT da regulamentação da reforma tributária, as armas não entraram no imposto seletivo, utilizado para taxar mais itens prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. O tema é alvo de um destaque (votação em separado) no plenário da Câmara e ainda pode ser alterada.
Armas estavam no imposto seletivo no texto do Senado sobre a emenda constitucional que instituiu a reforma tributária. O trecho, no entanto, foi derrubado na Câmara. A proposta para retirar o chamado imposto seletivo, cobrado de itens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente, de armamentos foi do Partido Liberal (PL), do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Organizações de segurança pública defendem a incidência do imposto seletivo para armamentos por verem um impacto direto na saúde e no “direito à integridade física e do direito à vida”. Uma pesquisa do Instituto Sou da Paz, indica que o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 41 milhões com vítimas de armas de fogo em 2022.
Segundo as organizações, com as armas fora do imposto seletivo, a taxação de armas caíram mais de 70%.
Imposto seletivo
Com o texto atual da regulamentação, apostas esportivas, fantasy games e loterias terão a incidência do imposto seletivo. Também chamada de imposto do pecado, a taxa é cobrada de itens que prejudicam a saúde ou o meio ambiente.
A inclusão pode ser ainda maior caso o Congresso legalize os jogos de apostas, como cassinos, bingos e jogo do bicho. O projeto para legalização desse tipo de apostas está em análise no Senado. A ideia do GT da reforma tributária é que qualquer tipo de jogo de azar, presencial ou online, seja taxado com o imposto maior.
O percentual cobrado de apostas será definido somente em outro projeto, que irá definir as alíquotas para cada um dos itens do imposto seletivo.
Sobre itens minerais, os deputados incluíram o carvão mineral. Já em relação a alíquota, os deputados definiram um limite para os bens minerais, incluindo o petróleo, de no máximo 0,25%.
Defendendo a isonomia do mercado de mobilidade, os deputados também incluíram os carros elétricos no imposto seletivo. Outros tipos de veículos, movidos a combustão e, portanto, poluentes, já estão nessa categoria de taxação. Os deputados também incluíram os carrinhos de golfe no imposto maior.
A inclusão dos elétricos também tem como argumento o fato de que baterias de lítio podem impactar o meio ambiente no descarte e na própria extração do lítio. Assim como outras atividades de mineração – também inclusas no imposto seletivo – a extração afeta diretamente o solo e áreas florestais, e não há garantia de que o abastecimento se dará a partir de fontes de energia limpa. Além disso, esses veículos também possuem uma vida útil limitada, com seu descarte tornando-se inevitável a partir de, em média, dez anos ou um milhão de quilômetros rodados, além de sofrerem com a perda da eficiência da bateria a partir do terceiro ano de uso.
Da mesma forma que será como apostas, o percentual de imposto extra para os carros elétricos só será definida futuramente, em um novo projeto de lei.
Por outro lado, os caminhões foram retirados do imposto seletivo. Segundo os deputados, o critério para a retirada foi o impacto para o setor produtivo, já que o país tem como principal forma de transporte de cargas as rodovias.
Bebidas alcóolicas
Inclusas no imposto seletivo, as bebidas alcóolicas ganharam um tratamento especial no relatório, com um período de transição de 2029 a 2033. A implementação será ainda de forma gradual.
“Determinamos que o Imposto Seletivo sobre bebidas alcoólicas seja implementado de forma escalonada, a partir de 2029 até 2033, progressivamente, para evitar carga excessiva”, diz um dos pareceres de Reginaldo Lopes para a tributária.
Higiene menstrual
Uma inclusão na lista de itens com isenção total de impostos foi a higiene menstrual. No texto original do governo Lula, os itens tinham alíquota reduzida em 60%, mas ainda teriam impostos. A Câmara alterou e os itens que terão isenção são:
- tampões higiênicos;
- absorventes internos ou externos, descartáveis ou reutilizáveis;
- calcinhas absorventes; e
- coletores menstruais.
Como são produtos de cuidados básicos para a saúde menstrual de mulheres e pessoas com útero, os itens não sofrerão incidência do CBS e do IBS, os dois impostos que regerão as relações de comércio e serviços no novo sistema tributário. Para que não paguem impostos, os itens precisam estar de acordo com as regras da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Viagra e outros medicamentos
Em contrapartida, os deputados decidiram retirar a sildenafila, princípio ativo do medicamento Viagra, da lista de medicamentos com imposto zero, conforme havia definido o Ministério da Fazenda. Para os parlamentares, não fazia sentido que um medicamente voltado para a performance sexual masculina tivesse imposto zero enquanto que itens para a saúde utilizados todos os meses por mulheres fosse taxado.
Assim, o Viagra passa do imposto zero para a lista de alíquota reduzida em 60%, ou seja, uma taxação de 40% da alíquota geral.
Essa taxação é a mesma que a maior parte dos medicamentos. A última versão da regulamentação da reforma tributária colocou a maioria dos medicamentos na lista com desconto de 60%, incluindo para manipulados. Há ainda 383 medicamentos que terão imposto zero.
AUTORIA
GABRIELLA SOARES Jornalista formada pela Unesp, com experiência na cobertura de política e economia desde 2019. Já passou pelas áreas de edição e reportagem. Trabalhou no Poder360 e foi trainee da Folha de S.Paulo.
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