• Cuiabá, 04 de Setembro - 2025 00:00:00

Advocacia, Poder Judiciário e compromisso social na análise de Ussiel Tavares


Rafaela Maximiano

A renovação no Quinto Constitucional, a decisão da OAB-MT em adotar paridade de gênero na Lista Sêxtupla, decisões polêmicas do Supremo Tribunal Federal (STF) e a importância de equilibrar os poderes do Estado, foram temas centrais a Entrevista da Semana com o advogado Ussiel Tavares

Tavares, que foi presidente da OAB-MT por dois mandatos, ex-procurador-geral de Cuiabá, defendeu a renovação no Quinto Constitucional, destacando a importância da representação temporária nos tribunais. Sobre a paridade de gênero na Lista Sêxtupla, inicialmente cético, Tavares reconheceu sua necessidade para garantir a participação feminina. 

Além disso, são discutidos assuntos relacionados à relação entre Justiça e Poder Judiciário, a busca por meios alternativos de solução de conflitos, como a mediação, e o comprometimento de um instituto com advocacia pro bono e responsabilidade social, com ênfase em questões relacionadas a pessoas com câncer e de baixa renda. 

Ussiel Tavares é atual presidente da Comissão Especial da Advocacia Pro Bono da OAB Nacional e presidente do Instituto Mário Cardi Filho. Nesse contexto, ele destaca o compromisso do Instituto com a advocacia pro bono e responsabilidade social, incluindo planos para parcerias empresariais em 2024. 

Confira a entrevista na íntegra que reflete seu comprometimento com mudanças positivas na advocacia e contribuições sociais.

Boa leitura! 

Qual é a sua visão sobre o Quinto Constitucional? Acredita que ele realmente proporciona uma renovação nos Tribunais? 

Eu acredito que hoje, o Quinto Constitucional cumpre sua função. Os nossos representantes, não se tem reclamação de falta de acesso a eles. Mas, eu acho que nada é estanque, sempre é possível melhorar. Algumas alternativas como essa representação temporária, seja ela por cinco, por dez anos, havendo um revezamento maior entre aquele que representa o Quinto Constitucional nos tribunais, eu acho que é uma medida saudável. Ninguém pode se eternizar. O que acaba sendo ruim é o demarcador que fica 30, 40 anos na Corte e acaba perdendo um contato até mesmo com a advocacia. Ele está lá representando a advocacia e acaba perdendo esse contato. É contra isso que a gente tem que lutar. 

O representante do Quinto Constitucional nos tribunais, eles deveriam não prestar contas à OAB, mas estar em permanente contato com a instituição para ouvir mais, porque, quer queira ou não, ele fica isolado da realidade da advocacia. E, o que nós esperamos do Quinto Constitucional? Que ele represente a OAB, mas não no sentido de julgar favoravelmente aos nossos pleitos, mas sim àquelas questões institucionais como o provimento de comarca, como o aumento de custas, essas coisas dizem direto à advocacia. A questão dos honorários dos advogados, por exemplo, eles não devem julgar de alguma forma que seja melhor, mas que tenham um olhar de quem advogou que possa ter esse resultado melhor. 

A gente tem os três representantes nos tribunais, as nossas representantes no Tribunal de Justiça e no TRT são pessoas acessíveis. Eu não tenho nenhuma dificuldade para ter acesso a eles, agora, será que todos os advogados têm essa facilidade? Por isso que seria necessário e saudável, alguma coisa em ter esse contato um pouco mais permanente com a classe, com a OAB; participar de reuniões da própria Ordem, para saber, para ter avaliação se eles estão atendendo. 

A decisão da OAB-MT de adotar a paridade na Lista Sêxtupla para o Quinto Constitucional reflete uma mudança positiva. Como avalia essa decisão e qual o impacto que ela pode ter na composição do TJMT? 

No começo eu fui muito contra porque, na composição do Conselho, você já tem as mulheres. São a metade de mulheres e metade de homens. Mas depois, entendendo melhor o funcionamento, se não fosse isso, as três mulheres que entraram na lista não teriam chance nenhuma. Então é uma medida necessária para que elas possam participar do processo, para que elas tenham condições de figurar na Lista Sêxtupla e até mesmo de ser nomeada pelo governador, passar pelo tribunal. Eu concordo. Hoje eu tenho uma visão um pouco mais flexível com relação a isso. Mas antes eu era contra. 

É lógico que a gente tem um número menor de candidatas. Eu acho que isso decorre da própria situação da mulher. Elas não se colocam à disposição então vemos que entre os inscritos existe um número reduzido de mulheres que concorreram. Por exemplo, de três vagas que tiveram na Lista Sêxtupla acho que foram quatro ou cinco inscritas para concorrer. Então isso é uma distorção que ainda tem que ser corrigida. Eu acho que esse acesso, essa inscrição, ela tem que ser um pouco mais democratizada. Mais candidatas, mais advogadas que tenham condições, que preencham os requisitos para poder concorrer eu acho extremamente necessário. 

O que pensa sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de responsabilizar veículos de imprensa por falas de entrevistados? Isso pode impactar a liberdade de expressão? 

Essa é a pura restrição à liberdade de expressão. O jornalista não tem essa função de ser o dono da verdade, ele cita a fonte e se responsabiliza pela matéria com um todo, a apuração dos lados, eu não vejo porquê o jornalista ser responsável por um teor que simplesmente foi reproduzido para ele. Então acho que essa e outras medidas do STF têm causado muita estranheza, tem um viés extremamente autoritário. 

Como analisa a decisão do Senado em aprovar a PEC que limita os poderes do STF? Qual é a importância de equilibrar os poderes entre os diferentes órgãos do Estado? 

Veja bem, vamos separar minha fala da questão ideológica, deixando bem claro que eu já fui militante do PSDB, hoje não sou filiado a nenhum partido. Portanto, eu tenho uma visão crítica do processo eleitoral, mas sem qualquer tipo de paixão. Eu acho que o que a gente vem presenciando no STF é o desserviço. 

Desserviço à medida em que ele tem interferido no devido processo legal. O Supremo Tribunal Federal tem oferecido denúncia, tem julgado sem os princípios normais de produção de defesa. Por exemplo, os casos de 8 de janeiro, os manifestantes que atentaram contra a democracia, estão presos há tanto tempo, uns até já chegaram a morrer e você tem um julgamento extremamente lento e uma sentença que todo mundo sabe que já está pronta. Esse viés que o STF tem adotado, eu acho que está havendo um retrocesso na democracia.

Hoje você tem nove ministros da nomeação do Lula ou da Dilma, ou seja, você tem um julgamento político. Você tem dois nomeados pelo Bolsonaro. Isso fica muito evidente nas votações. Algo está errado. O Judiciário não está funcionando de forma correta. Isso é muito preocupante. 

Há um ditado que diz: "A justiça é de Deus, o que temos é o Judiciário." Qual é a sua leitura dessa afirmação? Como enxerga a relação entre a Justiça e o Poder Judiciário no contexto brasileiro? 

Quando a pessoa busca o Judiciário, as pessoas querem uma justiça e nem todo mundo chega à justiça que quer. O que separa a Justiça Divina ou a justiça do Judiciário é a medida em que o Judiciário vai satisfazer o interesse dessas pessoas.

Por isso que eu acho que os meios alternativos de solução de conflito, eu cito aqui a mediação, que é a forma em que as partes constroem uma solução, que é uma forma que elas constroem a sentença adequada ao caso, é a tendência do Judiciário. Acredito que o Judiciário, do enfrentamento, do litígio, cada dia a mais ele está com os dias contatos. Porque a justiça é feita por homens, pessoas que são suscetíveis a erro.

Então, não vamos creditar a Deus ou a quem quer que seja, o insucesso na ação. Eu digo sim que é por conta da imperfeição do ser humano em aplicar a justiça ao caso, em tela. Mas eu acho que buscar esses meios alternativos é a melhor solução. É a única possível para o Judiciário. Então, para determinado tipo de litígio, eu acho que o ideal mesmo é a mediação. 

Sobre o Instituto Mário Cardi Filho, do qual o senhor é presidente: como surgiu a motivação em oferecer advocacia pro bono a pessoas com autismo? 

A rigor, a gente levantou essa discussão como mais uma bandeira para o Instituto Mário Cardi. A rigor ainda, a gente não tem uma atividade definida. O que nós queremos e nós nos prontificamos a fazer é ser uma voz, as mães que nos procuram são algumas associações que tem todo tipo de dificuldade, desde ter acesso tanto na área de saúde, quanto na educação. E a gente se propõe a ajudar.

Eu acho que nosso grande projeto para o ano que vem é fazer esse trabalho de uma forma mais conclusiva porque eu acho que existe uma necessidade muito grande das pessoas autistas e as pessoas desconhecem quais são seus direitos, quais são as possibilidades que os pais possam ter para ter uma assistência melhor. Então, a ideia é realmente se dedicar mais a esse tipo de demanda. 

Como avalia o ano de 2023 para o Instituto Mário Cardi Filho e seu impacto na sociedade? 

A cada ano que passa o Instituto vem se fortalecendo, ele chegou para ficar mesmo e a gente tem tido evolução e reconhecimento. Essas atividades que nós fazemos, por exemplo, em prol da Seara de Luz onde tivemos um bazar beneficente onde inúmeras pessoas ajudaram doando e comprando, agora com o Panetone do Bem, vemos a concretização daquilo que nós buscamos. Pessoas sérias, que levam um projeto de tamanha envergadura, de tamanha necessidade para a sociedade. Eu acho que a gente está no caminho certo.

A gente tem a advocacia pro bono, as ações judiciais que nós conseguimos êxito permitindo que o assistido tenha acesso à medicação, é uma demonstração de que nós estamos conseguindo um bom resultado. Neste 2024, a gente quer duplicar essas ações, principalmente fazer um trabalho de divulgação dos direitos da pessoa que é portadora de câncer. Eu acho ainda que por mais que exista a mídia, ainda há um desconhecimento da sociedade em função dos direitos que a pessoa portadora de câncer tem. 

Também podemos citar que em 2023 demos: apoio às campanhas de doação de sangue, apoio ao Grupo Life “Curadas para Curar” não só disponibilizando o auditório do Instituto para encontros mensais mas também participando ativamente das ações, realizamos palestras na área de comunicação estratégica e na divulgação de legislações, apoiamos ações sociais de responsabilidade social a exemplo de lançamento de livros que tiveram a renda revertida para o Hospital de Câncer de Mato Grosso, apoiamos a cultura, fizemos arrecadação de alimentos, enfim foi um ano produtivo, mas sempre podemos alcançar mais. 

A maior atuação do Instituto ainda é para pessoas com câncer e de baixa renda, especialmente na aquisição de remédios de alto custo pelo poder público. Como está o cenário atual em relação a essa questão? Tem havido melhorias significativas, ou as pessoas ainda enfrentam desafios para entrar com ações e conseguir medicamentos e manter uma qualidade de vida? 

Acho que a gente tem a graça de ter um juiz que é da Vara de Saúde, doutor José Luiz Leite Lindote, a quem eu rendo todas as minhas homenagens, que é sensível à causa, que dá um tratamento preferencial a essas demandas de pessoas com câncer. Ele cuida pessoalmente da Secretaria de Saúde na medicação de alto custo. Então a gente não tem nada para reclamar, muito pelo contrário, a gente tem que enaltecer o trabalho que ele faz junto a essa Vara de Saúde, é um trabalho exemplar que tem que servir de modelo para outros estados. Ele é muito comprometido e é isso que a gente tem a obrigação de registrar.  

E quais os planos de 2024 para o Instituto? 

Acho que o grande desafio do ano que vem é trazer uma grande autoridade na área de responsabilidade social, eu imagino convidar o Henrique Prata, o presidente do Hospital de Câncer de Barretos, que é uma referência. Muita gente de todo o país tem câncer e vai se tratar lá, é um hospital 100% filantrópico e todo o custeio do hospital é feito por doações. Então eu quero trazer o doutor Henrique Prata para mostrar ao empresário mato-grossense da necessidade de se envolver com questões filantrópicas.

À medida que, logicamente, você tem o Hospital de Câncer aqui, mas a gente sabe que eles são carentes. Na própria Federação das Indústrias existem empresas que têm projetos como o Instituto Mário Cardi, que não tem onde aplicar valores em ações sérias. Eles buscam esse tipo de oportunidade. A nossa intenção é discutir com essas empresas a exemplo do Grupo Amaggi que tem uma fundação com trabalho sério, a Bom Futuro também, tem várias empresas que têm esse tipo de atividade. 

E, quando você se envolve com um projeto desse a empresa ganha também dividendos positivos em sua imagem, então queremos mostrar isso para o empresariado. Acho que é esse o grande desafio do ano que vem, de começar a desenvolver esse trabalho na área de responsabilidade social.




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