Rafaela Maximiano
Em uma entrevista esclarecedora, o advogado e especialista em Direito Eleitoral, Hélio Ramos, analisa os meandros do "mundo da política" e das eleições, desvendando conceitos frequentemente mal compreendidos.
Hélio Ramos, que também é professor universitário discute a possibilidade de aumentar o número de parlamentares na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, deixando claro que essa questão não está nas mãos do Poder, mas sim nas regras complexas da Constituição Federal, que determinam automaticamente a representação com base na população e no número de deputados federais.
Além disso, a entrevista traz uma avaliação das eleições municipais de 2024. Ao FocoCidade, Hélio Ramos assinala que, devido ao fracasso da minirreforma eleitoral no Congresso Federal, as regras permanecerão as mesmas que vigoraram em 2020 e 2022, com uma exceção relacionada à regra 80-20 na distribuição de cargos proporcionais, que está pendente de decisão do STF.
Por fim, a entrevista aborda a questão dos votos brancos e nulos, desmistificando a crença comum de que esses votos anulam uma eleição. Ramos enfatiza que votos brancos e nulos não têm impacto nas eleições, que são decididas com base nos votos válidos.
Pontua ainda na Entrevista da Semana, uma visão abrangente sobre as complexidades das eleições e ressalta a importância de compreender a matemática por trás dos números eleitorais.
Hélio Ramos é professor de Direito Eleitoral e Direito Penal, pós-graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional e Direito Administrativo e atual Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-MT.
Boa leitura!
Há uma discussão/proposta para aumentar o número de parlamentares na Assembleia Legislativa de Mato Grosso, poderia explicar os argumentos a favor e contra essa possibilidade?
Eu vou desdizer tudo que foi dito para você. Não tem proposta na Assembleia, porque a Assembleia não tem competência para discutir isso, para resolver isso, e essa história que tem região que não tem representante e nada é a mesma coisa, porque nós não temos voto distrital, ou seja, as Assembleias Legislativas dos estados não mandam no número de vagas que elas têm porque se trata de um critério que é automático, relativamente à população e em relação ao número de cargos de deputado federal, ou seja, a Constituição Federal trata de um aumento ou de uma diminuição automática do número de deputados nas Assembleias dos Estados.
A Assembleia pode conversar, porque o Parlamento é para parlar, de debater, ‘De’ de conversar. Isso quer dizer Parlamento. Mas a Constituição da República de 1968, ela estabelece claramente uma situação de automaticidade em relação ao número de vagas na Assembleia. A Constituição Federal nos seus artigos 44, 45 e 46 trata do Congresso Nacional e diz assim: “o Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara e do Senado. Cada legislatura terá duração de quatro anos. - Artigo 45 - a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo”, ou seja, representantes do povo e quando eu falo povo, mesmo o meu filho de seis anos é povo. Ele não é eleitor, ele não tem direitos políticos ainda, ele não pode votar, não pode ser votado, não tem vida política, mas é povo. Uma pessoa que está internada em coma na UTI, é povo. O que quero dizer é que todas as pessoas entram no cálculo da população. Diferentemente de quando eu falo, por exemplo, que Várzea Grande vai ter dois turnos para eleição de prefeito ano que vem se no ano que vem a cidade tiver mais de 200 mil eleitores. Se Várzea Grande tiver menos de 200 mil eleitores, por exemplo 199 mil eleitores, não vai ter segundo turno, porque é um critério matemático objetivo e simples, não tem discussão.
O Congresso, a Câmara de Deputados, ela tem 513 deputados federais e esse número é dividido por uma regra de três: eu tenho 513 para dividir por 27 estados e como dividir? Pelo número da população, é uma regra de três composta. À medida que aumentou a população, eu vou fazer a distribuição por número de vaga e aí fazer uma equiparação, com o número de pessoas que cada estado tem e nenhum estado pode ter menos de oito deputados federais e o mais populoso pode ter no máximo setenta deputados federais. Então é assim, hoje São Paulo tem 70 deputados federais e nos outros estados no mínimo oito. Então é uma regra de matemática proporcional feita com valoração de acordo com o número da população dividido por um número de vagas levando em consideração que são 513 vagas e 27 estados.
Mas essa regra é para a Câmara Federal, e no caso da Assembleia Legislativa?
A Assembleia Legislativa é definida em cima do número de deputados federais. A regra diz que o número de deputados estaduais é simplesmente três vezes o número de deputados federais. O artigo 27 da Constituição diz que o número de deputados estaduais da Assembleia Legislativa corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara dos Deputados. Esse é o primeiro ponto. Se hoje Mato Grosso tem oito deputados federais ele terá o triplo de deputados, ou seja 24. Agora me diz, o que a Assembleia vai discutir? É um critério matemático. Se o número de deputados federais de Mato Grosso aumentar para nove a Assembleia terá 27 deputados estaduais e não discute nada. Nem cabe discutir.
Só que aí a regra continua. Como o número de deputados federais é limitado a 513, a Constituição diz que o número de deputados da Assembleia corresponderá ao triplo da representação do Estado na Câmara, ocorre que aí vem a segunda parte da regra, atingindo o número de 36, ou seja, quando o Estado tem 12 deputados federais a Assembleia está com 36 estaduais. A partir daí a regra muda. Para cada deputado federal que o Estado tiver, aumenta um deputado estadual. Quando um estado alcança um número de 12 deputados federais ele terá automaticamente 36 deputados estaduais e a partir daí caso aumente o número de federais soma-se apenas um estadual.
Essa regra é uma fórmula matemática criada na Constituição de 88 para poder equacionar as 513 vagas de deputado federal nos 27 Estados, equacionando que nenhum Estado tenha menos de oito e nenhum Estado tenha mais de 70.
Primeiro, as eleições de 2024, elas são eleições municipais e eu costumo dizer que são três cargos em disputa: prefeito, vice-prefeito e vereador. As pessoas costumam esquecer dos vices, como se os vices não fossem eleitos.
Hipoteticamente: tendo esse número de 513 deputados federais fechados, e a população de Mato Grosso aumentando, ainda assim conseguiria aumentar o número de representantes?
Esses critérios são para equacionar a federação de forma proporcional ao número da população, ou seja, um estado que tem mais, tem mais deputado federal, portanto tem mais deputado estadual. Um estado que tem menos população, tem menos deputado federal, portanto tem menos deputado estadual. Por exemplo, para Mato Grosso ir para nove deputados federais, no critério matemático de representação populacional, algum estado do Brasil vai diminuir a quantidade de deputado federal e três deputados estaduais.
Então, assim, para Mato Grosso ter nove deputados federais e automaticamente 27 na Assembleia, é necessário que algum outro estado brasileiro perca um deputado federal e diminua três estaduais. Vamos supor que Mato Grosso do Sul tenha nove e nós temos oito federais, aí aplicamos a distribuição proporcional da população pelos 513 deputados na regra de oito no mínimo, e 70 no máximo, e Campo Grande baixou para oito de deputados federais e Mato Grosso suba para nove federais. Lá na Assembleia de Campo Grande, que tinha 27, vai para 24. E aqui que tinha 24, vai para 27. Não tem um segredo. É uma matemática direta, simples.
O número de deputados estaduais não é de competência de discussão das Assembleias Legislativas, é de competência de discussão no Congresso Nacional e baseado, então, somente na Constituição. Não se discute governabilidade, não se discute número a mais ou a menos, a distribuição é automática. Simplesmente o TRE chega e fala assim: aumentou o número de deputados federais, aumentou o número de deputados estaduais, e coloca as vagas para poder eleger. A Assembleia fala alguma coisa? Não, só solta foguete porque vai ter mais três deputados, e eles querem que tenha bastante. Só isso. Quando questionam que uma região do estado que não tem deputado, é importante lembrar que a nossa distribuição de representação dentro do Estado não é distrital, nosso voto é proporcional de forma única dentro do Estado. O candidato a deputado estadual de Barra do Garças, mora em Barra do Garças, mas ele tem voto em Alta Floresta, ele tem voto em Aripuanã, não é distrital. Então, na verdade, a Assembleia tem que abraçar todo o Estado, eles têm que fazer legislações para todo o Estado, eles são eleitos para ser deputados estaduais de Mato Grosso e não de uma região.
Se você votar nulo, você votou nulo. Não conta pra ninguém, não serve pra ninguém, não serve pra nada. Não ir votar e ir votar e apertar a tecla em branco, ou digitar qualquer número e anular o voto, é a mesma coisa.
Com o fracasso da minirreforma eleitoral, como serão as eleições de 2024 no aspecto de novas regras sobre número de candidatos, cálculo de cotas para candidatos negros e mulheres, federações e vagas de sobras, como tudo isso modifica a dinâmica da disputa?
Primeiro, as eleições de 2024, elas são eleições municipais e eu costumo dizer que são três cargos em disputa: prefeito, vice-prefeito e vereador. As pessoas costumam esquecer dos vices, como se os vices não fossem eleitos. Os vices são eleitos e acabam se tornando titulares, é só olhar Itamar Franco, José Sarney, é só olhar a história política recente do Brasil que você vai ver que os vices foram, por muitas vezes, alçados à condição de titular.
A eleição do ano que vem vai usar as mesmas regras de 2020 e 2022. A minirreforma eleitoral não passou no Congresso Federal, foi aprovada na Câmara e o Senado segurou, ela tinha que ser aprovada até o dia 6 de outubro deste ano. Então não teremos grandes mudanças na legislação eleitoral para 2024. A única mudança e que ainda não está totalmente consolidada, é que houve em 2019 uma modificação na lei eleitoral que foi aplicada em 2020 e 2022, que o STF já formou maioria para derrubar, que é a regra do 80-20. Da distribuição dos cargos proporcionais.
Nessa ação de inconstitucionalidade que tramita no Supremo falta um voto, mas se esse voto for com a maioria ou minoria não vai fazer diferença porque já tem maioria para declarar inconstitucional a parte do artigo 109 do Código Eleitoral, que fala que a distribuição das vagas tem que respeitar o critério de 80-20, onde todos os partidos participariam. Então não haverá essa regra de 80-20 em 2024 inclusive, essa decisão não só será aplicada em 2024 como também vai retroagir e aplicar na eleição de 2022. Aqui em Mato Grosso, é bem provável que a composição dos deputados federais não mude, mas tem estado que vai mudar. E, na hora que essa decisão sair o TSE já vai colocar isso lá no sistema e já vai fazer a distribuição automática.
O que é essa regra do 80-20 para que todos entendam?
Primeiro eu distribuo as vagas pelo quociente. E é bom pontuar que muitos falam errado, falam ‘coeficiente eleitoral’ e isso não existe. Quociente tem a ver com percentagem e a regra é do quociente. O que é quociente? É o dividendo pelo divisor. É o resultado da divisão. E aí a regra é assim: dos partidos, que dentro da regra dos quociente tinham alcançado 80% do quociente partidário, participavam da distribuição das vagas desde que um candidato dentro do partido tivesse pelo menos 20% do número de votos do quociente eleitoral.
A regra 80-20 tinha a ideia de poder ampliar a participação de mais partidos na distribuição das vagas. Ela declarada inconstitucional, restringe essa condição ao que sempre aplicou desde 1965.
Menos tempo de inelegibilidade para políticos condenados e proibição de candidaturas coletivas... esses dois aspectos da minirreforma foram aprovados?
A questão da regra de inelegibilidade continua a mesma. É lei complementar 6490 que as pessoas apelidaram de Lei da Ficha Limpa, mas o nome é Lei da Inelegibilidade. Ela está mantida, não mudou nada nela também.
A coisa que a gente tem que entender é o seguinte: pesquisa é matemática criada em cima de uma metodologia. Se eu criar uma metodologia diferente, o resultado da pesquisa vai dar o que eu quiser.
Existe alguma atualização nas regras relacionadas a votos brancos e nulos nas eleições municipais? Qual é a diferença entre esses tipos de votos e os votos válidos?
Não. Votos brancos e nulos são considerados votos não válidos, não conta para quem ganha e não conta para quem perde, não conta no cociente eleitoral, não contam no cociente partidário, ou seja, não diz nada, não fala nada, não exprime nada. Voto branco e nulo é nada. E nesse caso é sempre bom enfatizar que votos nulos e brancos não anulam eleição. Isso é fake news, nunca existiu isso. Fake news total. Se, por exemplo, Cuiabá tem 300 mil eleitores, se 290 mil eleitores votarem nulo, vai ganhar a eleição quem tiver mais votos dos 10 mil votos válidos.
O artigo 224 do Código Eleitoral que trata da nulidade dos votos criando nova eleição não trata de voto nulo dado pelo eleitor, ele trata de nulidade de eleição. Por exemplo, vamos supor que no dia da eleição, em uma cidade do interior um candidato coloque 100 pessoas armadas na rua coagindo as pessoas a não irem votar. Essa eleição vai ser nula. Por quê? Porque houve uma coação. E aí, essa nulidade vai ter uma nova eleição. E o código eleitoral é de 1965 e ainda em 2023 as pessoas insistem em dizer que se votar nulo vai ter nova eleição. Se você votar nulo, você votou nulo. Não conta pra ninguém, não serve pra ninguém, não serve pra nada. Não ir votar e ir votar e apertar a tecla em branco, ou digitar qualquer número e anular o voto, é a mesma coisa. A única diferença é que o eleitor que não for votar paga a multa, que é de 4,50 reais.
Pesquisas eleitorais... com que olhos o eleitor deve avaliar as pesquisas para votar consciente e não ser influenciado?
A coisa que a gente tem que entender é o seguinte: pesquisa é matemática criada em cima de uma metodologia. Se eu criar uma metodologia diferente, o resultado da pesquisa vai dar o que eu quiser. Então o eleitor tem que votar de acordo com as suas convicções ideológicas e com a pesquisa que ele fizer do candidato. A pesquisa é um mero instrumento instantâneo de registro de uma opinião coletiva. Ela não deve influenciar o processo de votação do eleitor. ‘Ah, mas o eleitor se influencia.’ Mas aí é do eleitor. Por exemplo, ‘Hélio Ramos, você é influenciado por pesquisa?’ Não. Por quê? Eu conheço matematicamente como as pesquisas são feitas. Eu sei que elas podem dar qualquer resultado que você quiser. ‘Ah, mas tem alguém que é sério?’ Se você tem um instituto de pesquisa com 70 anos é lógico que ele vai ter mais seriedade do que um instituto de pesquisa que criaram ontem.
Por exemplo, na eleição de 2020, eu descobri um instituto de pesquisa que estava fazendo pesquisa para Rondonópolis e a sede dele era numa casa do CPA III, Setor V. E aí eu fui na casa, chegou lá, atendeu uma dona Maria e falou que era a casa dela e que ali nunca teve empresa nenhuma, ou seja, você vai confiar num instituto de pesquisa desse tipo?
Na verdade, em uma democracia onde gente tem a educação como a grande mola propulsora da sociedade a gente avaliaria as pesquisas como o que realmente elas são: como um retrato instantâneo de uma realidade coletiva dentro de uma metodologia matemática específica. Mas o eleitor, cada vez mais que ele participar do processo eleitoral e cada vez mais que ele conhecer os candidatos ele fará uma escolha mais consciente e aí eu aconselho que façam a pesquisa sobre o candidato com antecedência, não deixe para somente o período eleitoral.
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