• Cuiabá, 10 de Julho - 2025 00:00:00

Menotti Griggi: análise sobre 20 anos da luta LGBTQIA+ em Mato Grosso  


Rafaela Maximiano

No sábado, 2 de setembro, milhares de pessoas participaram da Parada LGBTQIA+ de Mato Grosso, em Cuiabá. Sobre o assunto, o FocoCidade conversou com o jornalista Menotti Griggi. Reconhecido como Rei da Parada 2023, ele compartilhou sua perspectiva sobre as duas décadas de evolução do movimento no Estado bem como os obstáculos que ainda precisam ser vencidos.  

Entrevista da Semana abordou a importância da visibilidade da comunidade e da contínua luta por direitos e igualdade; e o sombrio fato de que Mato Grosso ainda é um dos estados que mais mata homossexuais no Brasil.  

Griggi expressa gratidão pelo reconhecimento de sua contribuição à militância LGBT, ressaltando que essa homenagem é compartilhada com todos que participaram da jornada. Ele enfatiza a necessidade de combater a homofobia e promover políticas inclusivas. Além disso, destaca o papel fundamental da imprensa na cobertura das questões LGBTQIA+ e a importância do engajamento da juventude na busca por igualdade.  

Menotti Griggi conclui afirmando que o futuro da Parada será marcado por prosperidade, mas também por contínua luta e comprometimento com a causa.  

Boa leitura e viva as diferenças!  

A primeira Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso aconteceu há 20 anos, como você vê a evolução e o impacto dessa iniciativa ao longo dessas duas décadas?  

A Parada, nasceu há duas décadas, quando eu, o Clóvis Arantes e o jornalista Valdemiro Arruda, a gente se juntou pra levar a Parada de Cuiabá paras ruas, porque a tendência da Parada já estava acontecendo no Brasil.  A gente já tinha como referência a Parada de São Paulo.  E era mais do que na hora da gente ter a Parada de Cuiabá.  Então, a gente se juntou pra falar sobre o movimento e tentar levar para as ruas.  Ainda um pouco temeroso, porque a gente não sabia como é que a população ia receber. A gente não tinha uma ideia dos apoios que nós iríamos receber.  Mas, para nossa surpresa, foi muito boa.  A gente já teve uma boa adesão logo na primeira Parada.  Então, pra nossa surpresa, já teve uma grande adesão da população desde a primeira edição.  A gente está falando de 20 anos atrás, que parece que não é muito, mas, em termos de Brasil, é muito.  Em termos de população homossexual, é muito. É muito tempo.   

Nós estávamos há 20 anos, nossos passos não foram gigantes até hoje.  Houve muita luta, houve muita discussão. Então, a Parada nasceu com essa necessidade principal de nos dar visibilidade.  Porque, até então, é uma população que tem muita invisibilidade.  E eu acho que a gente precisava ir para a rua pra falar sobre a nossa existência. Nós existimos, mas nós precisávamos ser vistos. Sair da invisibilidade.  

Como você se sente ao receber esse reconhecimento por sua contribuição para o evento e atuação na militância LGBT?  

Eu fico muito feliz, porque o meu trabalho, são 20 anos de Parada, mas eu comecei o meu trabalho mesmo, de militância, em 1995. Então, ele tá um pouco à frente até, de anos que eu já venho nessa batalha. A minha primeira referência sempre é o entretenimento. Eu comecei tentando fazer espaços de sociabilização para a população LGBT.  Porque a gente precisava se encontrar, a gente precisava trocar ideias, a gente precisava falar sobre política, a gente precisava falar sobre identidade de gênero, a gente precisava falar sobre saúde.  Então, onde é que a gente iria se encontrar? A primeira coisa que eu pensei era o entretenimento, chamar essas pessoas para festas, para eventos, pra que a gente pudesse reunir essa população e falar sobre tudo, falar sobre cultura, falar sobre moda, falar sobre relações. Então, esse meu começo, eu fico feliz porque eu consegui reunir muita gente, consegui ao longo desses 20 anos construir muita coisa.   

Junto com a Comissão Organizadora da Parada, que foi se alternando de pessoas, mas conseguimos contar uma história e escrever uma história. E eu fico muito feliz com essa homenagem porque hoje nós temos um momento que não é o que era de 20 anos atrás, a gente avançou muito, mas temos um momento que essa população jovem que está chegando, ela vai encontrar um caminho mais fácil. Não sei se a palavra correta seria fácil, porque para homossexual nunca é fácil. Mas é um caminho mais tranquilo, pra gente poder falar sobre política, falar sobre saúde, falar sobre cultura e combater a homofobia de forma mais veemente, de forma mais expansiva, porque até então a gente tinha medo. A gente sempre foi cercado de medo.   

Então, essa homenagem não é só minha, essa homenagem não é só pra mim, essa é uma homenagem de todo mundo que chegou vivo até aqui, porque no caminho nós perdemos muitos parceiros, nós perdemos amigos, perdemos amigas para a violência. Então, eu fico feliz de estar aqui vivo hoje, recebendo essa homenagem, mas junto com muita gente que esteve nessa caminhada, que sobreviveu e muita gente que não sobreviveu.  Faz parte dessa homenagem dos 20 anos.   

Além de ser um evento festivo, a Parada também tem um caráter político importante. Como você enxerga a relação entre a celebração da diversidade e a luta por políticas públicas que promovam a igualdade e inclusão?  

Eu acho que a Parada, ela contribui principalmente para dar visibilidade a essa população e também para evidenciar as lutas que a gente faz no dia a dia. São as lutas, os avanços que a gente teve aconteceram muito por conta de todo um trabalho que é feito durante o ano todo até chegar na Parada. A Parada é só um dia festivo, um dia de celebração, um dia de darmos visibilidade a todos nós, mas existe um trabalho que é feito o ano todo, um trabalho político, um trabalho em que a gente tem a participação efetiva em diversos grupos para a gente poder chegar hoje a uma criminalização da homofobia, de ser tratado agora mais recentemente como injúria.   

Todas essas lutas, a luta pela saúde LGBT, a luta por condições de trabalho, que eu acho que também é uma coisa que é muito forte para a população LGBT, a questão do trabalho. Porque eu não sou, claro, a pessoa mais correta para falar sobre as trans, mas eu sei o tanto que elas lutam, o tanto que elas se colocam no embate para conseguir trabalho e, não conseguindo, partem para outros caminhos. 

Então, eu acho que a construção da Parada parte principalmente para resolver todos esses problemas. Tudo que a gente vem trazendo desde 20, 30 anos atrás, a gente vem fazendo as lutas no dia a dia até chegar à Parada, que aí já é um outro momento, é um momento da celebração. Mas é muito importante que as pessoas, todas, olhem para o movimento não como um único dia. Não com aquele preconceito de que a Parada vai para as ruas, um único dia, falam muito dessa exposição de corpos. Não é isso.  A Parada vai muito além disso, é um momento da celebração de todas as lutas que são diárias feitas pelos movimentos.   

Muitos avanços foram feitos em termos de leis e políticas para a comunidade LGBTQIA+ nos últimos anos. No entanto, ainda há desafios. Na sua opinião, quais são as principais questões que a comunidade ainda enfrenta em Mato Grosso?   

Olha, eu acho que ainda muito essa questão da homofobia. Nós somos um estado que ainda mata muitos homossexuais, mata muito a população LGBTQIA+, por homofobia.  E é muito triste, porque vimos recentemente um embate lá na Câmara Federal, de uma deputada aqui do estado, que fez uma fala transfóbica muito pesada numa sessão. E quando você tem um político que representa a população dentro de uma Câmara Federal, fazendo uma fala absolutamente criminosa e transfóbica, e o tanto que isso pode impactar na população que segue essa pessoa, que a partir do pensamento dessa pessoa, começa a promover a transfobia, começa a promover a homofobia diante de falas tão criminosas quanto dessa deputada. Eu acho que, então, a gente tem que fazer esse combate diário, porque não adianta a gente estar todos os dias nas lutas se a gente não fizer a organização do movimento para combater esse tipo de coisa.   

Nós somos um movimento que se organiza exatamente para poder evidenciar a nossa existência e combater todo esse preconceito. Então, eu acho que ainda existe muito preconceito por muitas pessoas que não compreendem a população LGBT e ainda se armam principalmente de redes sociais e de falas muito homofóbicas para nos agredir, para nos colocar em situação de risco sempre. Então, o nosso combate à homofobia é diário.   

Como você avalia o papel da mídia e dos jornalistas na cobertura de questões relacionadas à comunidade LGBTQIA+? Você acredita que a cobertura tem sido positiva e inclusiva? 

A imprensa tem sido fundamental no apoio à nossa população LGBTQIA+. A imprensa, principalmente a imprensa que se coloca numa posição de observar o ser humano, de observar o outro. Eu tenho visto muitas matérias discutidas.  Eu vejo que desde que nós começamos a Parada, o quanto a imprensa nos abriu oportunidades de fala, oportunidades de nos pronunciarmos, oportunidades de nos colocarmos. Hoje a gente tem uma ampla cobertura da Parada, todos os canais de rádio, TV, as mídias sociais, as redes sociais, todos nos dando um grande apoio. Claro que existem as exceções, mas faz parte também do contraditório.  Então, no geral, a imprensa tem sido fundamental para nos ajudar a divulgar as nossas pautas, as nossas conquistas.  

Eu sou jornalista também e sou muito grato à minha profissão e ao fato de estar junto com colegas tão colaborativos como eu tenho visto ultimamente.  

A Parada deste ano acontece em um contexto social e político complexo. Como você acha que a comunidade LGBTQIA+ pode continuar avançando, mesmo diante de retrocessos e preconceitos que ainda persistem?  

Estamos vindo de dois momentos bem ruins. Estamos vindo de uma pandemia que nos obrigou a ficar em casa, de não estarmos juntos, e o movimento precisa estar junto, e também de um desgoverno absurdo. Tivemos uma tentativa de nos descredibilizar imensa. Mas a gente retoma a Parada com muita força, porque é muito engraçado isso. Por mais que tentem desestabilizar o movimento, por mais que tentem nos diminuir, por mais que tentem nos barrar, nós reagimos de uma forma muito mais forte. Nós somos um movimento que não tem volta. Nós não vamos retroceder às políticas contrárias ao que a gente precisa e o que a gente quer para a população. Nós estaremos sempre nas ruas, nos congressos, nos governos, nas câmaras.  Nós ocuparemos todos os espaços. Nós estaremos à frente dessa luta, pedindo pela população, fazendo todas as solicitações políticas, na área da saúde, na cultura. É um movimento sem retrocesso. Pode ser que, em algum momento a gente pare para refletir o que está sendo imposto, mas nós não desistimos.  

E nós voltamos agora, no ano de 2023, celebrando o orgulho desses 20 anos, dessa luta de 20 anos, de tudo que nós construímos, de todas as nossas batalhas que nós fizemos. Hoje, o movimento LGBT de Mato Grosso existe, a Parada existe, com uma associação que coloca a Parada nas ruas, que tem muitas pessoas trabalhando para colocar a Parada nas ruas e também nos bastidores, fazendo a luta pelo movimento. Então, nós estamos, mais do que nunca, fortes e estivemos mais uma vez na rua, celebrando os 20 anos, para dizer que nada vai nos impedir de lutarmos pelo que nós queremos.  

Além da visibilidade da Parada, quais são os outros meios que você acredita serem eficazes para sensibilizar a sociedade em relação à importância da diversidade e dos direitos LGBTQIA+?  

A Associação da Parada, ela é mais recente, ela veio nessa construção de que a Parada, todos os anos, a gente sempre se organizava para fazer a Parada, pedindo apoio para um, para outro. E a Comissão da Parada, eles resolveram juntar todo mundo, criar a associação para que de uma forma mais participativa de todo o Estado as pessoas pudessem estar presentes e colaborativas nessa construção. A Parada é uma construção conjunta entre gays, lésbicas, trans, está todo mundo ali, todo mundo em uma luta igual para essa construção da Parada e para a construção das políticas públicas, porque a gente não fala sozinho, a gente fala em conjunto, a gente decide em conjunto.  

Então, a importância dessa associação é para a gente poder estar mais organizado, para ter mais representatividade e para poder estar em todos os lugares. A associação vem para fortalecer o movimento e isso tem acontecido de uma forma muito bacana. Lá está o Clóvis Arantes, está o Valdomiro Arruda, está Wesley da Mata, está Daniel Vitor, tem todo um grupo pensando na Parada, tem Secretaria de Comunicação, Secretaria de Saúde, Secretaria de Direitos Humanos, tudo englobado na associação para que a gente possa estar presente em todos os setores.  

A organização é o melhor caminho para que a gente possa conseguir evidenciar as nossas lutas e colocar os nossos projetos em pauta, lutar por eles para que eles sejam aprovados em todas as esferas.  A associação vem nesse contexto, nesse reforço. 

A juventude tem desempenhado um papel fundamental na promoção de mudanças sociais. Como você vê o engajamento e a participação dos jovens na luta por direitos e igualdade para a comunidade LGBTQIA+? 

Isso é uma coisa muito bacana, que eu acho importantíssimo. Eu estava falando com o Clóvis, a gente foi dar outra entrevista, que nós somos os homens maduros da Comissão Organizadora da Parada e eu fico muito feliz porque nas reuniões que a Parada tem feito, por exemplo, para voluntários e a maior parte das pessoas que estavam lá eram jovens de 18, 20, 25 anos e isso me deixa muito feliz  porque a gente consegue trazer  para o movimento todas as idades de pessoas e principalmente uma população jovem que já vem nesse enfrentamento,  já vem nesse engajamento de um momento do movimento que já tem uma construção.

Nós já caminhamos 20 anos, nós já conseguimos muitas coisas. Esses jovens que estão chegando com essa força para continuar o movimento, dar força para o movimento, chegam num momento melhor, num momento em que talvez as maiores lutas tenham sido travadas e agora eles chegam com um campo um pouco mais tranquilo, mas que ainda precisa de muita luta.  Então eu fico muito feliz de estar celebrando esses 20 anos da Parada na minha maturidade, mas de estar podendo observar o quanto é importante a participação dos jovens e eles estão juntos com a gente. Eles estão no movimento, eles estão nas redes sociais, eles estão nas discussões para que a gente tenha um enfrentamento muito menor daqui pra frente.  

Olhando para o futuro, quais são os seus principais desejos e esperanças para a Parada do Orgulho LGBTQIA+ de Mato Grosso nos próximos anos? Como você imagina que o evento possa continuar evoluindo?  

A cada ano a gente sempre pensa de como que a gente vai estar para o próximo ano. A gente sempre pensa nos temas, nas coisas que a gente vai construir. Eu acho que a Parada o que me deixa tranquilo é que ela está consolidada, o movimento está consolidado e toda a população que chega junto, seja não só a população LGBT, mas, inclusive, a população CIS, os héteros, que estão na batalha com a gente, e são muitos, nos abraçando, abraçando a causa, levando o movimento junto com a gente, levando esse movimento para frente.   

Então o nosso futuro é um futuro de prosperidade, mas não é um futuro sem luta. Não existe prosperidade sem luta. Então, a gente vai continuar nas batalhas, a gente vai continuar nos debates, a gente vai continuar combatendo uma política não inclusiva, uma política que nos exclui, uma política que não pensa no outro, ou só pensa no seu próprio umbigo. Combatendo a todo tipo de preconceito, e eu acho que a gente já vem se preparando para isso. A gente está chegando no momento em 2023, que a gente está bem pronto, que quando a gente ouve uma fala, como eu ouvi dessa deputada na Câmara Federal, que a gente pensa que vai ter um respiro, mas fala não, ainda não estamos tranquilos, e precisa continuar o combate e a luta. E com a garra e força dos jovens, a gente vai muito, muito além do que a gente já construiu.  

Considerações finais...  

É importante dizer que essa homenagem que eu recebi é uma homenagem que vem com uma construção de um trabalho que começou em 1995. No meu primeiro evento que eu fiz, uma festa chamada Masquerade, que era uma festa que eu queria trazer as pessoas para a gente poder falar, para a gente poder socializar, para a gente poder falar de política, de cultura e também beijar na boca, porque nós somos seres humanos e a gente precisa se relacionar. E, desde 1995 eu sempre acreditei... que chegaria aqui.  

Eu sempre acreditei que seria possível construir tudo que a gente construiu. E eu sempre acreditei que nós venceríamos a maioria das lutas. E eu só acreditei porque eu nunca estive sozinho. Eu sempre tive ao meu lado muitas pessoas que conseguiram chegar vivas aqui e muitas que não conseguiram.

Então, eu posso dizer que essa homenagem de ser Rei da Parada é uma homenagem que carrega milhares de pessoas junto e que me coloca numa posição de não descansar nunca, de continuar a minha luta, de pensar nos valores e de pensar que tem uma população jovem chegando que vai precisar ainda de estarmos juntos nessa luta. E eu só vou parar quando não der mais, quando eu não tiver forças. Enquanto eu tiver forças, eu vou estar junto com essa população lutando. 




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