• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Especialista esclarece dúvidas sobre a febre maculosa, transmitida pelo carrapato-estrela 


Rafaela Maximiano

Passados mais de 90 anos desde a identificação do primeiro caso de febre maculosa em território nacional, a falta de informação continua sendo um dos maiores desafios no enfrentamento da doença.   

Com quadro clínico marcado por febre alta, dores de cabeça, náuseas e vômitos, o diagnóstico correto depende do conhecimento dos profissionais de saúde sobre este agravo, que compartilha os mesmos sintomas com diversas doenças. No Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, praticamente todos os casos de óbito por febre maculosa ocorridos nos últimos 20 anos tiveram o diagnóstico inicial de dengue, segundo o Ministério da Saúde.  

Na Entrevista da Semana a patologista, pediatra, docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e conselheira do Conselho Federal de Medicina (CFM), Natasha Slhessarenko, esclarece dúvidas e alerta para a prevenção da doença.  

Também segundo dados da Fiocruz, a doença já infectou mais de 1200 pessoas e levou a óbito cerca de 370, desde 1997. O Sudeste é a região do país com o maior número de notificações, sobretudo em São Paulo (562) e Minas Gerais (208). De 2014 até agora, o número de confirmações chega a 23.  

Confira a entrevista na íntegra:   

O que é a febre maculosa e por que a doença recebe esse nome?  

A doença febre maculosa é uma doença já descrita no século 19 nas regiões montanhosas dos Estados Unidos e recebeu inicialmente o nome de Febre Maculosa das Montanhas Rochosas, porque tinham muitos casos nessas regiões montanhosas do país. Febre maculosa brasileira é uma doença infecciosa, febril, de gravidade variável e que acontece em praticamente todo o mundo. Os primeiros casos da doença no Brasil datam de 1929, em São Paulo e Minas Gerais.  

É uma doença causada por uma bactéria chamada Rickettsia rickettsii. Ela é transmitida classicamente pelo carrapato-estrela que é do gênero Amblyomma.    

Quais são os sintomas?  

Os sintomas são muito semelhantes aos sintomas de uma dengue, de uma leptospirose, ou seja, febre, mal-estar, mialgia que é aquela dor no corpo, na carne do corpo, dor de cabeça, desânimo, e, no caso da febre maculosa tem que ter a história epidemiológica de ter ido para um lugar de mata onde tem carrapato. Tem que ter essa história epidemiológica é isso que fortalece o diagnóstico.  

Quando a bactéria cai na circulação causa vasculite, isto é, causa inflamação da camada interna dos vasos que se manifesta como manchas vermelhas que podem acometer o corpo todo, inclusive as palmas das mãos e plantas dos pés, o que não é comum das doenças que causam esta manifestação, que é chamada de erupção cutânea. Junto com estas lesões de pele podem aparecer sangramentos na pele, petéquias que são pintinhas vermelhas, do tamanho da cabeça de um alfinete.  

Vale ressaltar que alguns pacientes não têm estas manifestações na pele, sobretudo pacientes com rápida progressão da doença, nas formas fulminantes, em que a evolução para óbito acontece até o sexto dia de evolução. Os primeiros sintomas aparecem de dois a 14 dias depois da picada. Na imensa maioria dos casos, sete dias depois.  

Como ocorre a transmissão? E, o carrapato dos animais domésticos também transmite essa doença?  

A transmissão acontece através do vetor que é o carrapato do gênero Amblyomma. O mais conhecido carrapato que dá a doença é o carrapato-estrela, mas não é só ele, existe aí outros tipos de carrapatos que transmitem a Rickettsia rickettsii, mas esse é o mais conhecido. Para ocorrer a transmissão tem que ter a bactéria, o carrapato, o hospedeiro que podem ser animais silvestres e domésticos também. O homem se contamina com o carrapato contaminado pela bactéria.  

É importante falarmos que há três perfis epidemiológicos associados a febre maculosa: a febre maculosa na região Sudeste que é causada pela Rickettsia rickettsii e tem como vetor o carrapato-estrela e como hospedeiros animais domésticos e silvestres, ou seja, principalmente capivara e cavalo, mas também animais domésticos, como o cachorro.  

A febre maculosa brasileira da região metropolitana de São Paulo também é causada pela bactéria Rickettsia rickettsii mas é outro carrapato, o Amblyomma aureolatum. Cães e gatos são parasitados por carrapatos. E, a febre maculosa causada pela Rickettsia parkeri que ocorre em áreas de Mata Atlântica nas regiões Sul, Nordeste e Sudeste. O carrapato envolvido na maior parte dos casos é o Amblyomma ovale. Animais silvestres e o cão são hospedeiros.  

Todos os carrapatos são hematófagos, ou seja, alimentam-se de sangue. Para haver transmissão da doença, o carrapato infectado precisa ficar pelo menos quatro horas fixado na pele das pessoas sugando o sangue e inoculando. Os mais jovens e de menor tamanho são vetores mais perigosos, porque são mais difíceis de serem vistos. E, não existe transmissão da doença de uma pessoa para outra. 

Sobre o carrapato dos animais domésticos, existe uma forma que se acredita, que eu citei anteriormente que ocorre na região metropolitana de São Paulo, ainda não foi confirmado, que o cachorro também poderia estar albergando a Rickettsia rickettsii e aí poderia ser um vetor também.  

Qual tratamento para a doença e qual o grau de letalidade?  

A febre maculosa brasileira tem cura desde que o tratamento com antibióticos a doxiciclina e o clorafenicol, introduzido imediatamente a suspeita clínica, não esperar os resultados dos exames confirmarem o diagnóstico para fazer o tratamento, daí a importância do conhecimento dos profissionais de saúde sobre este agravo. Suspeitou, colhe os exames e começa a fazer o tratamento com antibióticos, porque a letalidade pode ser tão alta quanto acima de 60% se não iniciada antibioticoterapia nos primeiros dias de doença. É importante que o médico pense na doença para iniciar imediatamente o tratamento.  

Como falei antes os sintomas são muito parecidos com os da dengue, febre, dor de cabeça, dor no corpo, mal-estar e uma coisa bem característica que pode ajudar na identificação da doença são as manchas no corpo. O rash cutâneo, a pele fica toda com vermelhidão, como uma alergia, e essas manchas vermelhas como disse acometem a palma das mãos e a planta dos pés, o que não é característico das doenças infecciosas. E essas manchas podem acometer o extravasamento de sangue para pele pela queda de plaquetas.   

Como é realizado o diagnóstico e, quais as formas de prevenção da doença?  

O diagnóstico é feito por sorologia, colhe sangue para que detectar anticorpos IgG e IgM, é o exame padrão-ouro para o diagnóstico das riquetisioses. Até por volta do sétimo dia da doença, podem não ser encontrados anticorpos. Dessa forma, é importante que uma segunda amostra seja coletada mais tarde, por indicação do Ministério da Saúde, entre 14 e 21 dias após a primeira coleta. Outros exames podem ser realizados a reação da polimerase em cadeia que é o PCR coletado do sangue ou do tecido, e o teste molecular ou por imuno-histoquímica também.  

Orientamos a evitar a ir a lugares onde sabidamente tem o carrapato. Importante que a pessoa que for para um sítio, mata, que tenha esses animais silvestres que a pessoa vá de roupa de manga comprida, use bota, até prenda com fita adesiva a bota com a calça para evitar que o carrapato entre. Usar roupas claras. Se a pessoa por acaso enxergar o carrapato nela nunca deve se espremer e nem pegar com a mão o carrapato, ele deve ser retirado com uma pinça. 

Todos os casos da doença devem ser notificados ao serviço de vigilância epidemiológica.  

Assim como ocorre com outras doenças, também é possível que haja surtos de febre maculosa?  

Sim, é possível quando tem esses vetores. Surto é quando tem um aumento súbito do número de casos em pouco espaço de tempo. Nós tivemos recentemente em uma chácara no interior de São Paulo e teve esse aumento do número de casos. Sempre tem casos de febre maculosa, agora estamos falando mais por que esses casos ocorreram em um mesmo momento. É importante que as pessoas tenham esses cuidados que já citei.  

Considerações finais…  

É importante que tanto os médicos quanto as pessoas estejam atentos aos sintomas de dor de cabeça, mal-estar, mialgia, essas pintas e manchas no corpo, que se confundem com dengue e leptospirose. Toda vez que tiver isso perguntar à epidemiologia se teve contato com animais silvestres, se foi picado por carrapato, por isso é muito importante a história epidemiológica para o diagnóstico da febre maculosa.   

Além disso, fazer exames de sangue na suspeita e não esperar pelos resultados e já iniciar imediatamente com o tratamento porque é uma doença que tem tratamento mas precisa que esse tratamento seja instituído o mais rapidamente possível para que os sintomas possam ser revelados e haja uma evolução para a cura.  

Também, evitar o contato com carrapatos. Se, por acaso, estiver numa área em que eles possam existir, examine seu corpo cuidadosamente a cada três horas pelo menos, porque o carrapato-estrela transmite a bactéria responsável pela doença só depois de pelo menos quatro horas grudado na pele; use roupas claras porque facilitam enxergar melhor os carrapatos; mantenha os cabelos presos ou use boné; coloque a barra das calças dentro das meias e calce botas de cano mais alto nas áreas que possam estar infestadas por carrapatos; tenha cuidado ao retirar o carrapato que estiver grudado em sua pele. Retire-os com pinça ou fita adesiva, nunca com a mão; nunca esmagar o carrapato com as unhas pois pode liberar bactérias que infectaram outras partes do corpo; e, esteja atento ao aparecimento dos sintomas, nunca se automedique e procure um médico. 




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