• Cuiabá, 18 de Outubro - 00:00:00

Márcio Coimbra: política, economia e os braços que sustentam o risco à Democracia


Rafaela Maximiano

A influência da internet e das redes sociais na política, o crescimento de regimes ditatoriais no mundo e o enfraquecimento da Democracia, a interiorização dos discursos de ódio em vários setores da sociedade e o futuro da economia do país, foram temas da Entrevista da Semana.   

FocoCidade conversou com o professor, cientista político e coordenador da pós-graduação em Relações Institucionais e Governamentais da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (FPMB), Márcio Coimbra.  

“Só teremos uma pacificação do ambiente político se sairmos dessa prisão onde está a política brasileira, essa prisão de antagonismos que temos dos dois lados apenas sem propostas”, pontua.  

Coimbra também afirma que a Democracia passa por um momento delicado em todo o mundo, aponta erros e acertos do atual governo Lula e acredita que ainda neste primeiro ano, o presidente Lula consiga aprovar no Congresso Federal um arcabouço fiscal e uma reforma tributária, “mesmo que sendo tímida”, pondera, o que melhoraria a situação econômica do país reduzindo o preço do dólar e dos juros.  

“Acho que só a partir do fim do mandato do Arthur Lira nos próximos dois anos, e se o governo conseguir o próximo presidente da Câmara dos Deputados, alguém com mais diálogo e alinhado ao Planalto, seja possível dilatar um pouco a arte do possível, e fazer mais coisas”, acredita.  

Márcio Coimbra também é Presidente do Conselho da Fundação da Liberdade Econômica, mestre em Ação Política pela Universidad Rey Juan Carlos (2007). Ex-Diretor da Apex-Brasil e do Senado Federal.  

Confira a entrevista na íntegra e boa leitura!  

Como o senhor definiria o momento político vivido no país, considerando sua análise de que “a polarização se tornou regra”?  

O Brasil vive um debate político muito raso, onde na verdade se situam apenas dois lados. E, esses dois lados, têm por base simplesmente o fato de eles serem antagonistas do lado oposto e na verdade, não temos muitas propostas de lado a lado. Temos simplesmente uma polarização, ou seja, que é um antagonismo em ambos os lados. Quando você tem uma terceira via, ou uma quarta e quinta via, esta tem proposta, identidade, outros caminhos. Quando a gente está em um ambiente polarizado a gente tem dois lados, mas que não necessariamente representam dois caminhos, eles representam o caminho contrário do seu antagonista. Então na verdade eles não precisam apresentar propostas, eles só precisam serem contrários ao outro lado.  

Diria que ainda estamos num período delicado sobre a perspectiva de um “retorno da paz” entre os eleitores do presidente Lula e do ex-presidente Jair Bolsonaro?  

Não. Existe uma guerra completa entre os dois lados. Nós só vamos sair desse ambiente quando tivermos alguém dentro do ambiente político que represente uma alternativa fora desses dois lados. Enquanto estivermos entre esses dois lados nós vamos ter a negação do lado oposto que é a proposta de antagonismo que é o que temos hoje no Brasil, que é o Bolsonaro antagonista de Lula e Lula antagonista de Bolsonaro. Agora, só teremos uma pacificação do ambiente político se sairmos dessa prisão onde está a política brasileira, essa prisão de antagonismos que temos dos dois lados, uma guerra entre dois lados apostos. Precisamos para apaziguar a situação brasileira de uma terceira via, de um terceiro nome, de uma terceira força política que surja como uma alternativa a esta situação.  

Especialistas costumam dizer que Bolsonaro perdeu para Bolsonaro. Concorda?  

Concordo. Bolsonaro perdeu para ele mesmo. Ele perdeu especialmente, se formos multiplicar as vítimas de covid que são 700 mil mortes por quatro, que é o número mínimo de pessoas afetadas em torno de uma morte, chegamos a 2,100 milhões de pessoas e a diferença entre Lula e Bolsonaro foi dessa ordem. 

Então na verdade Bolsonaro perdeu para o descaso dele com a covid 19 e também em função dele mesmo e da maneira com que ele governa, pois ele é um bom destruidor, mas ele não é um bom construtor. Isso significa que é um bom oposicionista mas um péssimo situacionista, ele sabe criticar o outro lado, sabe mobilizar as pessoas, mobilizar o eleitorado contrariamente a uma tese, sabe mobilizar as pessoas que estão à volta dele dentro do grupo político em torno da crítica que ele faz, mas ele não é uma pessoa no governo capaz de construir alternativas, de construir políticas públicas, de construir caminhos, porque o saldo do governo Bolsonaro é a destruição das políticas de Lula e a política de Lula é a reconstrução daquilo que foi destruído por Bolsonaro.  

Na verdade, a gente cai naquela situação do antagonismo que falei, que ninguém propõe nada de novo, a gente vive numa situação entre um antagonismo de um lado e um antagonismo de outro. Bolsonaro é um bom nome para ganhar eleições porque ele motiva o eleitorado, mas ele é um péssimo nome na gestão do governo.  

Bolsonaro perdeu para ele mesmo. Ele perdeu especialmente, se formos multiplicar as vítimas de covid que são 700 mil mortes por quatro, que é o número mínimo de pessoas afetadas em torno de uma morte, chegamos a 2,100 milhões de pessoas e a diferença entre Lula e Bolsonaro foi dessa ordem. 

Por que o crescimento exponencial das “seitas”, por assim dizer, de grupos fascistas e nazistas”?  

Acho que as redes sociais deram um alcance para estas pessoas muito maior. Antigamente tinha pessoas que defendiam essa tese em um ponto do país e outra em outro ponto de país e elas não se conectavam. Com as redes sociais elas passaram a ter contato, elas passaram a ter diálogo, a conjugar e dividir suas ideias e valores.

Essas pessoas conseguem encontrar identidade ao longo do país e com isso acabam criando grupos orgânicos em diferentes partes do território nacional. Esses grupos se organizam com base na rede social que fornece essa possibilidade de diálogo e encontro entre pessoas que pensam da mesma forma, mas que antigamente não conseguiam se comunicar. E, além de tudo as redes sociais acabam dando voz e vez a estas teses porque passam a ter um megafone para serem difundidas.

Na verdade, eles se fortaleceram muito por conta das redes sociais e isso acabou tendo uma influência na política. Grupos que conjugam ideias iguais em determinados pontos se unem também e esta mobilização ocorre uma vez que as redes sociais têm mecanismos de aprofundamento e contatos entre essas pessoas.     

As ações em andamento para combater esses grupos são eficazes? E o que pode ser feito pela própria sociedade para ajudar nesse processo?  

Na verdade, democraticamente a gente precisa ter o debate de ideias e nós não podemos suplantar esse debate de ideias. Mas um debate de ideias que esteja dentro do campo democrático. Eu não posso dar espaço dentro do campo democrático para forças que não dialogam dentro do espaço democrático. Portanto, um partido nazista, comunista, para pegarmos dois lados antagônicos do aspecto político, mas que rejeitam a democracia e a liberdade, eles não podem fazer parte do processo democrático.

Da mesma forma, a gente não pode deixar dentro das redes sociais que esse discurso de ódio que vem dentro desses grupos de extrema esquerda e de extrema direita, com que eles tenham liberdade dentro das redes sociais. Precisa-se de uma regulamentação aonde a gente coloque limites não na liberdade de expressão, mas que a gente paute a liberdade de expressão por aqueles grupos que defendem a liberdade de expressão e a democracia e a liberdade individual.  

No momento que eu trago uma célula dessa para dentro do convívio do sistema democrático é como se eu tivesse uma célula cancerígena dentro do sistema democrático que vai começar a se reproduzir e vai começar a trabalhar para destruir o sistema democrático. Não podemos deixar que essas células cancerígenas façam parte do sistema democrático de liberdades, onde falamos, temos as eleições, os partidos políticos, os grupos de discursos de redes sociais. Nós precisamos ter grupos que se alinhem ao discurso de liberdade de expressão e liberdade democrática. Não adianta dizer que eu defendo a liberdade de expressão se no fulcro daquilo que defendo como essência da minha tese está a cassação da liberdade de expressão. Não posso usar a liberdade de expressão como um escudo para propagar ideias fascistas, nazistas ou comunistas. O Sistema tem que ser feito com atores que façam parte de um modelo democrático e aceitem as regras democráticas.    

Portanto, um partido nazista, comunista, para pegarmos dois lados antagônicos do aspecto político, mas que rejeitam a democracia e a liberdade, eles não podem fazer parte do processo democrático.

O senhor também abordou – em recente artigo – que as redes sociais potencializam a realidade dos dois grupos (defensores de Lula e de Bolsonaro), pontuando que “as redes se tornaram centro de formação de exércitos de pensamento único”. Qual o caminho para buscar um campo com maior equilíbrio?  

O maior equilíbrio é a gente entender como funciona essa questão dos algoritmos, porque tudo está baseado nesses algoritmos, ou seja, na medida que eu penso da forma A e defendo a minha tese A na internet, o algoritmo vai ler aquilo que eu defendo e vai me entregar somente material que confirma aquilo que eu penso. É o que se usa por exemplo para se vender qualquer coisa na internet.

Se você está procurando um apartamento para vender em um determinado bairro aquela sua busca vai orientar o algoritmo a te entregar apartamentos que estão à venda naquele bairro que você está procurando. Potencializa a possibilidade de negócio. E, esse algoritmo, funciona também com as ideias políticas, então uma pessoa que tem uma determina linha de pensamento, ela pesquisa sobre essa linha de pensamento, posta ideias sobre essa linha de pensamento, e vai receber tudo que confirme a sua linha de pensamento como correta.

A mesma coisa acontece com quem defende uma linha contrária. As pessoas não são confrontadas pelo algoritmo com ideias antagônicas àquelas que elas pensam, por isso que eu digo que se tornou exército formadores de pensamentos únicos. Porque as pessoas não têm diante de si nenhuma exposição de ideia antagônica ou que se choque com aquilo que ela pensa, só tem ideias que vão ao encontro, que se aproximam, daquilo que elas pensam. Esse é o grande problema do algoritmo e acho que é o grande dilema das redes e como a gente resolve isso, a gente ainda não tem solução, mas sabemos onde está o problema e sabendo onde está o problema – e se a gente chegar a esse ponto comum – começa a pensar junto em soluções que possam trazer uma melhor solução, resolução para esse problema. Antigamente quando a gente comprava um jornal éramos expostos a diversas opiniões daquele jornal sobre um assunto. Hoje, eu tenho diversos jornais iguais, com as mesmas opiniões sobre o mesmo assunto. Precisamos de uma forma que as pessoas tenham acesso a informações diferentes sobre o mesmo assunto.  

É abrangente, mas acredita que os regimes baseados na Democracia no mundo correm perigo?  

Acho que a democracia nunca esteve tão em risco como agora. Nas pesquisas mais recentes que vi sobre esse assunto, a percepção da democracia nunca foi tão baixa. Nunca tivemos em tempos recentes tantos regimes ditatoriais no mundo, tantas restrições à liberdade e tão poucas democracias. O número de democracias despencou nos últimos tempos. E eu, não posso deixar de acreditar que isso não tenha relação com tudo que falamos agora. Com os algoritmos, com a radicalização do discurso político que é levado a acontecer por conta dos algoritmos e das redes sociais que têm levado a essa guerra que se tornou a política, onde não existe mais meio termo.

Essa radicalização do discurso político, a interiorização do discurso do ódio dentro da política, foram trazidas por essa nova geração, por essas novas tecnologias, por essa nova realidade que estamos vivendo. E, isso tem enfraquecido as democracias, até a maior democracia do mundo, a americana, considerada a mais consolidada, sofreu um ataque pouco antes da posse do atual presidente americano com a invasão do Congresso Americano, que era algo inimaginável há décadas.   

Acredito que sim a democracia está sob ataque e é preciso que se faça algo para que a gente não caia em um mundo de governos autocráticos.  

As pessoas não são confrontadas pelo algoritmo com ideias antagônicas àquelas que elas pensam, por isso que eu digo que se tornou exército formadores de pensamentos únicos.

Se analisarmos esse contexto, a gestão da Democracia pode ser descrita como falha? Onde reside o alimento do pensamento fascista?  

Eu acho que não há problema nenhum com a democracia, mas na medida que a democracia permanece e o mundo muda, ou seja, novas formas de tecnologia chegam, novas formas de comunicação, novas formas de informação, nada muda acerca da democracia, mas a percepção das pessoas acerca do mundo, como elas se relacionam acaba mudando e isso gera impactos na democracia.

Esse é o grande desafio, as redes sociais, a internet; elas existem na nossa vida em pouco menos de 30 anos e a gente consegue enxergar bem como as redes tem interferências dentro do processo político e, se essa nova forma de comunicação tem efeitos no sistema político, ela tem efeitos dentro da democracia. Infelizmente não são efeitos positivos como a gente gostaria de fosse, que a gente imaginava que a democratização da informação por intermédio da internet fortaleceria a democracia, mas os algoritmos e as redes sociais vieram desvirtuando esse caminho da internet para uma reafirmação daquilo que as pessoas já acreditam, por isso essa forma de democratização da internet deixou a democracia mais fraca no mundo.   

“Invasão dos imbecis” – que o senhor observou (em artigo recente) – pode ser contida? E de que forma?  

Olha, essa pergunta é como descobrir a pólvora. Muito difícil. Não temos uma ideia de como fazer. Os governos têm trabalhado muito para isso. Temos visto o governo brasileiro tratar desse assunto com pauta no Congresso Nacional, a União Europeia trata disso, os Estados Unidos tratam disso, o mundo trata disso hoje. A internet precisa de algum tipo de regulamentação no sentido de trazer algum tipo, alguma consequência para as pessoas que usam a internet da forma errada.

Temos crimes que são cometidos pela internet, temos roubos de dados, um mundo inteiro se descortinando nos dias de hoje por intermédio da internet. Como a gente evita a contaminação do processo político nesse contexto a gente ainda não conseguiu imaginar, mas acho que um primeiro passo é o Poder Público tratar a regulamentação de determinados assuntos de uma forma objetiva especialmente como fez a União Europeia recentemente. Esse é um modelo que o Brasil deve se inspirar e que certamente deve se espalhar pelo resto do mundo, porque da maneira como está, sem rédeas, nós podemos estar partindo para uma subversão da democracia alimentando golpes de estado, autocracias, e à servidão da população e é isso que nós não queremos.  

Governo Lula 2023 – até gora. Poderia apontar principais erros e acertos na sua opinião?  

O principal erro está nessa posição equidistante em relação à guerra na Ucrânia. Temos claramente um lado onde está a União Europeia e os Estados Unidos e todas as democracias, temos a soberania de uma nação invadida, na Europa que é a Ucrânia e temos um país violentador dessa soberania que é a Rússia. O Brasil não pode manter diálogo com a Rússia, o Brasil não pode se manter ao lado da Rússia, o Brasil se colocando ao lado da Rússia coloca em risco inclusive Taiwan que o Brasil reconheceu como parte da China e sabemos que de fato não é parte da China e sim um país independente. Esse é um grande erro que o Brasil está cometendo nesse momento.

Lula chegou ao poder como um fiador da democracia, como um nome capaz de evitar que o Brasil caia nas mãos de um autocrata, então ele não pode defender outro autocrata em outro lugar do mundo quando nós temos a soberania de um país violentada. Esse é o principal erro do governo Lula até agora na minha opinião.  

O principal acerto é a reconstrução de programas sociais à exemplo do programa brasileiro de vacinação no Ministério da Saúde, de políticas educacionais que a gente tem visto no Ministério da Educação, imaginar como faremos uma nova implementação do ensino médio, nesses ministérios estamos tendo políticas claras de reconstrução do Brasil que são pastas essenciais.

Na agricultura também sempre tem boas gestões e independente do governo a agricultura é de excelência no Brasil então sempre temos políticas públicas que funcionam, então é simplesmente a manutenção de tudo isso. Mas eu digo a reconstrução dos programas sociais são muito importantes para os brasileiros que mais necessitam de ajuda, o Bolsa Família com as contrapartidas que haviam sido retiradas pelo governo Bolsonaro da criança ir para a escola por exemplo para a família receber o benefício, é importante. O Pronaf, são uns cem números de programas sociais que o governo Lula vem reconstruindo que acho são essenciais para a população brasileira e principalmente a mais carente.  

E, na economia o governo trouxe uma medida que é esse arcabouço fiscal que também é um acerto que passa a substituir o teto de gastos que não estava sendo respeitado nos últimos anos. É uma política de controle de gastos do governo que acho vem em muito boa hora. Não adianta a gente ter um teto de gastos que não é respeitado, é melhor ter um arcabouço fiscal que seja respeitado.  

Lula chegou ao poder como um fiador da democracia, como um nome capaz de evitar que o Brasil caia nas mãos de um autocrata, então ele não pode defender outro autocrata em outro lugar do mundo quando nós temos a soberania de um país violentada.

Jair Bolsonaro. Como define seu poder político atual? E qual o grau de culpa de Bolsonaro, na sua avaliação, no lamentável ataque terrorista (aos Poderes) no 8 de janeiro? 

A responsabilidade dele em relação aos ataques está provada. A gente vê pela troca de mensagens entre o seu ajudante de ordens e coronéis da Casa Civil. O ex-candidato a vice-presidente coronel Braga Netto dizendo para as pessoas esperarem que ia acontecer alguma coisa. Um incentivo desses acampamentos pós-eleitoral, o questionamento das urnas para os embaixadores estrangeiros, a postagem que o presidente apagou, mas realizou questionando o resultado das eleições. Está provado que ele gestou aquilo que ocorreu no dia 8 de janeiro assim como Trump gestou o que aconteceu em Washington dois anos antes. Existe uma responsabilidade direta do ex-presidente em relação a esse assunto.  

Em relação ao poder político dele, não acredito tenha o mesmo poder político que tinha anteriormente, porque afinal de contas ele era a soma da rejeição ao petismo. Aquela soma de votos que Bolsonaro teve não são votos bolsonaristas, é uma soma de votos em rejeição ao petismo e Lula não teve na sua totalidade votos para Lula, mas sim o total de rejeição ao bolsonarismo.

Na verdade, foi um duelo de rejeições e Bolsonaro é detentor – eu calculo – de cerca de 14% do eleitorado, que é o bolsonarismo mais aguerrido. Fora disso você vai ter lava jatistas, antipetistas, conservadores, liberais, que não necessariamente são bolsonaristas, mas que votaram em Bolsonaro por ele ser o contraponto que havia ao petismo nas últimas eleições. Então acredito que Bolsonaro como foi um presidente muito obscuro, um deputado muito obscuro, é uma pessoa sem liderança, ele não é capaz de conjugar e liderar uma fonte de liderança a longo prazo visando as eleições de 2026. Acho que é importante hoje como um cabo eleitoral, alguém que puxa voto para candidatos a prefeitos nas próximas eleições, vereador talvez, mas especialmente para prefeito nas grandes capitais, eu vejo muito mais outros grupos se aproveitando de Bolsonaro do que ele mesmo se colocando como líder desta frente de direita.   

Então nós vamos ter pessoas de diferentes partidos como aconteceu com Tarcísio de Freitas e Damares Alves, ambos pelo Republicanos, e outros nomes pelo PL como os filhos dele, que são nomes ligados ao bolsonarismo, mas não estão necessariamente no mesmo partido. Bolsonaro não sabe organizar uma liderança, por isso acho muito difícil ele sair desse processo um líder. O tempo dele passou.  

A responsabilidade dele (Bolsonaro) em relação aos ataques está provada.

Congresso. A CPI dos atos terroristas pode ser um tiro no pé da oposição a Lula? 

Depende de como vai se organizar uma CPI porque existe aquela máxima que todos sabem como uma CPI começa, mas ninguém sabe como termina. Não sabemos os rumos que a CPI toma dentro das suas investigações. Uma CPI também pode cair em descrédito, pode cair em desuso no meio do processo e perde relevância e os grupos bolsonaristas têm se organizado muito mais para transformar a CPI do MST para enfraquecer o governo. Nessa CPI dos atos do dia 8 de janeiro, provavelmente nós teremos maioria governista, mas mesmo assim o fiel da balança em todos esses processos é o presidente da Câmara dos Deputados, que é o nome mais forte do Congresso Nacional, que é o deputado Arthur Lira e controla uma fonte de votos importantes que pode desequilibrar o poder das CPIs, tanto por um lado quanto para outro. E, a gente sabe que nesse jogo, quem tem muito mais a dar a Arthur Lira é o governo que controla as verbas do que a oposição. Então se o governo souber fazer bem essa negociação, ele provavelmente vai conseguir manter o controle e evitar que a oposição consiga usar a CPI como um picadeiro contra o governo.  

A habilidade do presidente Lula para lidar com a oposição no Congresso está no rumo correto na sua opinião? 

Acho que o presidente Lula precisa entender que ele não está lidando com o mesmo Congresso que ele tinha em 2003. Essa é a principal diferença nesses dos períodos de mandato, quando ele começa o primeiro e quando começa o terceiro mandato. Nesses 20 anos a composição do Congresso mudou muito e tem na presidência da Câmara alguém que é independente e tem seus próprios interesses e alguém que é muito forte que é Arthur Lira.

Em 2003 o PT tinha o controle do presidente da Câmara que era o João Paulo Cunha e assim mantinham o controle da agenda legislativa. Era muito mais fácil para o governo Lula executar suas políticas. Acho que em 2023 se impõe uma nova realidade e nova realidade impõe novas soluções. O presidente Lula precisa entender como vai trilhar esse caminho sem precisar entregar o governo para o Centrão como fez Jair Bolsonaro, mas criando uma forma de equilíbrio.

Lula sempre foi muito hábil, sempre soube criar maiorias dentro das realidades dos governos que se sucederam, sempre conseguiu realizar muito bem essa articulação política e acredito que ele encontre esse mecanismo. Qual será a fonte de equilíbrio que irá se encontrar, não sabemos. Hoje temos o orçamento secreto, emendas de relatores, que são coisas que não existiam em 2003, portanto o poder de fogo do Executivo é muito mais fraco que há 20 anos, mas ainda assim existem meios de se executar uma agenda legislativa do governo no Congresso Nacional e acredito que o governo possa trilhar esses caminhos.  

O presidente Lula precisa entender como vai trilhar esse caminho sem precisar entregar o governo para o Centrão como fez Jair Bolsonaro, mas criando uma forma de equilíbrio.

Política econômica. Especialistas em economia divergem sobre a defesa do presidente Lula para que o Banco Central reduza os juros. O presidente está “politicamente” correto ao pressionar o BC? (está agindo estrategicamente?)  

O presidente está agindo estrategicamente com a questão dos juros, mas dentro de uma estratégia política. Ele sabe que não vai conseguir encontrar bons resultados e ele já está politicamente criando a justificativa para a pouca entrega de resultados. Nós temos vários limitadores que vão segurar o resultado da economia. Temos um Congresso hostil, temos um gasto excessivo do governo Bolsonaro no último ano, ou seja, é preciso arrumar a casa e Lula só vai conseguir entregar resultados na economia do segundo para o terceiro ano, na melhor das hipóteses.

Até lá é um exercício de se organizar aquilo que estava muito desorganizado e muito centralizado nas mãos de uma pessoa que era o Paulo Guedes. Então ele está usando a justificativa dos juros para mostrar porque a economia não vai crescer nesse primeiro ano por exemplo. Até porque o presidente Lula sabe e ele executou essa política nos seus primeiros anos de governo, quando o Banco Central estava sob o seu comando, na época com Henrique Meirelles os juros estavam altos e o vice-presidente José Alencar várias vezes disse que os juros estavam muito altos e Lula preferiu o controle da inflação a diminuir os juros. Então nesse ponto eu acho que Lula sabe o que tem que ser feito, sabe que o Banco Central está fazendo aquilo que é o correto, porém ele está agindo estrategicamente e politicamente.

O Banco Central vai segurar a cotação da moeda, vai ter a inflação sob controle, enquanto o governo vai ter espaço para executar uma outra política econômica de controle de gastos que possa gerar benefícios para a população. Aí sim com esse arcabouço fiscal e uma reforma tributária os juros possam baixar naturalmente. 

O senhor diz que “política é a arte do possível”, então é possível o presidente Lula superar com maestria a força da oposição?  

A arte do possível é a gente conseguir fazer aquilo que dá para ser feito, que não é o mundo ideal. A arte do possível é a gente alcançar aquelas coisas minimamente aceitáveis. Acredito que o presidente Lula consiga sim atingir resultados satisfatórios, mas tudo o que queria, porque isso é dentro da arte do possível. Ele vai fazer o que é possível: ele não vai patrolar o Congresso Nacional, não vai entrar em conflito com o Congresso Nacional e ele vai fazer o que dá para fazer. Por exemplo, acho que a partir do fim do mandato do Arthur Lira nos próximos dois anos, se o governo conseguir o próximo presidente da Câmara dos Deputados alguém com mais diálogo e alinhado ao Planalto, acho que possa ser possível sim dilatar um pouco a arte do possível, pode-se fazer mais coisas. A eleição do novo presidente da Câmara daqui a um ano e meio é ponto essencial para esse processo.  

O que o senhor espera em termos de resultados do Governo Lula para 2023? E para esse mandato?  

O arcabouço fiscal é fundamental ser passado e acredito que ele passe e uma reforma tributária, vamos falar de primeiro ano. Mesmo que não seja uma reforma tributária ideal, se tivermos algum ajuste tributário que ajude o setor produtivo, são dois movimentos que podem jogar o dólar para baixo, podem trazer mais confiança para o Brasil, podem trazer mais investimento e podem fazer com que o país consiga enxergar no horizonte o crescimento. Eu diria que nesse primeiro ano o governo passar um arcabouço fiscal e uma reforma tributária, mesmo que sendo tímida, já vai ser um grande ganho.




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