Rafaela Maximiano
Com a escalada da inflação nos últimos anos o Banco Central também tem aumentado a taxa Selic na tentativa de frear a inflação. Mas será que somente a taxa Selic é suficiente e eficiente para baixar a inflação e o país retomar um crescimento econômico?
Sobre o assunto o FocoCidade conversou com os economistas Vivaldo Lopes e Fernando Henrique Dias. Os especialistas concordam que devido aos juros altos, temos baixas ofertas de crédito, pouco ou nenhum investimento direto e a atual política monetária deixou de ter um papel estimulador da atividade econômica e da geração de emprego e renda, pontos que impactam na vida de todo brasileiro.
Porém, as opiniões divergem quanto aos mecanismos utilizados para a redução da inflação.
Para Vivaldo Lopes, que além de economista, advogado e professor é experiente pela vivência em diversos cargos públicos no Estado e Município, "a reclamação está mais no campo político do que no campo econômico, a meu ver. O Banco Central está fazendo o papel institucional dele que é combater a inflação. A taxa de juros alta é como um remédio para combater uma doença. Você combate a doença, mas tem alguns problemas colaterais. Com a inflação mais baixa os juros abaixam e o país volta a crescer, esse é o sentido”.
Já para o mestre em economia e coordenador de Ciências Contábeis da FASIPE-CPA, Fernando Henrique Dias, “o Banco Central está atuando de forma equivocada. Hoje, essa política do Banco Central de manter a Selic alta em 13,75% não é mais suficiente para controlar a inflação. O Banco Central pode usar de outros mecanismos para o controle da inflação. O Banco Central está fazendo de tudo para alcançar a meta da inflação, está disposto a tudo, e esse não é o dever o Banco Central. Pessoas não são números. Não temos que fazer a todo custo para alcançarmos uma meta a juros exorbitantes sem nenhuma justificativa”.
Confira a Entrevista da Semana na íntegra:
Sobre o impasse entre o Governo Federal e o Banco Central da manutenção de juros de 13,75%: por que o Banco Central insiste e não baixa essa taxa de juros que está freando diversos setores do país?
Vivaldo Lopes - Na minha opinião, o Banco Central está fazendo institucional dele que é combater a inflação. Como a inflação está alta, muito acima da média e não demonstra sinais de uma queda rápida, o Banco Central mantém a taxa de juros elevada. Essa taxa de juros elevada é para reduzir a inflação e deixar o mais próximo da meta que para este ano é de 3,25%. A inflação nos últimos dois meses está em 4,65%, ou seja, está acima da meta, mas há uma expectativa que a inflação possa chegar no mês de junho em 6%, então em função disso o Banco Central mantém a taxa de juros para combater a inflação. É uma atitude técnica para trazer a inflação para a meta.
Fernando Henrique - O Banco Central tem uma autonomia desde 2021 e por ter essa autonomia acaba decidindo principalmente a parte política. Esses juros reais que temos hoje é um juro inviável para a economia. Temos duas políticas: a expansionista onde temos mais créditos a juros mais baixos, e, a monetária contracionista, a qual estamos vivendo agora. São juros altos para auxiliar na inflação e menos crédito circulando porque ele está mais caro. Ou seja, temos menos dinheiro circulando para tentar frear a inflação. Só que, no meu ponto de vista isso não é suficiente, já ouvimos falar disso há dois anos e meio. Essa prática já não é mais suficiente para um país que tem uma moeda periférica, ou seja, o Banco Central hoje faz uma política errada. Nós temos juros reais mais caros e isso não é positivo. Não há nenhum tipo de discurso que embase isso. É um absurdo esses juros de 13,75% e que não são suficientes para baixar a inflação.
Alguém acaba ganhando com esses juros altos para combater a inflação? E quais as consequências dessa taxa alta de juros principalmente para os mais pobres?
Vivaldo Lopes - A taxa de juros alta é como um remédio para combater uma doença. Você combate a doença, mas tem alguns problemas colaterais. A doença a ser combatida é trazer a inflação para a meta. Com a inflação mais baixa os juros abaixam e o país volta a crescer, esse é o sentido. Agora, quais os efeitos colaterais de uma taxa de juros muito elevada que estamos convivendo com ela agora? A primeira é a restrição do crédito. O custo do dinheiro fica mais caro e as pessoas tomam menos crédito para consumir e as empresas também tomam menos crédito para investir ou para manter suas operações.
Então com o crédito mais elevado as famílias consomem menos, as empresas investem menos e naturalmente reduz a expectativa de crescimento do país. Esse é o efeito colateral indesejado. Mas ocorre quando tem que elevar a taxa de juros. Espera-se que com a inflação reduzindo o ritmo de crescimento, o Banco Central possa reduzir a taxa de juros e o país voltarem à normalidade, às pessoas possam tomar crédito, comprar mais, o preço das mercadorias ficar mais baixo, as empresas investirem mais e o país voltar a toda de crescimento. Chamamos na economia de ciclo virtuoso: taxa de juros menores, melhoram o crédito, melhora o consumo, as empresas voltam a investir e o mercado de trabalho volta à normalidade, as pessoas têm mais emprego, mais renda e o país volta a crescer. Isso é o desejado e o papel que o Banco Central está perseguindo.
Fernando Henrique – Na verdade ninguém sai ganhando com os juros mais altos. Esses juros altos atrapalham muito o setor produtivo e obviamente que os mais pobres também vão sofrer pois temos menos crédito para as pessoas. Além do que não se consegue controlar a inflação como se quer e alguns bens acabam sendo afetados também. Juros altos não são garantia de nada. O que garante renda são investimentos diretos. É preciso fazer uma política monetária de gestão forte, porém sem justificativa para juros reais tão altos. Também com os juros altos as empresas deixam de investir tanto, principalmente em infraestrutura e contratação, algumas deixam o dinheiro aplicado e rendendo. Os juros altos na verdade só beneficiam quem é rentista, o público em geral, o povo é o que mais sofre.
Na sua opinião, o Banco Central está se posicionando corretamente, há algo que possa ser feito pelo Governo para mudar esse cenário?
Vivaldo Lopes - Sim, o Banco Central está fazendo o seu papel técnico institucional corretamente, está combatendo a inflação alta. Essa história do presidente Lula e outros políticos reclamarem é normal, todo político reclamaria, pois é uma medida política impopular para ele. O presidente dos Estados Unidos por exemplo reclama da taxa de juros alta, os dirigentes europeus também reclamam, porque não é desejável para o político a taxa de juros alta. Porque como disse, a taxa de juros alta inibe consumo, reduz crescimento, é uma medida impopular politicamente.
Nunca ouviremos alguém falando que gosta de radioterapia ou de quimioterapia, mas tem momentos na vida que será preciso fazer para combater o câncer. No caso do Brasil nós não estamos com um câncer, mas estamos em uma situação que precisamos de remédio amargo e injeção um pouco dolorida.
Fernando Henrique – Na minha visão o Banco Central está atuando de forma equivocada. Hoje, essa política do Banco Central de manter a Selic alta em 13,75% não é mais suficiente para controlar a inflação. Então essa justificativa do Banco Central de com os juros reais manter a Selic alta para controlar a inflação é conversa fiada.
Temos hoje um Banco Central que não está fazendo o que nasceu para ser feito. Ele nasceu para suavizar as situações da área econômica e fomentar o pleno emprego e ele não faz isso, pelo contrário, ele mantém os juros altos e não contribui com o pleno emprego. Essa é a grande verdade e precisa ser mudado. Vivemos em um país de moeda periférica, precisamos de política fiscal e monetária expansionista, fortalecer a nossa moeda frente à política cambial, mas não se faz somente com mecanismo de Selic. Inclusive é muito perigoso para um país que é pobre e tem o grande desafio de se reindustrializar, que não tem mão de obra qualificada, você joga o crédito lá no alto para as pessoas que mais precisam, tem a mesma circulação de dinheiro com tudo mais caro e não tenho a certeza do controle da inflação.
Então se o Banco Central baixar os juros a inflação poderia subir ou não?
Vivaldo Lopes - Sim. E, aliás nós já tivemos casos assim, vou só lembrar: no governo Dilma, logo depois de 2010 a taxa de juros estava alta e ela fez o Banco Central – que não tinha independência estabelecida em lei – reduzir a taxa de juros. A taxa estava em 12% e forçou a cair a 7,25%. A economia descambou e quando a Dilma entregou o governo em 2016 a taxa de juros estava 14,25% e a inflação a 12%.
Hoje eu vejo o Partido dos Trabalhadores e o presidente Lula reclamando que a taxa de juros em 13,25% é insuportável, indecente e é cruel, mas é preciso lembrar que em 2015 com o governo nas mãos do Partido dos Trabalhadores a taxa de juros chegou a 14,25% para combater uma inflação que estava alta também. Em 2015 e 2016 o país enfrentou a maior recessão da história e teve um PIB de -3.5%.
Fernando Henrique – Não necessariamente isso é um mito. A inflação depende de vários fatores não somente dos juros altos para ela baixar. O mercado financeiro jamais vai deixar de investir porque os juros baixaram. Temos que entender que somente a Selic sendo usada para o controle da inflação não é mais suficiente.
Antes de tomar essa medida o Governo precisa se preparar e fortalecer o tripé macroeconômico monetário que são as políticas: cambial, tributária e fiscal. E, exatamente a política fiscal o Governo não consegue fazer, tivemos até que elaborar um arcabouço fiscal por que apesar do que se arrecada e dos vários tributos que temos, se gasta muito mais. Além de baixar os juros e fortalecer a política fiscal, o Estado precisa fazer investimento direto. Os juros altos acabam só por especular o mercado financeiro e não tem nada a ver com a geração de emprego, esses juros altos especulam o mercado financeiro. Esse liberalismo econômico ser positivo é uma lenda. Precisamos de investimento direto feito pelo Estado através de políticas fiscal e monetárias expansionistas, ou seja, se baixarmos a taxa de juros, se consegue praticar a política monetária expansionista com crédito mais barato e dinheiro circulando.
Essa meta de inflação e a de taxa de juros são estabelecidas por quem?
Vivaldo Lopes - Pelo Conselho Monetário Nacional que é composto por dois ministros, da Fazenda e do Planejamento, e pelo presidente do Banco Central. É bom frisar que já teve reunião desse Conselho já com o ministro Fernando Haddad e a ministra Simone Tebet e eles mantiveram a meta de inflação de 3,25% para 2023. Essa meta de inflação que foi estabelecida no governo anterior foi mantida pelo governo atual, são três votos e dois são do governo. Então a taxa de juros é aplicada pelo Banco Central que entende que para alcançar essa meta é necessário, a pensar de não ser desejável, manter a taxa de juros em 13,75%.
A leitura do mercado de forma geral e também partilhamos disso é de que como a inflação reduziu um pouco seu movimento de alta, tudo indica que a partir de julho ou agosto, o Banco Central vai começar a reduzir a taxa de juros.
Fernando Henrique – Quem define essa meta de inflação no Brasil é o Conselho Monetário Nacional, o CMN, é o órgão maior do Sistema Financeiro Nacional. Dentro desse órgão temos o próprio ministro da Economia, o presidente do Banco Central, e o secretário especial da Fazenda, o qual chamamos de Copom. A meta de 2021 era de 3,75%, em 2022 de 3,50%, 2023 é de 3,25% e, 2024 de 3%. Definida a meta o órgão responsável por alcançá-las é o Banco Central, e o índice dessa meta é o IPCA, o Índice de Preço ao Consumidor Amplo, calculado pelo IBGE. O Conselho define em meados de junho a meta de inflação para os três anos seguintes e hoje o Banco Central está fazendo de tudo para alcançar a meta da inflação, está disposto a tudo, e esse não é o dever o Banco Central. Pessoas não são números, por isso da importância das políticas públicas e desse órgão para que as autoridades monetárias possam ver que pessoas não são números.
Se analisarmos a economia só como números ela seria uma engenharia e a economia é uma ciência social aplicada. Então não temos que fazer a todo custo para alcançarmos uma meta a juros exorbitantes sem nenhuma justificativa.
Existe algo que o Governo ou o Congresso ou mesmo a sociedade possam fazer para reverter esse quadro, ou seja, reduzir a inflação de outra forma que não com uma taxa de juros elevada?
Vivaldo Lopes - A reclamação está mais no campo político do que no campo econômico, a meu ver. É manifestado mais pelo presidente da República, pelo presidente do Partido dos Trabalhadores, líderes políticos e menos pela equipe econômica e ministros. Pressão e manifestações populares não adiantam, o Banco Central tem autonomia, está na lei e a decisão é colegiada. Essa redução ou aumento da taxa de juros é tomada por oito diretores e mais o presidente do Banco Central e é técnica, não é política.
Ninguém ganha com taxa de juros alta, prejudica todo mundo. Como economista afirmo: pior que uma taxa de juros elevada é uma inflação alta. Porque a taxa de juros elevada é realmente ruim para o país, afeta o investidor, as empresas, mas a inflação é pior ainda, pois afeta principalmente as famílias de renda mais baixa.
Fernando Henrique – O Banco Central pode usar de outros mecanismos para o controle da inflação, que são os compulsórios do banco: quando uma pessoa realiza um depósito no banco e parte do valor é entregue para a instituição financeira que repassa ao Banco Central de forma compulsória.
Quando há um aumento de taxa compulsória diminui a quantidade de dinheiro no banco e a base para empréstimos diminui também e a circulação de moeda também. Outro mecanismo é a taxa de redesconto, onde o Banco Central cobra um valor quando empresta dinheiro aos bancos comerciais que se encontram com poucos recursos. Quando a taxa aumenta, significa que o Banco Central está sinalizando uma política de redução de moeda em circulação. Essa ferramenta ainda é menos utilizada que os compulsórios. No final todos esses mecanismos mexem nas taxas de juros ou nas taxas de disponibilidade dos bancos de empréstimos. E quando se utiliza esses mecanismos a moeda diminui e a pressão inflacionária segue o mesmo caminho.
Temos que pensar além desses instrumentos, na minha opinião. Temos que fortalecer a política fiscal e a cambial, porque a nossa moeda é pobre, de periferia. Através de política fiscal e monetária expansionistas. Não é fácil fazer e só ocorre com investimento direto. Hoje vivemos um capitalismo dirigido pelas finanças, que é um capitalismo especulativo que vem desde 1970, chamado de novo capitalismo, e influência diretamente de como os Bancos Centrais de países periféricos agem. O Brasil já não pode mais ser balizado somente pela taxa Selic, isso é ineficiente, insuficiente e na minha concepção até mesmo burra que o Banco Central está tendo de tentar controlar a inflação apenas com a taxa Selic.
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