Rafaela Maximiano
Assédio, exploração sexual, estupro, tortura, violência psicológica, agressões por parceiros ou familiares, perseguição, feminicídio. Sob diversas formas e intensidades, a violência contra as mulheres é recorrente e presente em nossa sociedade, motivando graves violações de direitos humanos e crimes hediondos.
E, neste março, considerado o Mês da Mulher, o FocoCidade conversou com a presidente da Liga de Reestruturação das Irmãs Ofendidas no Seu Sentimento, a Lírios, Maria Fernanda Figueiredo. Uma instituição sem fins lucrativos que atua em Mato Grosso há nove anos no atendimento às mulheres e meninas vítimas de violência.
Durante a Entrevista da Semana, a educadora de formação, enfatiza que o mês de março não é um mês comemorativo para a mulher e sim de luta; que a violência contra a mulher não diminui, apesar das legislações específicas, e sim aumentou.
“Eu ouso dizer que aumentou por diversos motivos, mas o principal creio eu, é por falta de prevenção. Enquanto não for investido mais na prevenção nós vamos ficar enxugando gelo, vamos ficar só tratando mulheres que já foram vítimas”, afirma Maria Fernanda.
E, completa: “Março é um mês onde nós não queremos receber flores, queremos respeito, segurança e liberdade”.
Confira a entrevista da íntegra:
Como a Lírios surgiu, inclusive a ideia do nome, e qual o trabalho que ela desenvolve?
A Lírios nasceu de um grupo de estudo espiritual, e, esse grupo de pessoas resolveu fazer uma ação social e dessa ideia surgiu a Lírios. O nome também foi escolhido simbolicamente pelo mesmo motivo que flor do lírios nasce no lodo. É uma flor pura, branca – que representa a pureza – e, ela nasce no lodo, um local sujo. Assim entendemos que seja a violência contra as mulheres. A mulher está no lodo e ela saindo desse processo de violência ela alcança essa plenitude, ela resgata essa pureza dela, tanto as mulheres quanto as meninas vítimas de violência que atendemos.
A organização Lírios significa, Liga de Reestruturação das Irmãs Ofendidas no Seu Sentimento, que auxilia mulheres e meninas vítimas de violência doméstica. A Lírios é uma organização sem fins lucrativos que auxilia meninas e mulheres em situação de violência no processo de reconstrução da autoestima e reestruturação da vida.
Como a Lírios se mantém, quantas pessoas trabalham e quantos são voluntários?
A Lírios é uma instituição sem fins lucrativos e é mantida por doações e associadas que pagam mensalidades. Nós temos voluntárias diretas e indiretas. Existem aquelas que trabalham ali na Lírios toda semana e tem as voluntárias que trabalham em ações pontuais em núcleos, em grupos, por exemplo de prevenção, e aqui é importante evidenciar que nós não somos só mulheres, existem homens também trabalhando como voluntários.
Para fomentação e custeio da instituição nós temos também grupos de empresários que fomentam a Lírios. Temos também convênio com a Secretaria de Educação que custeia psicólogas para atender em escolas e vítimas de violência infanto-juvenil. Temos também parceria com a Secretaria de Assistência Social que custeia uma psicóloga para auxiliar no atendimento da mulher vítima de violência. Temos também as psicólogas que são voluntárias, que trabalham gratuitamente, e, além disso nós temos consultórios de psicologia particular que atendem vítimas de violência também. São formas de parcerias que temos.
Também já tivemos a participação no projeto “Troco Solidário”, projetos do Itaú Social no qual nós desenvolvemos projetos de empreendedorismo e fomentação da mulher no mercado de trabalho.
Quantas mulheres e meninas vítimas de violência vocês já atenderam desde a criação da instituição?
Foi fundada em dezembro de 2013. Este ano, em dezembro de 2023, a Lírios fará 10 anos. E, nesses nove anos de instituição, nós já contabilizamos mais de 13 mil atendimentos. Esses números envolvem todo tipo de atendimento sejam na instituição, seja fora da instituição, sejam também os eventos de prevenção nas escolas, palestras. Todos os nossos atendimentos são tabulados, registrados.
A violência contra meninas e mulheres tem aumentado sim. Eu ouso dizer que aumentou por diversos motivos, mas o principal creio eu, é por falta de prevenção.
Quais os principais crimes que essas mulheres e crianças sofrem? E quando elas chegam até até a Lírios como funciona?
A verdade é quando uma mulher procura ajuda, quando ela denuncia, é porque ela já sofreu todos os tipos de violência. Posso afirmar que 90% das mulheres que procuram ajuda é porque já sofreram todo tipo de violência. E, quando eu falo todo tipo de violência me refiro aos cinco tipos de violência doméstica e familiar contra a mulher previstos na Lei Marinha da Penha que são a física, a psicológica, a moral, a sexual e a patrimonial.
As meninas vítimas de abuso, que vai nos procurar, geralmente são vítimas de abuso sexual. E, infelizmente a maior parte delas do abuso já consumado. Não apenas de importunação, mas já vítima da ação concreta, do estupro. E, normalmente os agressores são pessoas próximas da vítima, como pais, padrastos, avós, tios, primos, vizinhos; não são pessoas estranhas. A maior parte deles são homens que estão próximos dessas vítimas.
Normalmente quando as mulheres procuram a Lírios, elas já fizeram a denúncia. As que ainda não fizeram a denúncia, vão para o tratamento psicológico e são orientadas a fazer. Mas nós não podemos obrigá-las, essa é uma decisão da mulher. Nós fornecemos acolhimento, orientação jurídica, fazemos encaminhamentos sociais e ofertamos a terapia para que ela possa ser inserida novamente na sociedade. A não ser que sejam menores, e aí são exceções, o procedimento é diferente porque nós encaminhamos para o Conselho Tutelar.
A violência contra mulher e meninas tem aumentado apesar das legislações e delegacias específicas e por quê?
A violência contra meninas e mulheres tem aumentado sim. Eu ouso dizer que aumentou por diversos motivos, mas o principal creio eu, é por falta de prevenção. Enquanto não for investido mais na prevenção nós vamos ficar enxugando gelo, vamos ficar só tratando mulheres que já foram vítimas.
E, normalmente os agressores são pessoas próximas da vítima, como pais, padrastos, avós, tios, primos, vizinhos; não são pessoas estranhas.
O que é preciso para melhorar ou mudar esse quadro na sua opinião... o que cada pessoa pode fazer?
Na verdade, todo mundo precisa se conscientizar que mesmo uma pessoa não sendo um agressor ele pode colaborar com os que são agressores. Porque por exemplo, se um homem escuta outro homem fomentando a violência e ele fica quieto, não faz nenhuma ação, ele é conivente. Quanto mais homens tiverem à favor da mulher vítima de violência, à favor eu digo combatendo mesmo, chamando a atenção, ele vai estar fomentando mais essa prevenção.
Quais os canais para entrar em contato com a Lírios?
Nós divulgamos a rede social e não o endereço, por conta dos agressores. Por que a mulher vítima vai entrar nas redes sociais e vai nos achar. Evitamos divulgar endereço e telefones por conta dos agressores terem acesso. Então os contatos que as mulheres podem fazer é direto no Instagram da Lírios, lá elas vão achar nossos telefones e localização, e já poderão fazer contato conosco pelas próprias redes sociais. As redes sociais são: www.lirios.org e no Instagram @liriosmt
E, eu sempre digo que a melhor forma da mulher procurar ajuda é denunciando, mas eu sei que muitas vezes a mulher não tem força para isso, então por vezes elas precisam da terapia para se fortalecerem e assim tomar a decisão de denunciar o seu agressor.
Essa precaução é porque vocês já sofreram alguma ameaça?
Nós já tivemos sim situações de perseguição na instituição, mas como preservamos o segredo e a discrição em relação às vítimas, eu não posso relatar quais foram os casos. Mas sim nós já sofremos, psicólogas já sofreram e infelizmente temos que tomar muito cuidado porque o agressor não vai medir esforços por vezes para conseguir cumprir com o que ele promete que é consumar a agressão física ou até mesmo o feminicídio. E, se ele tiver que fazer isso com outras mulheres, outras pessoas que estiverem na frente dele, impedindo ele, ele o fará.
Qual sua mensagem as mulheres neste mês da mulher?
A minha mensagem para as mulheres é liberdade. Desejo para as mulheres liberdade para elas serem o que elas gostariam de ser. Liberdade de poder ter segurança, de poder ir e vir, e, uma reflexão que eu faço é que o mês de março não é um mês comemorativo para a mulher, ele é um mês onde nós não queremos receber flores. Queremos respeito, segurança e liberdade. Infelizmente o Brasil não tem nada para em comemorar de diminuição de violência contra a mulher, a violência só aumentou. O que a gente tem para comemorar só algumas ações que evoluíram no processo de leis, de núcleos de atendimento. Infelizmente nosso estado não tem uma secretaria de estado da mulher que é algo que seria muito importante para atender a todos, por conta da previsão orçamentária. Nós por exemplo somos um movimento sem orçamento, a gente usa orçamentos de outros, então, tendo uma secretaria da mulher nós e outros movimentos teríamos essa oportunidade, uma porta, um orçamento para a prevenção e o combate à violência contra a mulher.
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