• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Vivaldo Lopes: comunismo no Brasil é uma bobagem, um delírio bolsonarista 


Rafaela Maximiano

“Falar que o Brasil está avançando para o comunismo é equivalente às histórias que nossos pais falavam para nos dar medo. É uma bobagem, um delírio bolsonarista. Falar que o presidente Lula vai implantar o comunismo no Brasil é como as mães de antigamente ameaçarem as crianças com o bicho-papão”.  

A afirmação é do economista Vivaldo Lopes quando questionado se as recentes visitas e aproximações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidentes da América Latina (Argentina, Venezuela, Uruguai e do Oriente como a China) seriam motivo de notícias falsas acerca da implantação do comunismo no Brasil.  

Em entrevista ao FocoCidade, Vivaldo Lopes faz uma análise de quais estratégias políticas e econômicas estão sendo adotadas por Lula, além de erros e acertos do atual presidente diante do momento político conturbado vivido no país.  

“Vejo que a rota de agenda internacional do presidente Lula é correta, é certa, se começa pelos vizinhos, o Mercosul, depois os Estados Unidos e depois a China... É correto isso, é natural. Não importa se a China é comunista, se os estados Unidos são capitalista, o que interessa é que o Brasil comercialize com essas economias. Porque ao mesmo tempo que as pessoas questionam a aproximação com a Venezuela ou de Cuba que são ditaduras, mas ninguém reclama por exemplo do Brasil se relacionar com a Arábia Saudita, ou o Catar, ou Irã, que são ditaduras sanguinárias, mas tem muito dinheiro, tem muito petróleo e todo mundo acha interessante”, dispara Vivaldo Lopes.  

Confira a entrevista na íntegra e boa leitura!   

Qual estratégia econômica e política, na sua avaliação, do presidente Lula de escolher Argentina, Uruguai, China e EUA para conversar logo no início do mandato?     

É como uma necessidade, o Brasil ficou muito isolado internacionalmente e economicamente nos últimos anos, o que foi muito ruim para a economia do país. O ex-presidente Jair Bolsonaro não dialogou com a China, nem com os Estados Unidos, é verdade que tentou conversar com o Trump, mas este deixou de ser presidente e virou as costas completamente para o Mercosul, que são os parceiros continentais do Brasil. No governo Bolsonaro isso foi ostensivamente feito, preferiram se aproximar da Hungria que é uma ditadura europeia, preferiu bajular o Putin, que é um ditador também, na Rússia. Já o presidente Lula, desde a campanha, tem feito as seguintes afirmações que está colocando em prática: ele vai fazer a reinserção, a restauração do Brasil no cenário internacional; para isso ele está começando com os vizinhos, ele está correto.   

Ele optou por começar sua agenda econômica, comercial e internacional com a Argentina que é o parceiro mais próximo e é o terceiro maior importador de bens do Brasil. Primeiro é a China, depois os Estados Unidos empatado com a Europa e o terceiro maior comprador de produtos brasileiros é a Argentina. E mais, a Argentina é o maior comprador de produtos industrializados.  O Brasil vende para a Argentina produtos com maior valor agregado que as commodities metálicas e agropecuárias. Eles compram da gente carros, motores, autopeças, eletrodomésticos. Então a Argentina é uma boa parceria, mas sua economia está em frangalhos e quando a economia da Argentina vai mal as exportações do Brasil para a Argentina diminuem. As exportações do Brasil com a Argentina caíram 60% nos últimos anos por que o Brasil virou as costas para eles e as empresas Argentinas estão sem condições de comprar, não têm reserva para garantir os pagamentos em dólar.    

Então, eu vejo como um acerto, o presidente Lula começar pelo Mercosul onde ele tem que restaurar as relações com os parceiros que integram: Argentina, Paraguai e Uruguai – lembrando que a Venezuela está suspensa. E, ao mesmo tempo ele quer se aproximar da Colômbia e o Chile que são economias importantes aqui da América do Sul.  

Aproveitou o encontro da CELAC que é a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos, para encontrar todos. Então, o primeiro movimento do presidente foi esse, mas Lula também já agendou uma visita às duas maiores economias do planeta. Em fevereiro, dia 10, ele vai visitar o presidente Americano, que é a maior economia do mundo, e logo em seguida ele vai fazer uma visita comercial à China, que é o nosso maior parceiro comercial. É correto isso, é natural. Não importa se a China é comunista, se os estados Unidos são capitalista, o que interessa é que o Brasil comercialize com essas economias. Porque ao mesmo tempo que as pessoas questionam a aproximação com a Venezuela ou de Cuba que são ditaduras, mas ninguém reclama por exemplo do Brasil se relacionar com a Arábia Saudita, ou o Catar, ou Irã, que são ditaduras sanguinárias, mas tem muito dinheiro, tem muito petróleo e todo mundo acha interessante.  

Vejo que a rota de agenda internacional do presidente Lula é correta, é certa, se começa pelos vizinhos, o Mercosul, depois os Estados Unidos e depois a China.   

O Mercosul ainda é importante para o Brasil? E, por que o acordo de livre comércio do Uruguai com a China poderia destruir o Mercosul?  

É muito importante e tem duas coisas que precisam ser feitas urgentemente no Mercosul. É firmar um acordo comercial com a União Europeia, pois se o acordo for feito pelo Mercosul beneficia a todos os quatro países membros. E isso está parado, reconheço que teve um certo esforço por parte do Paulo Guedes, mas não concluiu, é preciso avançar e firmar um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia, isso facilitaria muito as importações e exportações com a Europa, inclusive a taxa de importações e exportações par aos quatro países. É nesse momento a principal agenda do Mercosul na minha opinião.   

E há uma ameaça para o Mercosul, um membro, o Uruguai está avançando para um acordo bilateral mas é só o país, com a China. Se ele conseguir levar isso e concluir mata o Mercosul.  

Então eu vejo duas oportunidades para o Mercosul e uma ameaça. As duas oportunidades são a de finalizar o acordo do Mercosul com a União Europeia e a segunda é aproveitar a janela aberta pelo Uruguai, que está acelerando um acordo do país com a China, e fazer um acordo bilateral do Mercosul com a China. Aí é outra grande oportunidade para os países do Mercosul. Entendo eu, que se conseguir avançar nesse acordo – e é uma das agendas do presidente Lula lá na China, tentar convencer a China a assinar não só com Uruguai, mas com todo Mercosul – é muito importante porque abre uma janela de exportação e importação para os quatro membros países.    

Essa construção de avanço para o comunismo é uma bobagem tão grande que eu como economista acho que não se trata de uma discussão e sim falta de alfabetização.

Existe a possibilidade de uma moeda comum que Brasil e Argentina, é viável? Anteriormente já se falou em uma moeda comum no Mercosul e que seria uma forma de fortalecer a economia, a exemplo o mercado comum europeu que utiliza o euro...   

Na minha opinião é uma bobagem econômica o presidente Lula querer fazer uma moeda comum entre o Brasil e a Argentina. Ele não está falando em moeda comum do Mercosul – que é uma pauta antiga, não progrediu. Agora ele falou em uma moeda somente entre Brasil e Argentina, eu não vejo viabilidade. É um esforço de tentar ajudar a Argentina que precisa exportar e importar, mas está quebrado o país, sem reservas cambiais e ela não consegue dar garantias para quem compra e venda na Argentina de que vai ter dólares para pagar. Pois toda comercialização de importação e exportação mesmo sendo com o Brasil é em dólar. Em uma transação com o Brasil por exemplo, a empresa Argentina deposita no Banco Central Argentino ou em um banco escolhido pelas duas partes) um valor em pesos argentinos que é trocado por dólar e é revertido para o Brasil em dólares e ao chegar aqui é revertido em real. Então na transação, é preciso ter o dólar como moeda comum que faz esse papel em transformar os pesos argentinos em dólar e depois em real.  

Ocorre que as empresas lá não guardam grandes quantidades de dólares e mesmo que guarde isso precisa passar pelo Banco Central Argentino. Eles estão sem reserva e isso atrapalha tanto as importações da Argentina quanto as exportações do Brasil e uma moeda comum seria uma solução paliativa: achar uma moeda que substituta o dólar para fazer essa intermediação.  

Primeiro é uma bobagem econômica de difícil operacionalização em curto prazo, e segundo, não é uma prioridade nesse momento para o Brasil ficar tentando achar uma moeda comum mais para salvar a pele da Argentina do que para ajudar a economia brasileira. E, vale ressaltar que a União Europeia demorou mais de 100 anos para chegar na moeda e houve divergências, além do que recentemente a Inglaterra, por exemplo, abandonou a moeda comum. Não é tão simples tanto é que no governo de Fernando Henrique Cardoso se tentou e não conseguiu implantar.  

Também levando em consideração ao momento político vivido no Brasil: a questão do BNDES voltar à cena em possíveis obras na Argentina, até por financiamentos terem sido alvo da Lava-jato, acha correta essa estratégia?  

Outra bobagem econômica essa história de colocar o BNDES para financiar obras em outros países. Não que isso não seja viável. É viável mas não é uma urgência. Nesse momento eu não colocaria como uma prioridade brasileira o BNDES para financiar exportações, bens e serviços de engenharia. Entenda, isso é normal, todos os países fazem, o Japão, os Estados Unidos, a Alemanha, a França, a Itália, todos fazem: usar um banco de desenvolvimento para financiar a exportação de empresas de engenharia do país que vai fazer uma construção civil, uma grande obra em outro país.  

Nesse caso o BNDES parou de fazer isso porque teve todos aqueles escândalos na Petrobras e também houve financiamento feito para três países que acabaram não pagando: Cuba, Moçambique e Venezuela. Não honraram plenamente. Como que isso ocorre, uma empresa de engenharia brasileira, por exemplo, ganha um contrato para fazer uma obra no Catar. Essa empresa vai ao BNDES e mostra que tem a obra para fazer, um bilhão de dólares, por exemplo, e quer o financiamento. Esse dinheiro é emprestado para o país, no caso o Catar, mas o dinheiro é liberado direto para a construtora. Isso é importante para o Brasil porque estimula a empresa de engenharia brasileira, gera empregos dessa empresa aqui no Brasil e todos os materiais e insumos que são usados nessa construção internacional devem ser exportados aqui do Brasil.  

Isso é importante, mas nesse momento não tem nenhuma grande construtora com obras para serem executadas fora do Brasil. Nem na Argentina, nem na Venezuela, nem em outros países aqui da América do Sul. Segundo, as grandes empresas de engenharia no Brasil entraram em recuperação, faliram ou quebraram depois da lava-jato e hoje elas estão sem condições de competir com as grandes empresas de engenharia da Alemanha, do Canadá, dos Estados Unidos, da China ou do Japão. Apesar de ser uma medida interessante de ajudar as empresas de engenharia brasileira, nesse momento não é uma prioridade. Acho um erro de visão do presidente Lula de querer começar sua agenda internacional fazendo financiamento de obras nesses país, não vejo condições práticas e operacionais nesse momento, apesar de a medida é interessante.  

Falam que teve calote, mas o Brasil exportou para esses países com contrato desde 2010, doze bilhões e oitocentos milhões de dólares. Desse valor emprestado, apenas um bilhão deixou de ser pago, por Cuba, Moçambique e Venezuela. E, tem mais quinhentos milhões de dólares que vão vencer nos próximos meses e podem ficar inadimplentes também. Desses quase treze bilhões de dólares emprestados para países que contrataram serviços de empresas brasileiras, um bilhão e meio deixou de ser pago. Se olharmos o que o BNDES emprestou para empresas brasileiras, aqui no país, a inadimplência é muito parecida também.  

Para deixar claro e esclarecer notícias falsas de que essas viagens do presidente Lula e aproximação com países da América Latina, a exemplo da Venezuela, e também outros como a China, seria a construção do comunismo; na verdade se trata de um relacionamento econômico, inclusive necessário, mesmo no momento político que vivemos?    

Essa construção de avanço para o comunismo é uma bobagem tão grande que eu como economista acho que não se trata de uma discussão e sim falta de alfabetização.

Vou fazer uma analogia. Quando éramos pequenos, sempre que íamos fazer alguma coisa errada os pais ameaçavam que o bicho-papão ia pegar, que o homem do saco ia passar na rua e pegar a gente. Essa conversa de construção do comunismo é apenas um efeito psicológico para dar medo nas pessoas e elas deixarem de fazer alguma coisa.

Falar que o Brasil está avançando para o comunismo é equivalente às histórias que nossos pais falavam para nos dar medo. É uma bobagem, um delírio bolsonarista. Falar que o Lula vai implantar o comunismo no Brasil é como as mães de antigamente ameaçarem as crianças com o bicho-papão.  




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