• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Um Governo de conciliação e pacificação. Não há margem para extremismos, crava Paulo Lemos


Rafaela Maximiano

“Como dizer ser democrático um ato que defende o fim da democracia?”. O questionamento é do advogado Paulo Lemos, sobre as manifestações que não aceitaram o resultado das eleições presidenciais no país e acabaram se tornando ataques contra a própria democracia.   

O advogado ainda acrescenta: “é um anacronismo, uma idiossincrasia de um grupo que sequer sabe exatamente o que está defendendo, por falta de formação política mesmo. Estudar também faria bem para essas pessoas”, sugeriu o entrevistado da semana.  

Além de avaliar o cenário de divisão política extremista atual, Paulo Lemos pontua ao FocoCidade os possíveis crimes que Jair Bolsonaro poderá responder quando deixar o governo; o orçamento secreto; o que esperar da economia do país no primeiro ano do governo Lula; o desempenho do Ministério Público frente aos atos antidemocráticos; entre outros assuntos.  

Paulo Lemos foi Ouvidor Externo da Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso; presidente do Conselho Nacional de Ouvidorias das Defensorias Públicas do Brasil; chefe de Gabinete da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Mato Grosso, na gestão do promotor de Justiça, Mauro Zaque, que implantou o GAECO no interior; presidente da Comissão de Direitos Humanos da 14ª Subsecção da OAB/MT e do Conselho Gestor de Saúde Pública de Matupá e professor universitário de Filosofia, Teoria Geral do Estado, Direito Financeiro, Direito Constitucional e Direitos Humanos.  

Boa Leitura!  

Qual sua avaliação sobre os ataques antidemocráticos que se intensificaram após as eleições presidenciais – e como exemplo os bloqueios de rodovias e as manifestações que depredaram veículos e atacaram a Polícia Federal no dia da diplomação? 

A tendência é que esses ataques diminuam, seja pela reação das instituições, com prisões, com intensificação da atuação da Polícia Federal, agora não mais tutelada, seja porque com exceção do atual presidente, o Congresso e inclusive, a bancada supostamente de apoio do governo de ocasião, e o próprio Exército, até mesmo o vice-presidente, Mourão, já sinalizaram que não vão participar de uma aventura intervencionista, tendo praticamente todos eles reconhecido o resultado das eleições.   

O próprio Jair Bolsonaro sabe disso, por isso ficou tanto tempo em silêncio. Apenas fez algumas aparições recentemente para dar uma resposta à sua base, até para que ela não se voltasse contra si. Diz o que eles querem ouvir, ciente de ter perdido a tentativa de promover um movimento golpista consistente, digo na cúpula dos Poderes e no próprio Mercado. Até porque a comunidade internacional iria reagir de imediato, os Estados Unidos chegaram a se manifestar categoricamente. E, quanto a seus apoiadores mais radicais, são apenas uma fração dos seus eleitores, pequeníssima. O povo está preocupado em pagar as contas, ter o de comer e não cortar a luz no final do mês.  

O que significa não aceitar um resultado eleitoral?  

Não aceitar um resultado eleitoral é sinônimo de baderna em uma democracia. Você pode até não concordar, agora não aceitar, passa ser caso para tratamento terapêutico, psicólogo, psiquiatra e por aí vai. Pois é fruto do negacionismo, semeado desde a eleição de 2018. Estudar também faria bem para essas pessoas, ja que o Brasil teve um processo de escolarização tardia, assim como de abolição da escravidão, de urbanização, enfim. Nossa democracia é praticamente uma debutante. 

Por que ninguém foi preso além do cacique que depois se redimiu pedindo em vídeo para que manifestantes não atacassem mais?  

Com relação ao cacique preso é o efeito simbólico e a ação correta de mirar nas lideranças de atos criminosos, para desmontar o restante da organização. Porém, outros poderão ser presos ainda, em qualquer lugar do Brasil. A correlação de força e cosmovisão mudaram. Quem tentar ir contra, prepare o colchonete e o travesseiro.  

Como vê a interpretação de algumas autoridades em relação aos atos antidemocráticos - já que dizem serem legais as manifestações?   

Os atos antidemocráticos são ilegais não pelo exercício do direito de se manifestar e se associar, e sim, pelo seu conteúdo, intervenção militar, subversão do regime, o que caracteriza crime contra a democracia, previsto hodiernamente no Código Penal, logo após a revogação da Lei de Segurança Nacional. Como dizer ser democrático um ato que defende o fim da democracia? É um anacronismo, uma idiossincrasia de um grupo que sequer sabe exatamente o que está defendendo, por falta de formação política mesmo, principalmente de parcela da classe média alienada aos interesses de quem tira proveito dela mesma. Também tem um saudosismo doentio, uma espécie de regressão patológica, como Freud explica. 

A que crimes Bolsonaro poderá responder quando deixar o governo?  

Jair Bolsonaro poderá responder a vários crimes, um deles o da intervenção na Polícia Federal, em seu benefício e da sua família, como na troca do delegado no caso da Marielle, que nutre esperança que agora seja esclarecido, aquilo que praticamente todos já sabem.  

Entretanto, não houve crime maior do que suas atitudes durante o novo holocausto brasileiro, a pandemia, que ceifou a vida de meio milhão de pessoas. Deve responder perante o Tribunal Penal Internacional.  

Como analisa a divisão entre as pessoas que levam ao extremismo - se isso poderá ser atenuado com o novo governo ou deve continuar?  

No capitalismo, burguês, como categoria científica, o mercado é o ator principal. Na democracia, o povo. Penso que será um governo de conciliação e pacificação, não há margem para extremismos, à direita ou à esquerda. Existe muita desinformação pelas mídias sociais, essas que colaboraram diretamente para uma visão superficial da vida política, econômica, social e cultural, sendo instrumento promotor da polarização que vivemos.  

Como avalia o orçamento secreto? 

O orçamento secreto viola todos os princípios da Administração Pública. É um grande esquema de corrupção, pela falta de controle e fiscalização, bem como de cooptação, para não dizer compra do "centrão". Do ponto de vista mais estrutural, é um acinte ao sistema presidencialista, pois instaurou uma espécie de parlamentarismo, com uma rainha da Inglaterra na presidência da República. Os presidentes da Câmara e do Senado é que passaram a governar de fato.  

O que esperar da economia do país no primeiro ano de governo Lula? E, com relação ao mercado financeiro que não dá trégua a Lula - como isso poderá ser superado? 

O primeiro ano do Governo Lula em relação à economia, sem falar no rombo deixado na conta corrente do Governo Federal que praticamente deixou um apagão após as eleições, até mesmo para o fechamento das contas de órgãos como a previdência social e um gasto exorbitante durante os quatro anos acima do teto, algo em torno de R$ 300 bilhões, coisa que terá de ser equacionada no orçamento já do próximo ano e com a PEC que está tramitando no Congresso Nacional, será um grande desafio que é o nível de inadimplência da população brasileira nesse momento. Consequentemente gera restrição de crédito por parte do sistema financeiro e isso compromete o custeio e investimento na microeconomia, ou seja, no chão da fábrica onde as pessoas vivem de verdade.  

Outras atitudes precisarão ser tomadas, por exemplo, em relação aos bens essenciais. Uma gestão intervencionista, porém não totalmente desregulada como foi até aqui da Petrobras para manter o preço do combustível acessível, a retomada da política de abastecimento nacional de alimentos para subsidiar o mercado quando houver grande diferença entre oferta e demanda segurando o preço dos alimentos, uma reforma tributária que diminua a incidência nos bens de consumo e taxe principalmente a produção agrícola de exportação e mais do que isso, os bens de capital. Esses são os desafios do governo Lula já no primeiro ano do seu mandato. Agora, eu vejo que com os nomes anunciados como Haddad na Fazenda, Mercadante no BNDS, claramente um aceno de uma política desenvolvimentista, não só na microeconomia mas também na macroeconomia.  

Qual a perspectiva sobre um Exército comandado por um cuiabano - e como avalia o papel do Exército até agora - já que parecem validar atos antidemocráticos?   

Eu não vejo nisso qualquer alteração com relação às atribuições e responsabilidades das Forças Armadas. Isso porque o chefe é o presidente da República. Porque no caso do Brasil ele tanto governa quanto é Chefe de Estado. Vejo que a mudança da direção da presidência da República é que fará com que o Exército volte para onde nunca deveria ter saído no cumprimento da sua função constitucional na defesa da soberania nacional. E não se envolver com a política.   

Nos Estados Unidos, por exemplo, é muito consolidado o fato de que militares não se envolvem com a política dos civis e os civis pouco se envolvem com a atuação dos militares. Cada um cumprindo com o seu papel, obviamente que tendo uma coordenação de ambos. No caso do Brasil repito, por parte da presidência da República.  

Como está Mato Grosso nesse contexto todo - já que líderes fortes do Estado estiveram na linha de frente da campanha do presidente eleito Lula, como Carlos Fávaro e Neri Geller?   

Mato Grosso ganha principalmente no setor que menos apoiou a eleição do presidente Lula, que é o agronegócio, isso porque é inegável que Lula tem boas relações diplomáticas com praticamente o mundo todo, independente do campo político.

Consegue dialogar com a Venezuela, com o Irã com a Coreia do Norte com a Rússia e ao mesmo tempo consegue dialogar com os Estados Unidos, com a Inglaterra, com Alemanha, então o Lula tem uma facilidade de abrir mercado internacional para o Brasil que no caso do agronegócio vive da exportação.  

O nosso principal comprador de commodities, a China, tem relação muito profícua com o presidente Lula. O setor que mais negou ele será um dos setores mais beneficiados. Com relação ao apoio de alguns nomes aqui de Mato Grosso penso que pouco influenciará, pois o agronegócio demonstrou não ter voto, não tem capital político eleitoral, ao menos não a nível nacional, não fez nenhuma diferença nas eleições. 

Como analisa o desempenho do Ministério Público Estadual e o Federal na defesa da Democracia e contra atos antidemocráticos?  

Eu penso que essas instituições serão refortalecidas na medida em que a independência e a autonomia delas serão preservadas. Assim como foram nos anos em que Lula foi presidente. Essas instituições atuaram muito inclusive no combate à corrupção com toda a autonomia e independência, coisa que não se viu no governo atual que escolheu para chefiar o Ministério Público Federal o candidato menos votado da lista tríplice que fez interferências na Polícia Federal inclusive por interesse próprio e da família, que enfraqueceu e desarticulou a Procuradoria Geral da União e os demais órgãos fiscalizadores.  

Com relação à democracia e aos atos antidemocráticos é importante frisar um aspecto, nós temos que voltar para a política o Estado e não para uma agenda moral, pois o Estado é laico, o Estado tem que formular e executar políticas públicas, tem que fiscalizar a atuação de setores da sociedade sem nenhum tipo de acepção. Também tem que legislar, julgar sem valoração moral. A agenda moral é das igrejas, das famílias e de outras instituições, ou seja, da vida privada e não da vida pública, isso foi invertido nos últimos anos e temos agora que reverter essa situação e devolver as coisas para seu devido lugar.  

Deixe uma mensagem para um novo Brasil.  

Por fim, independente de predileção político-partidária, de campo da esquerda ou direita, tem de nos imunizar dos extremistas de ambos os lados. Nem regime militar, tampouco comunismo. Social-democrata, Estado Democrático de Direito de Bem-estar. Nossos compatriotas, companheiros, irmãos brasileiros, nenhum, deve ser considerado inimigo um do outro. O discurso de ódio, o comportamento violento e o estado de arbítrio, ou seja, a barbárie precisa cair, ser superada, coisa do passado, dos livros de história. Precisamos nos unir contra a fome, em defesa da Amazônia, do petróleo que é nosso, de geração de empregos, de aumento real do salário mínimo, de institutos profissionalizantes, de mais saúde pública, de previdência para quem precisa, da humanização da relação entre capital e trabalho, de segurança jurídica para todos, de menos armas e mais livros, menos clubes de tiro e mais escolas técnicas federais, de uma política de incentivo para se livrar do endividamento, pela vida, por civilidade. Esse é o meu desejo sincero para todos os brasileiros. 




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