• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Fernando Henrique: raio-x dos Governos Lula e Bolsonaro e perspectiva da política econômica


Rafaela Maximiano

Um raio-x da economia brasileira, além de uma importante comparação desse cenário no primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva com o atual mandato do presidente Jair Bolsonaro.                   

Esse foi o foco da Entrevista da Semana que conversou com o economista e mestrando pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Fernando Henrique da Conceição Dias.  

“No Brasil se faz o 'beabá' da economia de mercado e não se faz o 'beabá' da economia doméstica”, pontua o especialista ao avaliar que a escolha por uma economia de mercado em detrimento da economia doméstica, é um dos principais erros do atual governo e que agrava a crise que ceifa o poder de compra da classe trabalhadora.  

Ele ainda cita como agravantes o câmbio, o dólar; fatores externos como a guerra na Ucrânia, e a atual política de paridade internacional.  

Em comparação a economia vivida no governo Lula x governo Bolsonaro, apresenta dados consolidados de inflação, poder de compra, PIB, salário mínimo e outros. Assinala que são quadros diferentes e conclui: “o ponto mais significativo nessa comparação entre o governo Lula e de Bolsonaro é o da fome. Da insegurança alimentar. No começo do governo Lula ele herdou 35,2% da população com algum problema de insegurança alimentar, no final do governo ele entregou com 30% e uma erradicação da pobreza extrema, da fome extrema. Já no governo Bolsonaro passou de 40% para 58,07% a porcentagem da população hoje do Brasil que está passando fome”.  

Fernando Henrique da Conceição Dias ainda faz ao FocoCidade uma análise do que significa para o contexto da economia, uma eventual vitória de Lula ou de Bolsonaro.  

Boa Leitura!  

Qual avaliação faz da economia brasileira atualmente?    

Costumo dizer que a economia, ela tem os famigerados índices que auxiliam a gente a entender e atualmente estamos vendo uma recuperação da economia. Então vamos usar alguns índices para poder entender o atual momento do Brasil.   

O teto da inflação é de 5%, no acumulado dos últimos 12 meses estamos chegando a 7,7%. O Governo Federal tirou do combustível o ICMS e isso auxiliou dentro da cadeia produtiva. Quando tiro um imposto do combustível automaticamente o frete fica mais barato e isso impacta no preço final dos alimentos. Porém, o alimento não baixou o valor porque existem outros fatores que fazem com que os alimentos se mantenham altos. Então o consumidor não sentiu essa queda nos alimentos, ele sentiu diretamente no preço final dos combustíveis que já auxiliou na deflação que tivemos.    

Estamos indo para o terceiro mês seguido com uma variação negativa de preço, que a gente chama de deflação. Lá em setembro o Índice Nacional de Preços ao Consumidor que é o IPCA, foi de -0,29%; uma queda menos intensa do que a registrada em julho que foi de -0,68%; e, em agosto tivemos -0,36%. É uma sinalização importante porque a queda nos preços de combustíveis é a principal contribuição para a desaceleração da inflação.     

Tivemos nesse ano, uma inflação acumulada de 4,9%, e, nos últimos 12 meses de 7,17%. Porém ainda segue acima da meta do governo que é de 5%.  

Por que o governo Bolsonaro não foi feliz na política econômica que preza pela classe pobre considerando a crise na economia que ceifa o poder de compra da classe trabalhadora?    

Hoje o Governo Federal só enxerga dessa forma: aumenta a Selic para fazer uma medida contracionista para tentar controlar a inflação. Eu venho dizendo há uns dois anos, que somente isso não é suficiente, fazer aumentos consecutivos na Selic acaba não adiantando, principalmente a curto prazo.    

Os alimentos por exemplo são segmentados. Por exemplo, o leite chegou a subir 16%, os laticínios saltaram 8,81%. O índice tirando o preço da energia elétrica e do combustível corresponde a aproximadamente 10% do que a gente chama de cesta de compra média. Esse índice é muito representativo para o consumidor. Então quando eu baixo a energia elétrica e os combustíveis, isso vai auxiliar na inflação, somado a isso a Selic aumentou novamente. Pois hoje o Brasil usa o mecanismo de aumentar a Selic como uma medida contracionista.   

Mas o principal inimigo da economia doméstica é o câmbio, o dólar. A perspectiva de alta de dólar impacta demais a vida do Brasil que é um país periférico, um país que a moeda é fraca frente ao dólar. Por exemplo, sempre defendo que não adianta só desonerar o ICMS – que é uma medida em curto prazo, vai chegar um momento que isso não vai mais fazer efeito e o dólar subir, isso porque o país pratica PPI que é a política de paridade internacional. Então o que precisávamos era mudar essa política. A Petrobras precisa mudar essa política, obviamente que não é tão simples, existe consequências para isso também e falta um pouco de coragem dos nossos governantes para fazer isso.    

O câmbio do dólar afeta diretamente os preços dos alimentos, porque esses alimentos são cotados em dólar, mesmo o Brasil sendo um grande produtor, por exemplo, de soja e de carne. E, o preço desses alimentos, afeta principalmente o orçamento das famílias de menor renda. Esse é o grande problema do Brasil hoje: justamente controlar a economia doméstica e não temos o ganho real dos salários. Coisa que não acontece há muito tempo.    

No Brasil se faz o “beabá” da economia de mercado e não se faz o “beabá” da economia doméstica.    

Já no governo Bolsonaro passou de 40% para 58,07% a porcentagem da população hoje do Brasil que está passando fome.   

E o que precisa para nossos salários terem esse ganho real?    

Precisamos de investimentos diretos em infraestrutura, criação de novos empregos, ou seja, investimentos diretos geram empregos, e, automaticamente gera renda e auxilia no controle da inflação. Existem também fatores endógenos e exógenos. Os fatores exógenos que mais pressionam o dólar são os fatores não esperados a exemplo da guerra na Ucrânia, que afetou o dólar, a pandemia, etc.  

Para garantir renda para o trabalhador é preciso controlar a inflação que corrói os salários. Ou seja, não adianta ter índices positivos sem ganho real. A sensação que o trabalhador tem é que a economia está indo bem somente para quem já tem dinheiro.  

O grande inimigo do governo Bolsonaro chama-se informalidade. Nunca teve tanta gente informal no Brasil e isso é por várias óticas. A ótica da falta de oportunidade, a ótica da falta de educação no sentido de qualificação profissional, porque às vezes existem os postos de trabalho, mas não tem pessoas qualificadas, e não se tem esse olhar de investimento em educação.  Temos também um índice alarmante de pessoas desalentadas que desistiram de procurar trabalho e isso é preocupante, são 6,5% das pessoas desempregadas, pessoas desalentadas. 

A dívida pública de 65% no governo Lula e 80% no governo Bolsonaro.

E, se compararmos a economia vivida no Governo Lula com o governo Bolsonaro?  

São cenários diferentes, é importante salientar. O governo Lula começa em 2003 quando pegou uma inflação de 14,7% e quando ele sai ele deixa em 6,5% a inflação. O atual governo encontrou a inflação em 3,4% e está mantendo na casa dos 10,2% e não sabemos até onde vai chegar.   

A taxa média do crescimento do Produto Interno Bruto, o PIB, no governo Lula era de 4,1% e a taxa média do crescimento do PIB no governo Bolsonaro é de 0,6%.   

O salário mínimo que foi herdado por Lula foi de R$ 613,10 ele elevou para R$ 940,50. E, no governo Bolsonaro, ele encontrou o salário mínimo por R$ 1.087,00 e até agora passou o salário para R$ 1.100,00.  

Era possível no governo Lula comprar até 1,9 cestas básicas. No governo Bolsonaro caiu de 2 para 1,6 cestas básicas. Bom salientar que esses dados são da Dieese.  

Esses números citados pelo senhor poderiam explicar o aumento de pessoas miseráveis no país?  

Esse é o ponto mais significativo nessa comparação entre o governo Lula e de Bolsonaro, o da fome. Da insegurança alimentar. No começo do governo Lula ele herdou 35,2% da população com algum problema de insegurança alimentar, no final do governo ele entregou com 30% e uma erradicação da pobreza extrema, da fome extrema. Já no governo Bolsonaro passou de 40% para 58,07%. Então hoje existe sim pessoas que estão passando fome, 58,07% da população hoje do Brasil está passando fome. Vivem com insegurança alimentar. Um número que o governo precisa olhar com mais carinho e fazer muito mais do que o Auxílio Brasil. O Auxílio Brasil é muito importante, mas falta para o governo uma política de segurança alimentar.  

Então ao comparar o primeiro mandato do governo Lula com o do Bolsonaro, Lula leva vantagem?  

Quando a gente passa a comparar em dados, por exemplo o PIB Interno Bruto de 2003 a 2006, primeiro mandato de Lula, 14,76%. No governo do Bolsonaro de 2019 a 2022, 1,69%. Obviamente que tem a pandemia, então fica difícil comparar. Mas esses são os números.  

O relacionamento com a China por exemplo, que é como o Brasil se comporta nas tratativas internacionais comerciais e de parcerias, tem uma alta significativa até no atual governo, porém no governo Lula também os números são melhores. Lula 39,53% e no Bolsonaro 18,21%. A inflação no primeiro mandato do Lula 6,04% e de Bolsonaro 6,26%; o desemprego no período de Lula 8,40%, Bolsonaro 9,10%. O Ibovespa que mensura o crescimento consolidado, mostra um crescimento de 294% no governo Lula de 2003 a 2006, e no governo Bolsonaro tem 32%.

Os servidores efetivos no governo Lula eram 80.430 mil no governo Bolsonaro 24.178 mil; Poder de compra, que é o salário mínimo real x o adequado, temos 450% no governo Lula – primeiro mandato – e você tem 520% no governo Bolsonaro, isso significa uma inadequação e quem tem a maior porcentagem é que está mais inadequado ou a população tem menos poder de compra. A dívida pública de 65% no governo Lula e 80% no governo Bolsonaro. Ressalto que é importante comparar, mas devemos compreender que o cenário econômico do governo Lula era outro de agora.  

Como classifica a política econômica sob o Governo Bolsonaro?   

Primeiro vou citar os pontos positivos do governo Bolsonaro na minha opinião que estão na Caixa Econômica com uma consolidação nas políticas habitacionais. Também nas questões de desburocratização, Bolsonaro sinaliza melhor que Lula. O maior pecado ou erro do atual governo na minha opinião é o orçamento secreto. Demonstra fraqueza política do seu governo. E isso é ruim para imagem do presidente por mais que diretamente não tenha relação direta. 

Outro ponto na minha opinião é a parte ideológica que auxilia na sua popularidade de base e afasta as pessoas que não tem cunho ideológico. Isso interferiu nas políticas das compras da vacina. Além dos escândalos dos pastores no MEC e principalmente o laranjal do Queiroz. E, vale ressaltar que apesar de todos esses "obstáculos", Bolsonaro conseguiu fazer no Senado e na Câmara maioria. Dessa forma, o bolsonarismo irá sobreviver perante uma possível derrota.  

Muito especialistas apontam que o Governo Bolsonaro governa para ricos? O senhor concorda?    

Existe essa indagação que o Governo Bolsonaro governa para ricos. Na verdade, o governo Bolsonaro é um governo muito baseado na economia de mercado, é um governo que não tem tanto “tato” para questões de seguridade social, para questão de fomento. Porém, vale ressaltar que a pandemia ainda fez com que o governo auxiliasse, fosse por esse caminho. Talvez se não houvesse a pandemia o governo nem iria para esse caminho social porque nunca foi da agenda do governo que sempre teve agenda de economia de mercado, não de economia doméstica. Por isso que as pessoas e especialistas acreditam que quem está rico fica mais rico, é uma sensação que temos. Mas isso é resultado da política do governo, a política liberal ou de mercado que chamamos.   

Por que o ministro Paulo Guedes nunca fez uma política voltada para a classe mais pobre do país, se comparado ao governo Lula?  

O grande desafio do governo Bolsonaro é justamente fazer a economia doméstica. O Paulo Guedes tem grande dificuldade. Mas muita dificuldade. É um economista que faz pouco caso da economia doméstica. É um cara que pesa muito na economia de mercado. E é o que eu falo, não tem como a pessoa servir a dois senhores, ou você vai servir ao social ou vai servir ao mercado. E, o Paulo Guedes prefere servir ao mercado: como o mercado enxerga o Brasil, como os investidores lá foram enxergam o Brasil.  

Mas é um governo que pegou a pandemia, isso foi muito ruim para o governo, e conseguiu passar, e, não teve jeito teve que ter o auxílio aos mais pobres, ou do contrário essas pessoas não iam aguentar. Errou muito, na questão sanitária, foi um dos principais erros. E, acredito que a derrota do Bolsonaro vai ser muito mais uma derrota da agenda econômica do que uma derrota da agenda ideológica. A agenda ideológica do Bolsonarismo saiu vitoriosa na minha opinião e a agenda econômica vai sair derrotada.   

O que significa para o contexto da economia, eventual vitória de Lula ou de Bolsonaro?   

A eventual vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva representa uma nova forma de governo. O ex-presidente Lula vai encontrar dificuldades porque ele não vai ter o Senado e não vai ter a Câmara com ele. Porém, o Lula é um político experiente, eu acredito que ele vai saber fazer as articulações políticas e tudo vai passar pelo “centrão” que tem muito peso na política do Brasil e eu acredito que caso o Lula ganhe, de início, os seis primeiros meses será como “a lua de mel do presidente com o Senado e com a Câmara” – como falamos; ele vai ter esses seis primeiros meses para tentar impor a agenda de como ele pensa: ideológica e econômica, posterior a isso vai ficar mais difícil. Também acho que ele vai buscar aliados, agregar alianças, do contrário não vai conseguir governar. Em questões econômicas é muito difícil saber porque tem os fatores exógenos, as pressões internacionais e o que ele vai precisar fazer é justamente olhar mais para a economia doméstica, acredito. É um grande desafio tanto para o Lula quanto para o próprio Bolsonaro, caso permaneça.  

Caso Bolsonaro ganhe vai encontrar um cenário muito mais cristalino para ele governar porque tem a maioria politicamente e isso é muito positivo para ele. Aí ele vai conseguir impor a agenda ideológica que teve tanta dificuldade e acredito que vai ser uma mudança radical tanto nas questões ideológicas quanto nas questões econômicas. Caso o Bolsonaro ganhe ele vai conseguir governar da forma com que ele realmente gostaria.  




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