• Cuiabá, 05 de Setembro - 2025 00:00:00

Alexandre Furlan: o que gera emprego é o crescimento da economia


Rafaela Maximiano

A Reforma Trabalhista, instituída pela Lei Federal nº 13.467, completou cinco anos neste 13 de julho. Sobre pontos positivos, negativos e necessidade de aprimoramentos, o FocoCidade conversou com o presidente do Conselho de Relações do Trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Alexandre Furlan que também possui assento no Conselho de Administração da Organização Internacional do Trabalho (OIT).  

“A reforma trabalhista implementada em 2017 foi necessária e trouxe avanços importantes”, afirmou Alexandre Furlan acrescentando que já havia um debate de anos para uma alteração que adequasse as leis às relações trabalhistas atuais. Ainda assim, os direitos garantidos na Constituição, como FGTS, férias, licença-maternidade, entre outros, foram mantidos. 

“O Brasil deve ser um dos únicos países do mundo que elevou a nível constitucional o direito dos trabalhadores, então todos o que estão listados lá foram mantidos, até porque não se poderia alterar por lei ordinária”, disse 

Em ano eleitoral, o Partido dos Trabalhadores reacende a discussão de revogação da Reforma Trabalhista. Furlan pontua que é necessário estar aberto ao debate para avanços na reforma, mas não para retroceder. “Para isso, seria necessário votar uma proposta no Congresso”, afirmou. 

Durante a Entrevista da Semana, Furlan reconheceu que há um número expressivo de trabalhadores informais, mas também afirmou que o aumento foi impulsionado pela pandemia da covid, e pontua que a reforma não gerou empregos, “o que gera emprego é o crescimento da economia, não uma legislação por si só”, explica.

Confira a entrevista na íntegra:  

Qual a sua avaliação quanto à Reforma Trabalhista quais pontos avalia como positivos?

Eu represento a Indústria brasileira e somos favoráveis à Reforma. Ela foi extremamente importante e trouxe várias inovações e modernizações, como a regulamentação do teletrabalho e do trabalho intermitente, o aperfeiçoamento do trabalho parcial e a valorização da negociação coletiva, ao mesmo tempo em que manteve, como não poderia deixar de ser, os direitos constitucionais trabalhistas como o salário-mínimo, o décimo terceiro salário, o FGTS, as férias, etc. Que inclusive, são direitos que estão previstos na Constituição.  

Os principais pontos de avanço desta reforma foram: o chamado “negociado sobre o legislado” que foi uma forma de adequar a legislação trabalhista à realidade local, pois a CLT tratava todos os empregados do Brasil igualmente, ou seja, tratava igualmente os desiguais. A Reforma buscou valorizar a negociação, deixando claros os limites do que não pode ser negociado, remediando um problema antigo do Brasil, em que instrumentos coletivos livremente negociados vinham a ser posteriormente anulados judicialmente, sem que houvesse motivo para tanto, e muitas vezes anulando normas negociadas em favor dos trabalhadores, como redução de intervalos de almoço para que os empregados pudessem sair mais cedo ou como compensação de não trabalho aos sábados, pontes de feriado, etc. Buscou-se aqui valorizar o diálogo, fortalecer os sindicatos e conferir maior segurança jurídica.  

Outro ponto foi a regulamentação do trabalho intermitente que trouxe para a formalidade trabalhadores contratados para demandas específicas, e conferindo-lhes proteções, direitos trabalhistas e previdenciários. Trata-se de modalidade de contrato de trabalho que, sem substituir o tradicional, é adequado principalmente para o atendimento de demandas episódicas, descontínuas, ou, ainda, picos de demandas imprevisíveis.  

Quero pontuar também que a Reforma foi providencial para mitigar os efeitos da pandemia, e veio para auxiliar o crescimento econômico, que é o que gera emprego e renda.  

Como avalia uma eventual revogação da Reforma Trabalhista?  

Em primeiro lugar, a Reforma não pode ser revogada por ato de ofício. Para isso, é preciso um projeto de lei para que eventuais mudanças propostas sejam debatidas de forma democrática, e a palavra final será do Congresso Nacional. Ou seja, qualquer alteração nesse sentido tem que ser construída por toda sociedade no Parlamento, como, aliás, ocorreu quando da aprovação da Reforma de 2017.  

Sobre o conteúdo da Reforma, a Indústria e o setor produtivo brasileiro entendem que as leis de 2017 foram fruto de anos de debates sobre as necessidades de se adequar a CLT, editada em 1943, quando o Brasil tinha uma economia predominantemente agrária, à economia contemporânea e às novas formas de trabalho e de produção decorrentes dos avanços tecnológicos. Então, foram incorporadas muitas atualizações, como a possibilidade de terceirização tanto de atividades-meio quanto de atividades-fim, regulamentação do teletrabalho, regulamentação do Plano de Demissão Voluntário e do contrato de trabalho intermitente, que são temas muito atuais, sobre os quais não se falava na década de 1940. Ao mesmo tempo, essa atualização também veio aliada à segurança jurídica, uma vez que o descompasso entre a legislação e o mundo moderno trazia, por si só, judicialização.  

É importante lembrar que, acima da legislação trabalhista, temos a Constituição Federal e todo o conjunto de direitos fundamentais que estão listados no artigo 7º - salário-mínimo, FGTS, 13º salário, hora extra, licenças maternidade e paternidade, férias, entre outros, que se mantiveram intactos, ou seja, a alteração da legislação trabalhista de 2017 buscou modernizar, simplificar as regras das relações do trabalho e contribuir com a segurança jurídica, mas não revogou ou mitigou direitos dos trabalhadores.  

E essas alterações foram extremamente importantes. Muitas vieram em atendimento a demandas de trabalhadores, como as possibilidades de parcelamento das férias em três períodos para todos os trabalhadores; de redução do intervalo de almoço, para que o trabalhador possa ir mais cedo para casa. Além disso, o trabalho em regime parcial foi aperfeiçoado e foram estimuladas soluções não litigiosas, como a rescisão consensual (que também veio em benefício do trabalhador, possibilitando que ele saque 80% do saldo do FGTS), e a homologação de acordos extrajudiciais pela Justiça do Trabalho, evitando um processo que poderia levar anos para ser definitivamente julgado.  

Desse modo, a posição da Indústria é fortemente contrária a uma revogação da Reforma, que, como eu disse, trouxe inúmeros avanços. 

Mas não haveriam aspectos para serem aperfeiçoados na legislação em si?  

Sim e precisam ser discutidos. Por exemplo, a regulamentação do trabalho intermitente, para deixar expresso na lei que o salário maternidade será pago diretamente pela Previdência. Essa previsão é importante, pois, no trabalho intermitente, o trabalhador poderá prestar serviços a mais de um empregador, e a ausência de regra expressa e clara sobre o pagamento do salário maternidade poderá dar margem a interpretações díspares, inclusive desprotegendo quem deveria estar protegido.   

Também pode ser aperfeiçoada a regulamentação do teletrabalho, pois, embora tenha disposto expressamente que “considera teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação”, não consignou de forma expressa na lei ser possível a adoção do chamado regime híbrido, em que parte da prestação de serviços se dá na empresa e a outra parte à distância, o que promete ser uma das tendências dos próximos anos. Muitos entendem que a lei, quando fala em “preponderantemente”, permite o regime híbrido, tese que se entende reforçada pela existência de regra de que o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas não descaracteriza o regime do teletrabalho. Mas, por outro lado, há quem entenda que não é possível extrair essa interpretação da lei. Ora só a fato de haver esse debate, já se leva a necessidade do aperfeiçoamento do texto, no mínimo para se ter segurança jurídica.  

Embora este ano a Reforma complete cinco anos, considera-se que ainda é um período de amadurecimento para a implementação do novo ordenamento em sua totalidade, tanto por parte das empresas e dos trabalhadores, quanto pelo Judiciário, especialmente porque, em dois desses últimos cinco anos, o Brasil e o mundo foram avassalados por uma pandemia sem precedentes. No entanto, é possível constatar que a reforma foi essencial nesse período, permitindo, por exemplo, que trabalhadores e empregadores pudessem negociar suas rotinas de trabalho nesse período, como o home office. Aperfeiçoamentos à Reforma podem e devem ser discutidos, sempre pensando em modernizar, desburocratizar e na segurança jurídica, não em retroceder.  

O senhor já citou “negociado sobre o legislado” e o “trabalho intermitente”, alguns consideram a precarização do trabalho. O que a reforma trabalhista buscou realmente nesses dois casos?  

De todos os aspectos modernizantes, esse pode ser considerado um dos pontos centrais da Reforma Trabalhista. O que se buscou com o chamado “negociado sobre o legislado” foi a efetiva valorização do diálogo entre a empresa e seus empregados, oferecendo balizas mais claras sobre o que empresas e trabalhadores podem negociar para ajustes laborais, de acordo com a realidade local da empresa e do setor econômico e da própria conjuntura econômica, deixando claro os direitos que não podem ser objeto de negociação, que são justamente os direitos constitucionais.  

Essa mudança também foi salutar para remediar um problema antigo no Brasil, em que instrumentos coletivos livremente negociados vinham a ser posteriormente anulados judicialmente, sem que houvesse motivo para tanto, e muitas vezes desconsiderando normas negociadas que beneficiavam trabalhadores e empresas, como, por exemplo, a redução de intervalos para que os empregados pudessem sair mais cedo.  

Após um período de adaptações, além do auge das medidas de isolamento e paralização de atividades produtivas em decorrência da Covid-19, que, em um primeiro momento, impactaram negativamente a utilização desse instrumento, em 2021, o total de negociações coletivas voltou a subir e a apresentar números semelhantes aos de 2017, período anterior à Reforma. 

Nos períodos mais severos da pandemia, a negociação coletiva - tal qual a negociação individual - foi essencial não só para que as empresas pudessem adotar medidas trabalhistas para manter empregos - por meio de, por exemplo, acordos de redução de jornada e salário, ou suspensão contratual, com garantia de emprego no período (Lei 14.020/2020 e MP 1045/2021), antecipação de férias e facilitação da realização do teletrabalho (MPs 927/2020 e 1046/2021) - como também serviu como instrumento valioso para estabelecer e delimitar benefícios, direitos e deveres específicos para lidar com os impactos da pandemia nos empregos.   

Importante destacar que essas medidas emergenciais tiveram respaldo constitucional. Dito isso, ao estabelecer a prevalência da negociação coletiva, a Lei 13.467/2017 preserva o amplo rol de garantias e direitos trabalhistas previstos na Constituição, trazendo uma lista de temas para os quais há autorização expressa de negociação coletiva e estabelecendo claros e amplos patamares mínimos que não podem ser ultrapassados pelos instrumentos; e segue o fenômeno de flexibilização e de descentralização normativas que ocorre em outros países. Ademais, a referida lei tem servido de estímulo para que empregadores e empregados efetivamente façam negociações coletivas que representem seus interesses, em especial por estarem vigorosas mesmo nos difíceis contextos que o país tem passado nos últimos anos relativamente ao crescimento econômico e mercado de trabalho. 

Já quanto ao trabalho intermitente o trabalhador, outrora informal, passou a ter acesso à formalização da prestação de seus serviços de forma intermitente. Portanto, em linha com o respeito ao trabalho decente, a Reforma trouxe proteções a esses trabalhadores, dando-lhes condições de formalidade, permitindo que uma empresa convoque empregado para trabalho específico, remunerando o período efetivo de serviço e pagando os valores relativos aos direitos garantidos constitucionalmente e aos demais direitos e benefícios aplicáveis, na proporção do período de prestação de serviço.   

Ao final de cada período de prestação de serviços, o empregador, mediante fornecimento de recibo com os valores discriminados, paga ao empregado parcelas de remuneração; férias proporcionais com acréscimo de um terço; 13º salário proporcional; repouso semanal remunerado; e adicionais legais. Além disso, são garantidos 30 dias de férias, período para o qual não poderá ser convidado a prestar trabalho.   

E quanto à geração de empregos? A reforma trabalhista foi aprovada come essa propaganda, mas efetivamente não se viu o aumento de postos de trabalho...  

O posicionamento da CNI sempre foi enfático no sentido de dizer que o que gera emprego é o crescimento da economia, não uma legislação por si só, seja qual ela for. Além disso, não é demais relembrar, que, com a pandemia em 2020, o Brasil, assim como o mundo, foi atingido por uma crise econômica decorrente da pandemia, quando a economia brasileira ainda se encontrava enfraquecida, o que acabou por intensificar os prejuízos.   

O que o Brasil precisa é de um ambiente de negócios que contribua para a expansão das atividades produtivas, que fomente a inovação, estimule o investimento e conte com um sistema tributário racional e inteligente, com infraestrutura adequada, segurança jurídica, entre outros aspectos. A Reforma é uma parte nesse quebra-cabeça que, ao trazer a legislação de 1943 para o presente, buscando oferecer maior segurança jurídica nas relações do trabalho, modernizou esse campo do direito. Mas ainda há muito a fazer para modernizar a economia como um todo.  

De qualquer forma, muitos pontos da Reforma foram importantíssimos para a mitigação dos impactos da pandemia no mundo do trabalho, como a regulamentação do teletrabalho, do trabalho intermitente e a valorização da negociação coletiva. 

 O Home Office já estava previsto na Reforma Trabalhista também?  

A CLT já tinha reconhecido o teletrabalho como uma modalidade de trabalho, em 2012. O que a Reforma fez foi trazer regras claras para sua adoção, e o Congresso fez isso de forma muito inteligente, ao transpor a regulação que a Conselho Nacional de Justiça já havia amadurecido e vinha aplicando há anos para os servidores do Judiciário federal. Em outras palavras, o Congresso espelhou para o setor privado – com algumas poucas mudanças – o que já se praticava no Judiciário. Essas regras, inclusive, tiveram origem na própria Justiça do Trabalho.  

A pandemia acelerou essa tendência, e um enorme contingente de pessoas foi transferido, do dia para a noite, para o trabalho remoto. Isso foi, e vem sendo, um grande desafio para as empresas, porque cada empresa tem sua realidade, que varia de acordo com porte, setor econômico e a própria localidade onde funciona.  

As situações que decorreram desse cenário totalmente imprevisto devem ser analisadas caso a caso, mas, em geral, a regulamentação trazida na reforma para o teletrabalho é atual e equilibrada, permitindo ajustes conforme as necessidades e a realidade de cada empresa. E eventuais ajustes decorrentes das peculiaridades de cada empresa ou categoria de trabalhadores podem ser acerados, de comum acordo, pela negociação coletiva.   

E, quais as principais alterações da Reforma Trabalhista no Judiciário? 

A Reforma Trabalhista tem sido referendada pelos tribunais superiores. O próprio TST, que faz parte da estrutura da Justiça do Trabalho, já reconheceu a validade da extinção do pagamento de horas in itinere que se referem ao período em que o funcionário estaria à disposição da empresa por estar em deslocamento para o local de trabalho ou voltando para casa, bem como do fim da habitualidade, não sendo necessário que o trabalho ocorra em todos os dias da semana. Em ambos os casos, mesmo que o contrato de trabalho fosse anterior à Reforma.  

Da mesma forma, o STF já reconheceu como constitucionais o fim da obrigatoriedade da contribuição sindical (ADI nº 5794) e a validade da terceirização de qualquer tipo de atividade (ADPF nº 324).   

É claro que o tempo da Justiça é outro e, mesmo passados alguns anos da entrada em vigor da Reforma, ainda há temas pendentes de discussão, sobretudo pelo STF, para verificar a compatibilidade daquela lei com a Constituição, como por exemplo, o próprio trabalho intermitente. Contudo, temos verificado que, após alguma resistência inicial, os principais pontos da Reforma vêm sendo chancelados pelo Judiciário, sobretudo porque foram democraticamente aprovados após anos de discussão, o que é reconhecido pela Justiça.   

A CNI já encaminhou propostas aos pré-candidatos à Presidência da República nas eleições de 2022, quanto ao aperfeiçoamento dessa legislação trabalhista. Pode citar algumas dessas propostas?  

Um deles seria o de consolidar um ambiente de valorização do diálogo entre empregadores e trabalhadores. Outro seria atualizar e harmonizar regras previdenciárias e de saúde e segurança do trabalho, além da reformulação do Sistema Nacional de Emprego, o Sine, como instrumento para auxiliar na reinserção de desempregados no mercado de trabalho. Mas as principais são: permitir expressamente o trabalho multifunção, aperfeiçoar a aprendizagem, aperfeiçoas as regras de contratação de pessoas com deficiência, permitir a realização de exame de gravidez quando do desligamento da empregada, estabelecer tratamento trabalhista diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte, entre outas propostas. 




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