Rafaela Maximiano
Após dois anos de pandemia da covid-19, muitas dúvidas ainda povoam a mente dos brasileiros. Questões como a necessidade de vacinação mesmo após a contaminação pela doença, risco epidemiológico que os não vacinados podem acarretar à sociedade, novas doses de reforço da vacina, uso de máscaras em locais fechados ou não, acesso aos medicamentos específicos, sintomas da Covid longa (quando as pessoas permanecem com sequelas decorrentes da doença mesmo depois de passado o período da infecção), possibilidade de novas pandemias e as consequências da forma com que o país lida com a doença.
Na Entrevista da Semana ao FocoCidade o médico infectologista e professor Tiago Rodrigues Viana esclarece essas e outras dúvidas e pontua: “a gente não consulta políticos para saber se tem que tomar a vacina ou não. A gente consulta pessoas estudiosas no assunto e principalmente instituições que aprovam essas vacinas. Se não fosse pelas vacinas a nossa geração não estaria aqui. As vacinas salvaram a humanidade e seguem salvando a humanidade”.
O especialista também assevera: “uma pessoa não vacinada ou com esquema vacinal incompleto se prejudica e prejudica seu meio, perpetuando a doença e promovendo a oportunidade de mutações”, Tiago Rodrigues Viana.
Confira a entrevista na íntegra e boa leitura!
Dr. na sua avaliação qual a atual situação da pandemia: ela está controlada, estamos no fim ou temos outra situação?
A gente tem a transmissão ainda, mas os casos graves são bem menores, então eu digo que a pandemia está controlada. Também é só analisar os serviços de saúde eles não estão mais sobrecarregados, não precisou mais criar hospitais, leitos de UTIs, então sob esse ponto de vista a situação está controlada e a gente caminha para uma endemia, que é o que acontece com outras doenças como a H1N1, como dengue, que são doenças que ficam controladas e passam a fazer parte do nosso cotidiano. De vez em quando você vai ouvir falar de um caso mais grave, mas a maioria será de casos leves, então desse ponto de vista a doença está sim controlada.
Importante dizer que as UTIs públicas chegaram nas últimas semanas a 90% de ocupação, mas 92% de pessoas internadas hoje em UTIs por covid, são de pessoas que não vacinaram ou tem esquema vacinal incompleto.
Além do risco individual de contrair a forma grave da doença, qual é o risco para a sociedade (epidemiológico) de as pessoas que não se vacinaram com o esquema completo podem gerar?
As pessoas que não vacinam ou que não completam o esquema vacinal, elas não só se prejudicam como também prejudicam a sua comunidade. Cada pessoa não vacinada é um albergue vulnerável para a infecção viral. Essa pessoa pode padecer ou ter uma infecção muito complicada, precisar de internação, intubação e assim por diante. E, também tendo a doença na sua forma mais grave ou mais sintomática ela tende a ser mais infecciosa, ela transmite mais a doença, propaga a doença. Além disso, cada pessoa infectada é uma oportunidade a mais do vírus sofrer uma mutação, pois o vírus sofre mutação ao se replicar, quando ele infecta alguém acontece milhões de implicações e cada uma é uma chance a mais do vírus sofrer uma nova mutação e aí surgir uma cepa que drible o sistema imune com mais facilidade ou que seja mais violenta e tenha mais capacidade de gerar doença.
Então são esses dois prejuízos que uma pessoa não vacinada causa: ela se prejudica e prejudica seu meio, perpetuando a doença e promovendo a oportunidade de mutações.
Se não fosse pelas vacinas a nossa geração não estaria aqui. As vacinas salvaram a humanidade e seguem salvando a humanidade.
Quais problemas no tratamento individual, pois algumas pessoas compram medicamentos, testes e acabam não buscando acompanhamento profissional da área de saúde?
É uma pergunta até difícil de responder porque a maioria dos casos agora são leves, a pessoa precisa de repouso, medicação para os sintomas e ficar em isolamento. Então para esses casos, a falta do procedimento médico não tenha maiores prejuízos desde que a pessoa seja bem orientada com relação a isso. Agora se o paciente tiver em um crescente de sintomas, por exemplo, no terceiro dia estou pior que no segundo, no quarto dia estou pior que no terceiro, então piorando esses sintomas da covid ou a pessoa está com cansaço e falta de ar grande, aí passa a ser preocupante esse alto cuidado e alto medicação. A pessoa deve sim procurar atendimento médico e também se ela faz parte dos grupos de risco para complicações como, diabético, transplantado, alguma doença imunológica como HIV, paciente com tratamento de câncer, tabagista.
O perigo do alto cuidado é quando a pessoa já vem de um grupo de risco e não consegue distinguir os sintomas, ela acha que aguenta e é muito forte e procura o médico tarde demais.
Foi prematuro o fim da obrigatoriedade total de uso da máscara de proteção facial em espaços fechados ou é indiferente?
Acho que não podemos dar essa resposta correta para isso porque é muito difícil de definir se as pessoas devem ou não parar de usar a máscara em locais públicos traria benefícios ou malefícios, para uma doença que já existe vacina e tendo uma queda importante nos casos graves. Não sei se isso causou impacto. Tenho certeza que o que causa impactos nos casos graves é a baixa aderência vacinal completa. Diante de uma pandemia que matou quase 700 mil pessoas, apenas 60% da população brasileira tem esquema vacinal completo, isso é muito baixo pois passados mais de um ano e meio que essa vacina está disponível nós teríamos que termais de 80% ou 90% de aderência ao esquema vacinal completo. Então, esse fator é determinante para não termos casos graves, agora o não uso da máscara não tenho resposta.
O que eu digo sempre é que essa escolha é individual, e, a gente não precisa do Estado para definir se a gente usa máscara ou não. A pessoa calcula o seu risco benefício, se faz parte de um grupo de risco, ou se a pessoa quer correr menos risco de pegar covid, a pessoa deve sim usar máscara principalmente em lugares fechados e com aglomeração e exigir que os que estão à sua volta usem ou deixar de frequentar alguns ambientes se as pessoas não entendem. Esse risco deve ser avaliado pelas pessoas individualmente.
A Anvisa já autorizou uma série de medicações específicas para a Covid-19, entretanto, o Ministério das Saúde ainda não incorporou, por quê? E, esses medicamentos são para prevenção ou tratamento?
Esses medicamentos são para tratamento, antivirais aprovados nos Estados Unidos. O por que o Ministério da Saúde ainda não incorporou eu desconheço. Para o SUS incorporar os medicamentos tem que passar pela CONITEC, que é a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde. Ela avalia se o benefício para a saúde pública justifica esse custo de dinheiro público e isso leva tempo. Tem que se analisar por exemplo que estamos gastando bilhões em vacinas, vale a pena comprar um medicamento muito caro se na maioria os casos são leves. Creio que deva ser isso, eu não li sobre o assunto, o Ministério da Saúde aguarda o posicionamento na CONITEC para avaliar esse custo benefício.
O que é a Covid longa e quais as principais sequelas que se observa?
A covid longa é o nome que se tem utilizado para aqueles casos que duram mais que o esperado. É comum na maioria dos casos os sintomas durarem de cinco a sete dias. Algumas pessoas persistem os sintomas como tosse, cansaço, uma sensação de que tem uma corda amarrada no tórax e não consegue expandir o pulmão. E, esses casos que duram mais está associado a algumas sequelas que já foram notificadas por quem teve a covid como a queda de cabelo, prejuízo na memória, e assim por diante. Mas a covid longa é só um caso atípico que dura mais que o esperado.
Podemos falar que também vivemos uma epidemia da influenza (gripe)?
Esse quesito de epidemia depende da área que vamos estudar ou falar. Se pegarmos a cidade de Cuiabá, sim estamos vivendo uma epidemia pois muitas pessoas estão com sintomas gripais. Mas se eu pego o Estado de Mato Grosso e só tenho casos em Cuiabá aí não tenho epidemia em Mato Grosso, eu tenho um surto em Cuiabá. Só para diferenciar.
Outro aspecto importante é diferenciar gripe de resfriado. Gripe é causado pelo vírus influenza: H1N1, H3N2, e assim por diante. O resfriado tem vários vírus que podem causar como o rinovírus, mas são vários. A gripe os sintomas costumam ser mais exacerbados, a pessoa costuma ficar de cama. Eu costumo dizer que a gripe te tira do trabalho, o resfriado não, porque a gripe te dá febre, muita dor no corpo, muita fraqueza e é preciso repouso. O resfriado são aqueles sintomas de nariz congestionado, espirro, tosse, mas não te dá febre e não te deixa acamado e você consegue fazer as suas atividades normalmente.
Na prática é difícil de diferenciar, você escuta as pessoas falando “estou gripado”, mas a maioria desses casos é resfriado. Porém, nessa época do ano é esperado um aumento dessas infecções de vias aéreas, as pessoas ficam em locais fechados, mais aglomeradas por causa das baixas temperaturas. Todos os anos temos surtos de influenza e resfriados também.
E quanto à varíola do macaco, o que se sabe sobre prevenção e tratamento?
Tratamento específico não existe. É um vírus que causa uma doença mais leve que a varíola que foi extinta lá em 1980, e tratamento específico e medicamento não existe para ela. Quanto a prevenção é preciso entender a forma de transmissão. Por exemplo, a principal forma de transmissão da hepatite B é pela relação sexual desprotegida, então vou ter relação sexual protegida.
No caso da varíola do macaco a transmissão é de várias formas: vias aéreas, gotículas, da mesma forma que é a transmissão da covid, e, também contatos mais próximos, íntimos, toque na pele, pessoas que moram junto com uma pessoa, que convivem com a pessoa infectada, o contado com as feridas, as secreções da pessoa infectada que ficam em tecidos, no trinco da porta. O que tem que fazer é evitar esse contato com a pessoa que sabidamente está com a doença, ou me cuidar em relação a todas as pessoas.
O poder de transmissão é menor que a covid, exige um contato mais íntimo, mais próximo por isso que temos bem menos casos que a covid, pelo que vi o Brasil tem hoje 106 casos confirmados atualmente.
Quais medidas sanitárias são necessárias para que a grande circulação de pessoas entre estados e países, transportando vírus e bactérias em seus corpos, não provoque novas pandemias?
A gente ficava resfriado, ia para o trabalho sem máscara, passava a mão no nariz, tocava teclado do computador, em tudo, estando resfriado. Você ia ao mercado pegava em tudo e entrava no carro pegava no volante, no seu filho, sem higienizar as mãos. Acho que isso é uma lição que vai ficar, é um comportamento que tende a ficar, as pessoas sempre vão tomar mais cuidado com isso.
Agora para prevenir novas pandemias não sei se esses cuidados são suficientes porque como que surgem novas doenças? Geralmente é um vírus que existe na natureza e só infectar animais silvestres e aí tem o contato do ser humano com esse animal contaminado e esse vírus foi capaz de infectar também uma célula humana. Aquela pessoa que teve contato com o vírus transmite a outras pessoas e assim por diante. As pandemias costumam surgir assim: vírus que antes circulavam somente entre animais silvestres e passam a infectar seres humanos.
Quanto menos há interação de homens com animais silvestres, principalmente em feiras que vendem animais vivos ou frescos, menor o risco de termos novas pandemias, novas doenças infectocontagiosas. Se observarmos a peste negra foi assim, a gripe aviária foi assim, a gripe suína foi assim, a covid, então todas surgem do contato do homem com animais silvestres. Quanto menos esse contato existir, menor chance de surgir novas pandemias.
Outro ponto relevante ou considerações finais a fazer...
Sim. Quando a pessoa vai decorar o apartamento se procura um decorador ou arquiteto de interior, quando vamos fazer uma casa procuramos um engenheiro, quando o nosso carro quebra procuramos um mecânico. Quando diz respeito à sua saúde e a dos seus, como por exemplo o hábito de vacinar que é considerado obra-prima da medicina, pois se não fosse pelas vacinas não estaríamos aqui, é bom ter opiniões de instituições e profissionais respaldados no assunto.
A gente não consulta políticos para saber se tem que tomar a vacina ou não, a gente não consulta o pai, a mãe, ou avô ou filho, a gente consulta pessoas estudiosas no assunto e principalmente instituições que aprovam essas vacinas. Lê o que essas instituições publicam, o que os estudos publicam sobre essas vacinas. Se não fosse pelas vacinas a nossa geração não estaria aqui. As vacinas salvaram a humanidade e seguem salvando a humanidade.
Há um ano quando começaram a vacinar, as notícias eram que surgiriam síndromes nunca antes vistas, porque as vacinas eram tecnologias novas, experimentais, que veríamos doenças horríveis, que teriam alterações de DNA, os maiores absurdos e bizarrices. Passados um ano e meio de vacinação, temos mais de 6 bilhões de doses aplicadas no mundo, nenhum hospital ficou lotado por doenças provocadas pelas vacinas, muito pelo contrário, as vacinas salvaram. Será que se pudéssemos perguntar a todos que perdemos para a covid se a pessoa pudesse estar aqui agora na era da vacina ela se vacinaria ou não? Infelizmente esse arrependimento não tem como voltar.
Mas a mensagem que eu deixo é vacine-se e convença os seus a vacinarem-se, porque vacinas salvam e essa é a única verdade. Se a vacina foi aprovada ela é segura e eficaz, como elas têm se mostrado e paramos de ver pessoas queridas morrendo de covid.
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