• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

A balbúrdia da tributação e o Imposto Único na análise de Carlos Montenegro, Victor Maizman e Fernando Henrique


Rafaela Maximiano

O sistema tributário brasileiro é considerado um dos mais complexos e onerosos do mundo, e por esse motivo a busca pela simplificação passou a ser objeto de desejo de toda a população brasileira, na tentativa de pagar menos impostos ou impostos mais justos.  

A proposta de um imposto único continua viva no Congresso, e esse é o tema da Entrevista da Semana. O FocoCidade conversou com dois advogados especialistas em Direito Tributário, Victor Humberto Maizmam e Carlos Montenegro, e o economista Fernando Henrique da Conceição Dias.  

No Congresso, a proposta de um imposto único tramita na forma da Emenda Substitutiva nº 20 à PEC 45. A proposta prevê a criação de um imposto único sobre transações financeiras, com alíquota básica de 2,5%.  

Os entrevistados responderam duas perguntas fundamentais relativas à proposta de um imposto único: Poderia avaliar essa proposta e explicar como ela funcionaria? E, quais as chances dessa proposta ser aprovada e em quanto tempo passaria a valer no Brasil?   

Como o próprio nome sugere, esse imposto substituiria todos os demais, mas teria caráter seletivo, dando alguma margem de manobra para políticas econômicas ao permitir ampliar ou reduzir a alíquota de determinados produtos. E, como o imposto seria cobrado pelo sistema bancário no momento da compra de produtos ou serviços, as notas fiscais perderiam a importância contábil, existira apenas para garantia do produto ou serviço.  

Os especialistas concordam que a proposta do imposto único simplificaria o sistema tributário brasileiro, ampliaria a base da arrecadação, e em tese seria mais justo. Eles também pontuam que a ideia de um imposto único sobre transações financeiras não é exatamente nova e remete à extinta CPMF, a Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras, que foi alvo de mobilizações envolvendo diversos setores da economia que pediam o seu fim.   Henrique

Confira a entrevista na íntegra, considerando os mesmos questionamentos iniciais aos entrevistados:  

Victor Maizmam 

Poderia avaliar essa proposta e explicar como ela funcionaria? 

No tocante a proposta da instituição de imposto único tem como fundamento ampliar a base de contribuintes e reduzir a carga tributária final, sem prejuízo de reduzir a burocracia fiscal decorrente das chamadas obrigações assessórias, tais como apresentação de documentos e informações referentes as operações efetivadas.   

No caso, a proposta é no sentido de substituir todos os impostos por um único que incida sobre as movimentações financeiras, à exemplo da malfadada CPMF. Todavia, tal proposta esbarra na regra constitucional que trata da necessidade de se observar a capacidade contributiva do contribuinte. Denota-se que nem toda movimentação financeira decorre do patrimônio do contribuinte, mas sim de terceiros. Exemplo daquele que recebe valores em nome de terceiros para depois distribuir aos respectivos proprietários.   

Outra resistência que tal proposta encontra no Congresso Nacional decorre do fato de que o imposto único retira da União, Estados e Municípios o poder de instituir tributos de suas competências e o poder de gerir os recursos arrecadados, ou seja, embora a proposta tenha uma justificativa razoável, a ideia de imposto único esbarra em inúmeros interesses, mormente por parte dos entes federados conforme acima mencionado. 

Importante ressaltar, que a proposta da instituição de um único imposto sobre o consumo, denominado de IVA, o Imposto sobre Valor Agregado - em que se aglutina o ICMS, ISS, IPI, PIS/COFINS, previsto nas Emendas Constitucionais que tratam da Reforma Tributária, já encontra severas resistências junto ao Senado Federal e a Câmara dos Deputados.   

Quais as chances dessa proposta ser aprovada e em quanto tempo passaria a valer no Brasil?  

Na remota hipótese de ser aprovada tal proposta que trata da instituição de imposto único, a Constituição Federal apenas assegura que a instituição de tributo que venha acarretar a majoração tributária pode ter eficácia no primeiro dia do ano posterior a data da respectiva publicação no Diário Oficial.  

 

Carlos Montenegro  

1 - A ideia aí é criar um tributo único que vai incidir sobre movimentações financeiras. Uma alíquota de 2,5% em substituição aos demais tributos existentes, exceto os de comercio exterior. O objetivo da proposta é simplificar o regime tributário atual, o qual é sabidamente complexo, difícil, burocrático e custoso, para que o tributo venha ser recolhido diretamente pelas instituições financeiras a partir das movimentações bancárias e financeiras realizadas.   

Então em tese quem movimenta menos recurso paga menos imposto e quem movimenta mais recursos paga mais. Contudo, essa ideia é meio relativa porque primeiro isso se remonta a gente a caba revivendo a CPMF, que é famigerada por muitos, ela é um tributo que nunca deu certo, nunca foi bem quisto, e é um tributo eficaz de arrecadação, mas por muitas vezes é injusto. E, explico porque: supondo uma situação onde a pessoa empresta um dinheiro para alguém, e, esse dinheiro quando você envia ele é tributado e quando você recebe ele é tributado de novo. Na verdade, sobre o mesmo recurso a gente acaba tendo uma dupla tributação e acaba ficando oneroso.  

Em grandes escalas: você transfere de uma conta, um dinheiro para a esposa, não é conta conjunta, esse dinheiro é da família e mesmo assim haverá tributação tanto na entrada quanto na saída se ela for te devolver. Acaba virando um sistema extremamente oneroso e que pode não atingir a sua finalidade. Agora ele é de todo ruim? Não ele tem situações que podem fazer ele ser considerado um bom tributo. A exemplo dele simplificar todas as obrigações acessórias da legislação tributária, existe inclusive a possibilidade de sequer ter a necessidade de emitir notas fiscais porque a tributação é feita pela movimentação financeira, deixa-se de tributar os serviços, deixa de se tributar o comercio e deixa de se tributar a renda para se tributar movimentação financeira. Então isso obviamente é mais simples, mas tem todos os percalços que podem atentar inclusive contra a própria capacidade produtiva.  

Falarmos que vai tributar menos quem movimenta e recebe menos pode não ser uma verdade absoluta, se essa pessoa que recebe menos movimenta aquele recurso diversas vezes. Ele se torna um imposto sobre movimentação e não sobre ganho, sobre renda, sobre aumento patrimonial, é algo completamente distinto.  

2 - Eu acredito que esse tributo realmente tenha grandes dificuldades de ser aprovado. Mas, supondo que venha a ser aprovado este ano, ele só poderia valer a partir do ano que vem. Não é algo imediato, precisa se respeitar a legislação tributária, o princípio da interioridade, da anualidade, então é algo que só entraria em vigor no ano que vem.   

Mas vai ter que passar pelo Congresso, eu acho mais fácil a reforma tributária da forma como vem sendo discutida ser aprovada, do que este tributo. Não se nega aí o propósito, a boa intensão de se apresentar um projeto desse que traz uma simplificação gigantesca e revoluciona todo o sistema tributário. Basta dizer que não vai mais existir contencioso tributário, não vai mais existir litígio, porque se o tributo é recolhido pela movimentação e o banco que faz esse recolhimento debitando das contas dos contribuintes não teremos inadimplência, então essa é uma vantagem. Mas por outro lado existem todos aqueles fatores de dupla e tripla tributação sobre o mesmo capital, o que encarece ou pode vir a encarecer determinadas transações.  

 

Fernando Henrique da Conceição Dias  

1 - O imposto único passa pela reforma tributária e já estamos há anos tentando fazer essa reforma e por questões muito mais políticas do que econômicas ela não é feita. Na verdade, já está passando da hora. O objetivo é bem simples, vai alterar a estrutura legal dos impostos, das taxas e das outras contribuições do sistema tributário nosso e vai impactar não somente as empresas, como também os consumidores finais de produtos e serviços.  

As vantagens caso esse novo sistema tributário seja aprovado: ela vai simplificar criando o imposto único sobre o consumo e transação financeira. Vai desonerar principalmente o consumo e justamente a apuração do recolhimento dos consumos. Por exemplo, a nota fiscal de um produto adquirido no shopping poderia ser dispensada pelo consumidor para fins contábeis, somente para fins de garantia do produto.  

Outra vantagem é que os impostos ficariam unificados a um único produto e não terá mais disputa tributária entre Estados e entre os Municípios. E também entre Estado e Municípios já que é unificado em uma única esfera.  

Se o imposto único passar, a CSLL - que são postos recolhidos por pessoa jurídica – também será incorporada ao imposto de pessoa jurídica, em relação aos rendimentos e lucros da empresa.   

Os setores que acabarão sendo isentos de impostos sobre o consumo caso o imposto único seja aprovado por exemplo: energia elétrica, combustíveis, telecomunicação, bebidas, veículos, entre outros. 

Mas também tem desvantagens: a carga tributária vai continuar a mesma. Não existirá redução da carga tributária. Com a reforma tributária aprovada teremos o fim das renuncias tributárias, já que haverá apenas um imposto e, não haverá alteração no tributo de renda e patrimônio. 

2 - Mesmo que essa reforma tributária passe, seja aprovada essa questão do imposto único, demoraria de duas décadas – estou falando de 20 anos – para realmente essas questões da reforma sejam ajustadas para as empresas e para as pessoas. Por mais que a reforma tributária seja urgente e esse imposto único passe ele pode ser vigorado de forma rápida, porém essas políticas que citei de vantagens e desvantagens precisaremos de aproximadamente duas décadas para ir ajustando essa reforma. Não é uma política pública de curto prazo e sim de médio prazo. Para vermos realmente funcionando em termos econômicos levaríamos duas décadas aproximadamente para sentirmos os efeitos econômicos.  

Precisamos de uma reforma tributária simplificadora por meio da fusão ou substituição de vários tributos por um único. Isso vai ajudar muito em uma reforma que chamamos de par e passo que é a tributação direta: renda x riqueza. Isso porque o imposto único visa a neutralidade, e, hoje temos um grande emaranhado de tributos e impostos que não favorecem as pessoas. O imposto único soluciona o problema da cumulatividade e suaviza a guerra fiscal, porém essa mudança do imposto único não implica na melhora distributiva do sistema.   

Aí o Brasil precisa entender que o mundo já está revendo esses paradigmas em relação à tributação. Outros países desenvolvidos e os subdesenvolvidos já vem a eficiência da equidade, e o Brasil também precisa ver para que tenhamos uma sociedade mais justa e solidária. Precisamos evoluir nosso sistema tributário para promover eficiência e equidade, mas por questões políticas e de pouca mobilização social a reforma tributária não consegue sair do papel e já faz 12 ou 15 anos que ela está sendo discutida. 




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