Rafaela Maximiano
O passado político do Estado de Mato Grosso reflete na política atual? De acordo com o historiador e advogado Alfredo da Mota Menezes, não. “A política antiga não afeta mais o atual momento político de Mato Grosso”.
A análise é feita após a recente reedição do seu livro “A Morte de Totó Paes – Política no Interior do Brasil”. Segundo Alfredo a morte do governador Antônio Paes de Barros em 1906, por grupo de desafetos formados por membros de famílias tradicionais cuiabanas como Ponce, Correia da Costa, os Muller, os Murtinho e outros, propiciou a esse grupo ficar no poder por mais de meio século.
“Com a chegada dos sulistas, a conquista do Nortão de Mato Grosso, com o explodir de cidades, com o comportamento de cultura nova, e a produção agrícola crescendo muito, não acredito que esse pessoal tenha a influência da política lá do passado. Há uma nova realidade, um novo Brasil e aquela coisa da política mais antiga não acredito que afeta o atual momento político não”, pontua.
Na Entrevista da Semana, ao FocoCidade, Alfredo também detalha porque escolheu o fato político da morte de Antônio Paes de Barros para escrever um livro, explica porque o governador foi morto em troca de tiros e como realizou a pesquisa para escrever a obra.
O livro “A Morte de Totó Paes – Política no Interior do Brasil” foi lançado inicialmente em inicialmente em 2007 pela editora Carlini & Caniato. Relançado agora em 2022 pela mesma editora, passou por atualização da ortografia apenas, não teve seu conteúdo alterado.
Alfredo da Mota Menezes é historiador, advogado, mestre e pós-doutor (PhD em História da América Latina pela Tulane University, EUA), além de analista político.
Boa Leitura!
Por que a escolha do tema da morte de Antônio Paes de Barros ou Totó Paes como tema um livro?
A escolha sobre a morte do Totó Paes é que este assunto na história local é muito comentado, ou era num passado mais recente. Não estou dizendo muito longe não, que a explosão populacional em Cuiabá agora trouxe muita gente de fora e esses têm outra visão de Cuiabá e Mato Grosso. Mas numa Cuiabá de 20 ou 30 anos atrás se falava de mais nesta questão do Totó Paes.
Ele foi um dos homens ou era um dos homens mais ricos da época. Dono da fazenda Itaicy, que produzia açúcar, álcool e tudo mais, às margens do Rio Cuiabá que até hoje pode se ver a usina, inclusive está na capa do livro. Foi construída por engenheiros da Alemanha, o empréstimo para construí-la também veio da Alemanha. E, ele no governo, um dos homens mais ricos da época e político - não era político de carreira - mas era governador, então o fato da sua morte teve uma repercussão enorme.
E, também, porque os vencedores da luta, os Murtinho, os Ponce e tudo mais; as famílias também se entrelaçaram com os Correia da Costa, isso ficou então - esse pessoal, grupo - ficaram tentando denegrir a imagem de Totó Paes. Falavam que ele era violento, e teve o episódio da baía dos Garcez, ou seja, procuravam de todas as maneiras enegrecer, escurecer a memória desse personagem da história de Mato Grosso.
Foi aí que eu tive a intenção de buscar o máximo possível a verdade dos fatos para desvendar o que aconteceu. Quem era a pessoa, qual o problema político da época e tudo o que aconteceu.
O livro foi reeditado agora em 2022, traz alguma atualização, novidade?
Não. Esta é a segunda edição, mas não tem nada alterado. Não acrescentei capítulo, não acrescentei novidade. Foi feito uma revisão do português, mas o conteúdo é o mesmo da primeira edição.
Desvendar a morte do ex-governador é o principal objetivo da publicação?
Desvendar a morte é um dos motivos da análise do livro, mas também se entender porque se chegou àquele desfecho, à morte do Governador. E aí teve que se entrar na análise da política da época. E a política da época em Mato Grosso era digamos, brava, competitiva mesmo.
Tem que se levar em conta alguns aspectos, por exemplo: quem controlava o poder, o governo, controlava os empregos. Veja só, até hoje emprego em governo é uma busca danada imagina numa época em que Cuiabá tinha comercio pequeno, indústria pequena, as alternativas de atividades econômicas eram pequenas. Então, a questão do emprego público no Estado e no Município era muito importante. Também tem o emprego público federal, os governadores e senadores eram quem mandavam e tiravam benefício disso também. Chegar ao poder era objetivo bem maior do que só político por si só.
A intensão mesmo era entender a política da época, com todos os detalhes e o livro mostra, ou ao menos tenta – não vou fazer autoelogio – fica um bom tempo em torno dos fatos políticos daquele momento. A intensão maior foi entender o momento e entendendo o momento dá para entender que se chegou à morte do governador.
O govenador foi assassinado ou morto em luta, e a quem interessava sua morte?
Totó Paes foi morto em luta. Em troca de tiros. Um grupo de um lado e outro de outro. Ele se refugiou ali no Coxipó do Ouro e o pessoal na cassa dele, troca de tiro entre seu pessoal e os do outro grupo. Falta o detalhe de dizer o seguinte: será que o governador poderia ter sido capturado vivo? Ou foi capturado vivo naquela troca de tiros e aí o mataram. Não tem um documento, não tem um depoimento que diz: o pessoal de um lado ganhou e conseguiu aprisionar e aí mataram o governador. Não existe uma informação, nem das pessoas que sobreviveram do lado do Totó Paes para dizer: o governador foi ferido (estou inventando uma hipótese) e aí se entregou e aí o mataram. Não existe nada disso. O que se sabe foi essa troca de tiros entre os grupos. Pode set que depois de morto ainda deram mais um tiro ou qualquer coisa assim, mas ele foi morto na troca de tiros sim.
O Totó Paes como um outsider como se diz - que não pertence a um grupo determinado – do lado empresarial, entrando na política e alterando rumos políticos, se ligando ao presidente da República, passando por cima do famoso Joaquim Murtinho – que foi senador de Mato Grosso e ministro da Fazenda na área Federal. Passando por cima dos Ponce, dos Correia da Costa; este pessoal não queria um tipo de político diferente. Não que ele fosse melhor, mas porque ele não pertencia a grupos e poderia até criar um grupo novo. Era melhor então eliminar este outsider, como a coisa chegou num ponto de ter troca de tiros de grupos contra grupos. Um atirando no outro como se fosse uma guerra. Isso que ocorreu.
Como conseguiu reunir os documentos e informações necessárias para consolidação da obra, pois são inúmeros fatos nacionais e regionais?
Sobre a documentação tem no arquivo público – o livro cita os documentos, mas tem muita informação, documentos às dezenas ou centenas, no livro de Generoso Ponce Filho. Que é filho do Generoso Ponce, um dos desafetos do Totó Paes e era político na época, foi senador e tudo mais, e, depois da morte do governador eles tomaram conta da política. E, o filho recolheu cartas, documentos, etc, matérias de jornais e colocou tudo nesse livro sobre o pai, Generoso Ponce, e que é o título do livro. Ali tem uma quantidade impressionante de documentos e como já disse no Arquivo Público, e também publicações avulsas. Bom lembrar que está tudo citado no livro, onde foi buscada essas informações para escrever esse livro sobre Totó Paes.
O conteúdo do livro mostra o quanto a política sempre permeou Mato Grosso. Como o passado político de nosso Estado reflete na atualidade?
A política permeou Mato Grosso mesmo. Depois da morte de Totó Paes o grupo ganhador, casando entre si, Ponce, Correia da Costa, os Muller, os Murtinho e tudo mais, eles tomaram conta da política no Estado por cerca de 60 anos, o grupo ganhador. Eles mesmos se dividiram depois em UDN, ex UDN, ex PSD, se digladiando na política, mas eram todos praticamente de famílias interligadas, entrelaçadas. Lá atrás, eles se juntaram todos para eliminar o Totó Paes, depois ficaram divididos, mas seja entra a ex UND, seja estrar o ex PSD no governo, as famílias estavam entrelaçadas, os cuiabanos é que mandavam. A morte do Totó Paes propiciou a esse grupo ficar no poder por mais de meio século.
Não acho que na atualidade, digamos esse novo Mato Grosso da década de 1970 para cá com a chegada dos sulistas do Paraná, Rio Grande do Sul, com a conquista do Nortão de Mato Grosso, com o explodir de cidades, com o o comportamento de cultura nova, com a produção agrícola crescendo muito, com a chegada do que eu chamo de “novos mato-grossenses” mudando o comportamento, não acredito que esse pessoal tenha a influência da política lá do passado. Não, não vejo. Até um tempo atrás eu diria, pela década de 60 até 1970, se via ainda o reflexo da política anterior, do controle anterior na política daquele momento. Mas depois de um tempo para cá há um novo Mato Grosso, uma nova realidade, há um novo Brasil e aquela coisa da política mais antiga não acredito que afeta o atual momento político não.
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