Rafaela Maximiano - Da Redação
O que é a Reforma Tributária, os caminhos que estão sendo trilhados, seu fatiamento, além das consequências positivas e negativas que devem impactar pequenas e grandes empresas, contribuintes e o sistema econômico em geral, foram assuntos da Entrevista da Semana.
Discutidos pelos advogados tributaristas, Victor Humberto Maizman e Carlos Montenegro ao FocoCidade, fica claro que ainda não será dessa vez que o brasileiro terá um sistema tributário justo, eficiente e eficaz. Além da população ainda ter que arcar com um aumento nos impostos.
“Existe a pretensão de minimizar a burocracia fiscal, no sentido de unificar alguns tributos federais, porém não apresentando redução na carga tributária”, afirma Victor Maizman.
Carlos Montenegro também entende que devem haver aumentos de impostos: “Inclusive o ministro Paulo Guedes manifestou que houve um erro de cálculo no produto final da Reforma Tributária e que houve aí uma majoração maior do que a esperada. Possível que existam ajustes, mas a tendência é de aumento da carga pelo que vemos”.
A necessidade de se realizar a Reforma Administrativa antes da Tributária; revisão de orçamento; o fim de penduricalhos no serviço público; e como seria uma reforma tributária justa, também foram temas de questionamentos respondidos pelos especialistas.
“Acho muito difícil ter uma Reforma Tributária eficiente e eficaz ao mesmo tempo, pela enormidade de tributos que existem, pelos vários entes competentes pela tributação principalmente União, Estados e Municípios. E, muitas vezes com conflitos de interesses, inclusive com conflitos sobre a gestão dos recursos que são arrecadados, e, consequentemente autonomia em relação à decisão sobre o que fazer com o recurso arrecadado. E a reforma mexe justamente nessas feridas. Por isso que há tempo de fala de Reforma Tributária e pouco se faz ou nada se faz no sentido de alterar essa situação”, analisa Montenegro.
Confira a entrevista na íntegra:
Victor Humberto Maizman
De forma didática o que é a reforma tributária e de que forma vai impactar as grandes e as pequenas empresas?
A Constituição Federal determina quais os tributos passíveis de serem instituídos, bem como quais tributos que cada um dos entes federados pode instituir, ou seja, os tributos de competência da União, dos Estados e do Distrito Federal bem como dos municípios. Da mesma forma cabe a Constituição Federal impor limites ao Poder Público no tocante o referido poder de tributar.
Pois bem, a reforma tributária nada mais é do que alterar a Constituição Federal, bem como as leis decorrentes do texto constitucional. Todavia, a minha crítica é no sentido de que toda proposta de emenda constitucional nunca busca ampliar as limitações do poder de tributar, mas sim, definir com quem ficará a maior parte da arrecadação.
No tocante, o impacto nas grandes empresas, de fato de acordo com a proposta apresentada, existe a pretensão de minimizar a burocracia fiscal, no sentido de unificar alguns tributos federais, porém não apresentando redução na carga tributária. Já para as pequenas empresas, a proposta de reforma tributária é pífia, uma vez que a própria Constituição Federal dispõe que as micro e pequenas empresas devem ter um tratamento benéfico e diferenciado, de modo que precisaria avançar e muito nessa questão.
Na prática, a Reforma vai aumentar impostos para a população de forma geral?
A regra é simples. Se aumentar a carga tributária das empresas, automaticamente o custo fiscal será repassado no preço do produto ou do serviço prestado ao consumidor final. Então vamos para um exemplo, em nenhum ponto da proposta de Reforma Tributária consta a limitação para se tributar a energia elétrica. Ou seja, se é notória que a tributação sobre o consumo é maléfica a sociedade, indaga-se, por qual razão não deveria ter uma proposta de reforma nessa questão?
Alguns especialistas defendem que antes dessa matéria, seja necessária aprovação da Reforma Administrativa. Como avalia?
Estou de acordo. Cada vez mais o custo de manter a máquina estatal aumenta. E como que vai manter essa despesa? É com majoração da carga tributária. O exemplo recente é o fato que nessa semana o Congresso Nacional aprovou que R$ 5,7 bilhões de reais do orçamento devem ser destinados aos partidos políticos. Ou seja, no exercício anterior o valor era de R$ 2 bilhões e agora mais do que dobrou. Indaga-se: de onde vem esse dinheiro do orçamento? É claro que é do contribuinte.
De que forma deveria ser uma Reforma Tributária justa, do ponto de vista do direito do cidadão que é o provedor dos recursos públicos que mantém toda a estrutura da máquina pública do país?
A reforma deveria ser tratada de baixo para cima, quer dizer, a partir das demandas do cidadão. Exemplo, por qual razão não alterar a regra do imposto de renda pessoa física e permitir a dedução integral com despesas com educação e despesas com medicamentos?
Porque na sua opinião, Poderes e órgãos de forma geral rejeitam revisão sobre o orçamento?
Em síntese entendo que falta ainda a consciência do cidadão contribuinte no sentido de cobrar dos parlamentares sobre a destinação dos recursos públicos, quer dizer, recursos dos contribuintes.
Acabar com os chamados penduricalhos - adicionais que engordam o bolso de que integra a máquina pública não seria o primeiro passo para uma reforma que desonere a população de altas cargas tributárias?
Sem dúvida. Por essa razão como mencionado, sou a favor de ser efetivada uma ampla reforma administrativa. É necessário rever o orçamento.
Vamos ficar então somente na ilusão de uma Reforma eficiente, poderíamos classificar como um sonho não realizável, ou existe um caminho para mudar isso - e qual o caminho?
Enquanto o cidadão não tiver a consciência para cobrar os parlamentares para que seja revisto o orçamento, a necessária reforma tributária é ilusória. A questão é cultural. Temos que ter a exata ideia de que não existe dinheiro público, existe sim, dinheiro dos contribuintes.
Carlos Montenegro
De forma didática o que é a reforma tributária e de que forma vai impactar as grandes e as pequenas empresas?
A reforma tributária nada mais é do que o conjunto de atos normativos, constitucionais legais que têm por objetivo maior, modificar a legislação tributária no intuito de melhorá-la. Agora, melhorar o sistema tributário tem uma amplitude muito grande. Melhorar significa dar mais eficiência ao Sistema, simplificar a forma de apuração e de recolhimento dos tributos, de ajustar a carga tributária a uma realidade compatível com a necessidade do país e dentro do possível ajustar os tributos a uma capacidade de pagamento – que é um princípio constitucional. Então ela é muito complicada porque o sistema tributário brasileiro, ele é rígido e estabelece de forma precisa quais tributos podem ser cobrados por cada Ente da Federação e isso implica na autonomia destes Entes em promover a gestão dos recursos oriundos da sua arrecadação. Então quando falamos de arrecadação, simplificação, estamos falando também de possíveis modificações acerca da gestão dos próprios recursos e isso traz obviamente embates duros e conflitos de interesses.
Além disso, o impacto pode ser nulo; pode ser positivo para contribuintes e empresas ou pode ser negativo, com aumento da carga tributária. A reforma traz múltiplos aspectos. Ela pode simplificar a arrecadação e o pagamento de tributos e aumentar a carga, assim como ela pode manter a complexidade que hoje existe e inclusive aumenta-la e reduzir a caga. Vale lembrar que o Brasil é um país que tem uma alta carga tributária, um sistema de arrecadação e apuração extremamente complexo e a reforma vem para tentar melhorar tudo isso. Ninguém promove uma reforma de qualquer coisa com o objetivo de piorar uma situação existente. E, essa reforma tem por objetivo também atualizar nosso sistema tributário, moderniza-lo; que é antigo se comparado com o de outros países.
Na proposta que hoje está em debate, o impacto tende a ser positivo sob um ponto de vista e negativo sobre outro. Negativo porque possivelmente haverá um aumento de carga tributária, na forma como foi posto. E, mais que isso, poderá haver uma injustiça tributária, porque o sistema de arrecadação sobre o consumo, que é o conceito do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços é um novo tributo que está sendo proposto para substituir cinco outros tributos que existem atualmente: PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), privilegia os grandes centros que onde esse consumo se estabelece. Então centros menos industrializados tendem a ser preteridos nesta reforma tributária. Sob o ponto de vista positivo é a busca de uma maior eficiência com eliminação de boa parte dos tributos e consequentemente das obrigações acessórias, ou seja, dos deveres instrumentais de boa parte deles, então há uma simplificação na forma de apuração. O ideal é que tenhamos um sistema mais eficiente e com a carga fiscal justa, não é o que aparenta ocorrer com essa reforma tributária em andamento.
Na prática, a Reforma vai aumentar impostos para a população de forma geral?
Entendo que sim. Inclusive o ministro Paulo Guedes manifestou que houve um erro de cálculo no produto final da reforma tributária e que houve aí uma majoração maior do que a esperada. Possível que existam ajustes, mas a tendência é de aumento de carga pelo que vemos. O imposto de renda sobre a retirada de lucros e dividendos auferidos pelas empresas que hoje é isento e passaria a ser tributado, primeiro que existiria aí uma tributação da própria atividade econômica e num segundo momento na retirada do lucro aos sócios proprietários dos negócios. Então, ao mesmo tempo que se estabeleceu uma tributação sobre os lucros não houve uma redução proporcional na tributação da empresa, o que ao final aumenta a tributação ao investidor, àquele que detém o negócio. Isso pode afugentar investimentos no país ao mesmo tempo que aumenta sensivelmente a carga tributária de muitos negócios. Além do que a própria situação dos impostos sobre bens e serviços está distorcida considerando a existência de polos consumidores maiores do que outros sem a correspondente contrapartida ou ajuste para resolver o problema das desigualdades. Então a tendência realmente é de aumento da carga tributária.
Alguns especialistas defendem que antes dessa matéria, seja necessária aprovação da Reforma Administrativa. Como avalia?
Sou um dos defensores dessa ideia. Há tempos escrevo sobre isso porque o sistema tributário é um sistema fim que tem por objetivo de cobrir todos os gastos do governo e proporcionar investimentos. Então entra a questão: quanto você precisa arrecadar para pagar suas contas e investir? Se você fizer essa conta num momento posterior à reformulação dos gastos acaba que você distorce toda uma lógica e um raciocínio sobre o assunto. Primeiramente deveriam ser revistos os gastos e estimado os investimentos, ou seja, promovendo uma redução da máquina administrativa de forma a dar mais eficiência à mesma. Lembrando que em muitos momentos a máquina administrativa se faz incompatível e distante da iniciativa privada, e isso tende a ser revisto e com consequente redução do custo da máquina administrativa. E, se há uma redução do custo porque não refletir essa redução no conteúdo de uma reforma tributária posterior. Porque depois que se aumenta um tributo, ou é feita uma reforma tributária que estabelece uma carga pré-definida dificilmente essa carga virá a ser reduzida na hipótese de uma reforma administrativa que torne o sistema mais eficiente. Então me parece que a ordem realmente está invertida.
De que forma deveria ser uma Reforma Tributária justa, do ponto de vista do direito do cidadão que é o provedor dos recursos públicos que mantém toda a estrutura da máquina pública do país?
A Constituição estabelece um princípio fundamental que deveria nortear toda a política tributária, que é o da capacidade contributiva, ou seja, contribui mais quem tem mais capacidade de contribuir. Então esse princípio deveria ser tomado como norte. Isso traz uma reforma tributária justa. Agora, não se pode afirmar justiça se não há também a contraprestação do ente público em relação aos serviços que são devolvidos à sociedade. Você paga impostos com um objetivo que deve vir com uma contraprestação de serviços públicos de qualidade. Transporte, saúde, segurança, são serviços que a gente espera minimamente sejam prestados com qualidade e não vemos isso. Então uma reforma tributária justa seria que do lado do contribuinte seja assegurada capacidade contributiva, ao mesmo tempo que seja assegurada a qualidade dos serviços oferecidos pelas entidades públicas.
Por que na sua opinião, Poderes e órgãos de forma geral rejeitam revisão sobre o orçamento?
Na verdade, quando você altera o orçamento imagina-se que você tenha que tirar de um lugar para alocar em outro e isso incomoda muita gente. São setores que batalham pela defesa de recursos para suas áreas, por exemplo, o Poder Judiciário defende o repasse daquilo que vá oportunizar a ele prestar um melhor serviço possível para a sociedade. Assim como o governo na parte de saúde, educação, então é uma constante briga por maiores recursos para que possam ser prestados os melhores serviços à sociedade. Então, eu vejo isso de uma forma absolutamente natural e salutar de certo modo porque é uma briga por recursos no intuito de fomentar sua atividade de interesse. A meu ver é normal e faz parte da democracia.
Acabar com os chamados penduricalhos - adicionais que engordam o bolso de quem integra a máquina pública não seria o primeiro passo para uma reforma que desonere a população de altas cargas tributárias?
Isso passa pela reforma administrativa. Na verdade, se a reforma administrativa viesse antes da reforma tributária, certamente atitudes como essa seriam de grande valia pois acarretariam uma carga tributária menor. Há temos sustentos que existe uma diferença muito grande entre a vida de quem trabalha na iniciativa privada com a vida quem trabalha como servidor público. Sem desmerecer qualquer tipo de enquadramento, pelo contrário acho que cada um tem a livre escolha. Quem trabalha na iniciativa privada pode prestar um concurso para trabalhar na iniciativa pública, mas o que a gente vê são situações que muitas vezes são desiguais. Isso não é bom e desanima muitos que trabalham na iniciativa privada e acho que podiam ser revistos vários incentivos, ou penduricalhos, na tentativa de trazer uma justiça, um equilíbrio, algo que seja razoável e compatível entre as iniciativas pública e privada.
Isso não quer dizer que o servidor público não deva ter uma boa remuneração, muito pelo contrário, entendo que o servidor público presta serviço da mais profunda relevância e deve sim ser bem remunerado até para que não haja aspectos de corrupção e tudo mais. A questão é fazer que tudo isso seja transparente e tenha uma justiça ao próprio cargo exercido.
Vamos ficar então somente na ilusão de uma Reforma eficiente, poderíamos classificar como um sonho não realizável, ou existe um caminho para mudar isso - e qual o caminho?
Eu já ouvi de muita gente que ela dificilmente sairia do papel. E a reforma tributária perfeita já mais ocorrerá. Já ouvi muito. E, o que eu posso dizer é que o processo ele é tão complexo que é difícil imaginar que seria aprovado uma reforma tributária que ao mesmo tempo em que seja eficiente seja eficaz tributariamente. Existem múltiplos interesses envolvidos, contrapostos e geram uma incapacidade política de aprovação de projetos que gerem uma unanimidade, ou mesmo uma maioria considerável. Acho muito difícil ter uma reforma tributária eficiente e eficaz ao mesmo tempo, pela enormidade de tributos que existem, pelos vários entes competentes pela tributação principalmente União, Estados e Municípios. E, muitas vezes com conflitos de interesses, inclusive com conflitos sobre a gestão dos recursos que são arrecadados, e, consequentemente autonomia em relação à decisão sobre o que fazer com o recurso arrecadado. E a reforma mexe justamente nessas feridas. Por isso que há tempo de fala de reforma tributária e pouco se faz ou nada se faz no sentido de alterar essa situação.
A gente vê agora nessa nova reforma tributária o fatiamento de diversos momentos para que sejam alterados primeiro uns tributos, depois outros, sem pensar talvez num sistema de arrecadação como um todo, num sistema que envolva até uma modificação constitucional relevante. Questão até de pensarmos de mais para o futuro em uma forma mais moderna – valendo destacar aí que o Brasil tem peculiaridades que devem ser observadas, não adianta a geste falar da tributação da Islândia e querer compará-la com o Brasil porque existem várias Islândias dentro do nosso país, cada região com sua peculiaridade, existem polos industriais e consumidores, existem polos que não consomem tanto, ou seja, a diferença social e econômica nosso país é muito grande e tudo isso implica em particularidades que devem ser observadas em um momento de reforma tributária.
Talvez essa reforma tenha que ser um pouco mais ideológica, um pouco mais sensitiva no sentido de buscar uma solução um pouco maior e uniforme. Mas isso certamente envolve interesses políticos contrapostos, motivo pelo qual entendo ser esse meu pensamento um pouco de utopia.
Torcemos pelo Brasil, amamos esse país, queremos que ele dê certo e a gente torce sempre pela inspiração divina naqueles que estão trabalhando aí neste assunto e possam ser iluminados para que a gente possa ter uma situação melhor para o nosso futuro.
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