Rafaela Maximiano - Da Redação
“O fanático, o teimoso não quer aprender, ele quer simplesmente manter-se fiel às suas crenças e teimosias. Mesmo assim eu digo: além do vírus, a ignorância também pode matar”. O desabafo, é do infectologista e professor Tiago Rodrigues Viana ao ser questionado sobre pessoas que adotam a narrativa de negação à vacina contra a covid-19 ou mesmo contra a propagação da doença e não levam a sério as medidas de biossegurança estabelecidas pelos órgãos de saúde.
Em entrevista ao FocoCidade, o especialista que também é sub-investigador no estudo da vacina Coronavac pelo Instituto Butantan em parceria com o Hospital Universitário Júlio Müller, vinculado à Universidade Federal de Mato Grosso, revela em que fase está a pesquisa que iniciou em setembro do ano passado, aqui em Cuiabá, além dos sintomas da doença que já foram documentados e reconhecidos pela comunidade científica.
A Entrevista da Semana também aborda a infecção causada pelo “fungo negro” que na verdade se chama “mucormicose”. Ela atinge pacientes em tratamento da covid-19 porque o uso de medicamentos ou a própria doença abala a imunidade da pessoa.
“Ele é chamado de murcomicose e pode acometer pessoas com sistema imune debilitado. E, esta, a relação com a covid-19. Em alguns pacientes que têm apresentação mais grave, com internação prolongada e uso de corticoides por longo período, isso tudo pode provocar certa debilidade do sistema imune e propiciar a infecção por esse fungo”.
A mucormicose tem cura, mas as chances são maiores quando iniciado tratamento em fase precoce da doença.
Tiago Rodrigues Viana também faz uma avaliação do Plano Nacional de Imunização; fala da eficácia da vacinação e porque se vacinar; vacinas x variantes; os remédios que estão sendo usados para tratar a covid; e alerta que a imunização vacinal não significa acabar com a doença.
“Pelo menos não num pequeno espaço de tempo. O objetivo principal de uma vacina é que as pessoas deixem de ter a forma grave daquela doença e deixem de morrer por aquela doença... devemos nos vacinar o quanto antes e estimular que todos se vacinem. Vacinar, além de autocuidado, trata-se de empatia”.
Confira a entrevista na íntegra:
Sobre a pesquisa com a vacina contra a covid-19 em Mato Grosso: em que fase está agora e quais os sintomas de quem adquire a doença já reconhecidos pela comunidade científica?
Estamos na fase três do ensaio clínico da vacina Coronavac contra a covid-19. A finalidade é avaliar a eficácia e segurança dessa vacina. Em Cuiabá, iniciamos o estudo em setembro de 2020. Contamos com quase 500 participantes que estão sendo monitorados.
Já com relação aos sintomas, o quadro clínico é muito variável. A maioria das pessoas, 90%, vai ter quadro leve a moderado, cujo sintomas mais comuns lembram um resfriado, podendo ainda apresentar perda do olfato e/ou de paladar, cansaço, dores no corpo, cefaleia, diarreia, etc.
Os casos graves são aqueles que evoluem para dificuldade de respirar. Essa é a principal complicação e a que mais leva ao óbito, damos o nome dessa condição de síndrome respiratória aguda grave. Há outras complicações, umas mais bem documentadas, como eventos cardiovasculares, trombóticos, e outras ainda em aprendizagem, como distúrbios neurológicos, visuais, infecções secundárias, etc.
Doença ou morte por uma causa que você teve a chance de evitar, é arrependimento para uma vida inteira.
Quantas variantes existem do coronavírus? E, o fungo negro, é uma variante ou uma doença que se aproveita do paciente com covid?
Já são quase mil variantes documentadas em todo o mundo, mas poucas delas são de interesse, ou seja, poucas requerem maior preocupação. No momento nossa preocupação concentra-se mais em três delas, seja, por um provável maior potencial de transmissão ou por virulência.
Quanto ao fundo negro não se trata de uma variante do Sars-Cov-2. Isso é impossível do ponto de vista biológico. Vírus e fungos são seres distintos. Ele é chamado de murcomicose e pode acometer pessoas com sistema imune debilitado. E, esta, a relação com a covid-19. Em alguns pacientes que têm apresentação mais grave, com internação prolongada e uso de corticoides por longo período, isso tudo pode provocar certa debilidade do sistema imune e propiciar a infecção por esse fungo.
As vacinas existentes são eficazes contra essas variantes?
É uma pergunta ainda sem resposta completa. Até porque as vacinas não foram ainda avaliadas em estudo para todas as variantes. Isso ainda está ocorrendo. Precisamos de tempo para ter os resultados. Mas, com toda certeza, as vacinas são eficazes contra a covid-19 de forma geral.
A vacinação em massa é a única solução para sairmos do buraco que a humanidade se encontra. Quanto mais vacinados, menos transmissão, menos internações, menos mortos e menos variantes. E, sim, além de salvar vidas, a vacinação em massa evita as variantes. Precisamos acelerar a vacinação.
O mundo já encerrou a discussão da cloroquina, já foi demonstrado que além de não ter efetividade contra a covid-19, ela aumentou a mortalidade.
Quem já tomou a vacina contra a covid está seguro e pode voltar à vida normal?
As vacinas imunizam sim, caso contrário elas não teriam sido aprovadas! Só que imunização vacinal não significa acabar com a doença. Pelo menos não num pequeno espaço de tempo. O objetivo principal de uma vacina é que as pessoas deixem de ter a forma grave daquela doença e deixem de morrer por aquela doença.
A imunização de todas as vacinas para estes dois objetivos é excelente. Elas evitam a doença grave e mortes.
Neste momento, quem já tem seu esquema vacinal completo, ainda não pode voltar a vida como era na fase pré-covid. Isso ainda vai demorar um tempinho. Só será possível quando a maioria significativa da população estiver vacinada.
Eu posso estar vacinado e protegido da doença, ou pelo menos da forma mais grave da doença, mas ainda assim posso pegar o vírus, ter uma infecção sem sintomas ou uma doença leve, mesmo assim, em ambas as condições, eu posso passar a doença para outra pessoa ainda não vacinada, e nela a doença ser grave. É por isso que devemos nos vacinar o quanto antes e estimular que todos se vacinem. Vacinar, além de autocuidado, trata-se de empatia.
Por que pessoas que já foram vacinadas, além de adquirir a doença acabam morrendo? A ciência já consegue explicar?
Primeiro precisa ficar claro que não são muitas pessoas que morrem nessas condições. Outra coisa é que a imunidade vacinal só está estabelecida após algumas semanas do esquema vacinal completo (duas doses). A maioria das pessoas vacinadas não pegarão a doença, outras tantas, a doença será leve e raramente uma dessas pessoas terá a forma grave. Isso acontece não só nessa vacina, mas em qualquer vacina, tratamento ou terapia em medicina.
E isso é assim devido a variabilidade biológica. A maioria dos sistemas imunes das pessoas apresentarão uma boa resposta à vacina, em raros casos isso pode não ocorrer, quer seja por uma característica nata, quer seja por alguma doença ou comorbidade. Antibióticos por exemplo, não tratam todas as pneumonias, quimioterapias não tratam todos os cânceres, e assim por diante.
Já se sabe de pesquisas que buscam medicamentos contra a covid, a exemplo da cloroquina, criada originalmente para combater a malária. O quanto a cloroquina se mostrou eficaz? Já existem outros medicamentos sendo usados que são realmente efetivos?
Nenhum antiviral se mostrou eficaz contra a covid-19 até aqui. Infelizmente! De medicamentos não virais, testados, temos a colchicina que demonstrou um benefício bem pequeno para evitar internação em alguns casos selecionados. O mundo já encerrou a discussão da cloroquina, já foi demonstrado que além de não ter efetividade contra a covid-19, ela aumentou a mortalidade. É uma droga já proscrita no mundo inteiro. Essa discussão só se perpetua no Brasil, por motivos políticos, ideológicos ou escusos. Uma pena!
Qual sua avaliação do Plano Nacional de Vacinação contra a Covid-19, em andamento no País?
Ruim. Éramos famosos por termos um PNI, Programa Nacional de Imunização, modelo para o mundo. Deveríamos ter usado a estrutura ramificada do Sistema Único de Saúde para a vacinação contra a covid-19. Centralizamos demais. Isso sem contar no atraso para adquirir as doses. E o mais grave, figuras públicas levantando dúvidas e teorias contra as vacinas. Isso atrapalha muito!
O que poderia ser feito para acelerar a vacinação no Brasil, num ritmo compatível com o desafio imposto pela pandemia?
Primeiro ter estimulado as pesquisas e parcerias para mais vacinas terem sido testadas por aqui. Isso teria ajudado a garantir contratos com fabricantes e acesso precoce a mais doses. E, usar a estrutura ramificada do SUS para vacinar mais pessoas em menor tempo. Assim como fazíamos em todas as campanhas de vacinação.
A qual o ponto que precisamos chegar na vacinação para que a contaminação desacelere e o número de óbitos caia?
Pelo que vemos em países mais adiantados na vacinação, a situação tem melhorado quando o percentual de vacinação ultrapassa os 75% da população.
E quanto às pessoas que não querem se vacinar ou mesmo manter as regras de distanciamento, uso de mascaras ou higiene, que acabam entrando em uma narrativa de negação da vacina. Qual sua orientação como médico e pesquisador?
É difícil convencer um fanático, um teimoso, usando um fato ou evidência científica. O fanático, o teimoso não quer aprender, ele quer simplesmente manter-se fiel às suas crenças e teimosias. Mesmo assim eu digo: além do vírus, a ignorância também pode matar. Optar por não se vacinar é optar por ficar à mercê da seleção natural. Vacinar-se ou estimular seus familiares a vacinarem, não lhe trará razões para arrependimento. Doença ou morte por uma causa que você teve a chance de evitar, é arrependimento para uma vida inteira.
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