Rafaela Maximiano - Da Redação
“Esse é um problema de saúde pública mundial...Mas, como nós estamos à beira de uma eleição, faltando praticamente um ano e meio para uma nova eleição, é inevitável que alguns políticos brasileiros acabem derivando para esse caminho justamente com o objetivo de angariar um capital eleitoral que não detém. Infelizmente é uma escolha equivocada que traz prejuízos à saúde pública ”.
A afirmação é do juiz Eduardo Calmon de Almeida Cezar em entrevista ao FocoCidade, sobre a politização de assuntos de interesse da sociedade que acabam ganhando viés político devido às proximidades das eleições.
A análise do atual cenário político é avaliada pelo juiz na Entrevista da Semana que também abordou: o aumento de casos de violência contra a mulher, crianças e vulneráveis na pandemia; o trabalho remoto no Judiciário; o retorno das aulas presenciais; a vacinação contra a covid e a escolha de grupos prioritários; além da sua tese de doutorado que propõe um novo sistema de governo para o país.
Natural de Salvador, Bahia, o Magistrado revela que tem coração mato-grossense. Há 17 anos em Mato Grosso já atuou na Comarca de Chapada dos Guimarães, Diamantino e Cuiabá. Atualmente é juiz auxiliar da Corregedoria Geral da Justiça e soluciona os conflitos da Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar de Várzea Grande.
Confira a entrevista na íntegra:
Recentemente, o senhor finalizou um doutorado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, USP, com o título: “A crise do sistema presidencialista no Brasil: proposta de um novo sistema de governo”, o que o levou a refletir sobre esse tema?
Esse é um tema que sempre me cativou, falar sobre o sistema de governo do Brasil. Escrever as razões pela quais o Brasil tem problemas de governabilidade e constantemente essas crises de governo se transformam em crises institucionais. Então, seguindo a linha de pesquisa do meu orientador o professor e Dr. Alexandre de Moraes resolvi pesquisar sobre o tema. Tema este muito relevante não só pelo cenário atual pelo qual o Brasil se insere, mas, também, porque é importante para o país sob o ponto de vista de permitir o reequilíbrio das relações entre o Executivo e o Legislativo. Veja, a título de exemplo, o Brasil tem aproximadamente 32 anos de período de pós-redemocratização e nesse período nós tivemos praticamente 50% dos presidentes eleitos democraticamente impedidos de terminar o mandato, ou seja, 50% não conseguiu terminar o seu mandato, isso representa um problema sério de governabilidade e de estabilidade o que prejudica o desenvolvimento do país com a aprovação de reformas importantes para modernizar o estado brasileiro.
Há duas variáveis matriciais de sistema de governo: presidencialismo e o parlamentarismo. Proponho na minha tese um caminho do meio com o semipresidencialismo com pendor presidencial devido às nossas origens sociais, culturais, histórias, econômicas e jurídicas. Há um conjunto de arranjos constitucionais construídos e estruturados na tese para o Brasil a fim de que garantir um avanço na qualidade política do país. O objetivo é garantir a estabilidade e a governabilidade em situações até de coabitação. Não se muda o regime democrático brasileiro. Só mudaríamos o sistema de governo.
O senhor teve como orientador o ministro e professor Alexandre de Moraes, como foi a contribuição dele para sua tese?
Alexandre de Moraes é um catedrático da Universidade de Direito da USP e ele é um acadêmico nato, então a sua orientação foi significativa para a tese de doutorado com provocações, instigações e sugestões de leitura. A participação desse grande constitucionalista, Ministro do STF, como meu orientador, foi decisiva para repensar o sistema de governo, a questão do desenvolvimento de arranjos institucionais capazes de reequilibrar a relação entre o Executivo e o Legislativo e a restruturação do próprio sistema convergindo elementos provocadores da estabilidade e governabilidade como reforma eleitoral e partidária.
Como avalia o atual momento político vivido no país que além de enfrentar uma pandemia que vem matando muitas pessoas, acaba politizando decisões em detrimento aos interesses da sociedade?
Esse é um problema de saúde pública mundial e no Brasil os desafios são ainda maiores, num contexto de grandes desigualdades sociais, com populações vivendo em situações precárias de habitação e saneamento, sem acesso sistemático a água e em situação de aglomerações. Além do mais, questões de natureza eminentemente técnico-científica passam a ser discutidas em foro político trazendo decisões desconexas e desalinhadas em regiões com as mesmas características. Mas, como nós estamos à beira de uma eleição, faltando praticamente um ano e meio para uma nova eleição, é inevitável que alguns políticos brasileiros acabem derivando para esse caminho justamente com o objetivo de angariar um capital eleitoral que não detém. Infelizmente é uma escolha equivocada que traz prejuízos à saúde pública. Acredito que as escolhas políticas em um ambiente que exige decisões técnicas e científicas trazem inevitáveis prejuízos à eficiência do combate à pandemia seja no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
Para quem acompanha pelos noticiários nacionais e sites parece haver uma briga constante entre Poderes no país que deixa evidente os “acordos políticos” – STF, Presidência da República e Legislativo (Câmara e Senado), é salutar ou prejudicial à sociedade?
Eu não vejo como uma briga constante entre os Poderes. Vejo como um diálogo em que as divergências são frutos do sistema democrático escolhido pela constituinte de 88 que nos permite essa pluralidade de ideias, claro, com responsabilidade. E, essa pluralidade de ideias às vezes não converge para o mesmo fim e, nestes casos, é inevitável o debate, o questionamento e as insurgências que, sem a maturidade devida, podem, de fato, provocarem atritos e desgastes muitas vezes indevidos. Esse debate, sem derivações pessoais, no campo das ideias é importante para a consolidação do regime democrático.
Os casos de violência contra a mulher, crianças e vulneráveis, principalmente dentro da própria família aumentaram com o isolamento social do último ano. Com a experiência vivida na Vara Especializada de Violência Doméstica e Familiar contra Mulher em Várzea Grande, o senhor avalia quais seriam as causas desse aumento e soluções para reduzi-las?
Isso é um fato constatável. Realmente o número de violência doméstica aumentou neste período de pandemia porque as vítimas acabaram ficando mais reclusas no ambiente do lar junto com o próprio agressor e isto dificultou o acesso da vítima aos canais de denúncia. Porém, a imprensa desempenhou um papel extraordinário no sentido de dar um apoio à vítima divulgando diversos canais de denúncia. Inclusive, recentemente na cidade de Andradina/SP uma mulher surpreendeu a PM ao ligar para “pedir pizza”. Apesar da estranheza da conversa, o agente policial treinado e preparado percebeu a voz “esquisita” da vítima que estava em situação de apuros e moveu a viatura policial ao local e conseguiu libertá-la do agressor. Então são essas situações que a imprensa tem colaborado muito com a divulgação de campanhas informativas e novos canais digitais para que permita à vítima que esteja em um ambiente de confinamento com o agressor possa denunciar e fazer cessar a violência doméstica.
O número de processos na área de saúde, judicialização de leitos de UTIs por exemplo, aumentaram com a pandemia; em que pese o aumento de denúncia de violência doméstica junto às polícias Militar e Civil, os processos envolvendo violência também aumentaram no judiciário?
Não posso afirmar se o número efetivo de processos de violência doméstica aumentou, mas com certeza a violência doméstica em si aumentou devido ao panorama de confinamento em que a vítima permanece mais tempo junto com o seu próprio algoz, ou seja, o agressor. É claro que há uma demanda reprimida de denúncias pela dificuldade que a pandemia provocou em facilitar à vítima denunciar. Agora esse confinamento certamente vai gerar uma série de denúncias posteriores, tardias e elevadas. Há uma tendência sim de ter um aumento do número de processos, mas hoje nós não temos esses dados estatísticos.
Com relação ao impasse do retorno das aulas presenciais em MT. O Governo defende o presencial e enfrenta forte resistência na classe de trabalhadores da Educação, além da resistência dos deputados estaduais que defendem retorno somente após vacinação dos trabalhadores. Como resolver esse impasse na sua opinião?
Essa semana já foi iniciada a vacinação dos profissionais de educação, então isso vai permitir possivelmente o retorno das aulas presenciais. Agora, vejo que essa é uma decisão sanitária técnico-científica que precisa ser conjugada com uma série de fatores e pessoas da área de saúde, cientistas, todos capazes de afirmar se o retorno das aulas presenciais vai influenciar ou não o aumento do número de novos casos. Quem pode decidir melhor realmente é o Governo e creio que decidirá com base em elementos científicos, técnicos, se o retorno às aulas é ou não um fator complicador para o aumento ou não dos casos de covid.
O trabalho remoto na Justiça deu certo ou atrapalha a resolução dos processos?
Pelos números apresentados pelo Tribunal de Justiça o trabalho remoto aumentou significativamente a produção dos magistrados. Inclusive quero deixar registrado que o Tribunal de Justiça fez um belíssimo trabalho e vem fazendo um trabalho de vanguarda no sentido de dar à população uma prestação jurisdicional rápida, célere e adequada. Tanto é que pelos gráficos estatísticos posso afirmar que o número de decisões judiciais aumentou de forma expressiva, ou seja, o trabalho remoto é um indicativo de que o Judiciário melhorou a sua eficiência.
Com relação a vacinação contra a covid-19, que está um tanto morosa no país, e algumas cidades como Cuiabá defendem a vacinação de novos grupos prioritários além dos divulgados pelo Ministério da Saúde, como garis, motoristas, jornalistas, educadores, assistentes sociais, entre outros. Frente a isso algumas instituições como a OAB-MT já se posicionaram contra, e mesmo o Governo Estadual. Qual seu posicionamento? Seria necessário um aval da Justiça?
A questão de escolher qual é o grupo que é prioritário ou não para receber as primeiras vacinações é uma escolha do governo, ou seja, uma escolha política dentro de parâmetros técnico-científicos. É o poder Executivo que tem o legítimo direito constitucional de administrar essas questões... Não é o Poder Judiciário. Então veja, o governo deve escolher esse grupo prioritário de acordo com elementos objetivos, elementos científicos, estatísticos e proporcionais que indiquem razoavelmente que aquele grupo escolhido tem uma prioridade em relação a um outro – e quando eu falo governo me refiro ao Município. O Poder Judiciário na minha modesta opinião não deve interferir em decisões de caráter político sem que se balize em critérios de legalidade.
O senhor já disputou uma vaga no Tribunal de Contas do Estado (TCE) e possui uma carreira sólida e atuante a Justiça em MT, quais os planos do Juiz Eduardo Calmon para o futuro, pretende concorrer a uma vaga institucional ou até um cargo eletivo na política?
Meu sonho sempre foi a carreira da magistratura. Sempre me dediquei na faculdade para ingressar no concurso da magistratura. Fui juiz no estado de São Paulo e tive a oportunidade de passar no concurso do Tribunal Regional Federal para juiz federal substituto da terceira região que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul. Sou muito feliz em ser juiz aqui no estado de Mato Grosso, foi uma escolha minha, uma escolha pessoal e sou muito feliz aqui. Posso afirmar com serenidade que, aos 44 anos de vida, o Estado pelo qual mais tempo permaneci foi o Estado de Mato Grosso. Foi neste Estado que me realizei como juiz, tive meus filhos e constituí minha família mato-grossense. Então tenho um carinho enorme pelo Estado. Não tenho qualquer desejo ou aspiração a qualquer tipo de cargo político, muito menos de mandato eletivo.
Pretendo também continuar na vida acadêmica junto com a magistratura, que é a atividade que a legislação me permite unicamente acumular, ou seja, a atividade de professor universitário. E, eu me realizo também na atividade da docência, porque passo a experiência, toda a bagagem de estudo que eu me dediquei à vida inteira para os novos e futuros juízes, promotores, advogados, pessoas que vão contribuir para a sociedade mato-grossense. Então, a minha contribuição à sociedade é tanto no exercício da atividade da magistratura, a qual é minha atividade principal e que eu me dedico a maior parte no meu tempo e, à atividade de docência que é uma satisfação pessoal. Eu gosto de ensinar e fazer com que aquelas pessoas tenham uma visão crítica da sociedade. Que possam contribuir ainda mais para que tenhamos todos um futuro melhor para o Estado de Mato Grosso. Deixo claro que nunca tive nenhum tipo de pretensão política e não é meu viés, não é a minha preferência e não é a minha inspiração.
Uma mensagem ao leitor do FocoCidade...
Quero agradecer a gentileza e a satisfação de responder esses questionamentos. Acho que é importante a sociedade conhecer o trabalho de um juiz. É importante a sociedade conhecer as ações e as dificuldades que o Judiciário enfrentou nessa pandemia e a seriedade com a qual os juízes do Estado de Mato Grosso tratam o interesse público. Coloco-me à disposição. Quero novamente deixar registrado aqui meus agradecimentos e como acho importante a sociedade conhecer o trabalho do Poder Judiciário função indispensável à manutenção do Estado Democrático de Direito.
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