Rafaela Maximiano - Da Redação
“História da Relação dos EUA com a América Latina”, é o novo livro de Alfredo da Mota Menezes e o tema da Entrevista da Semana. Lançado neste mês de setembro de 2020 pela editora carioca Autografia e vendido pela Amazon, o livro possui 270 páginas e conta a história da relação dos Estados unidos da América com a América Latina desde o século 19 sob o olhar de autores estadunidenses.
Entre os aspectos relevantes destacados pelo livro está a crença de superioridade dos EUA sobre esse relacionamento com os países latinos; a herança ibero-católica dos países latinos que ajudaria na relação desigual com o país protestante; a forma de ver os países latinos como um bloco e não individualizados; e, a política big stick ou "grande porrete" que se refere ao estilo de diplomacia implantado pelo presidente Theodore Roosevelt Jr., também corolário da Doutrina Monroe, segundo a qual os Estados Unidos deveriam exercer sua política externa como forma de deter as intervenções europeias e agora asiáticas, no continente americano.
Esta é a oitava obra do historiador Alfredo da Mota Menezes, uma ampliação do livro “Ingênuos, Pobres e Católicos” com um capitulo novo mostrando a preocupação americana na América Latina com a presença da China.
“O pior, na visão norte-americana, é que somos uma cultura ibero-católica. Aqui estaria a raiz de todo nosso mal. No campo político, como exemplo, a religião aceita governos autoritários. No econômico não temos o espírito capitalista. Estaria na herança da mãe-pátria a maior diferença entre os dois lados da América”, descreve.
Ao FocoCidade o historiador, advogado, mestre e pós-doutor (PhD em História da América Latina pela Tulane University, EUA), também faz uma análise das eleições municipais em Mato Grosso, a relação da China, EUA e América Latina, a pandemia do novo coronavírus, bem como uma contextualização da situação econômica, política e do “novo comunismo” aplicado pela China em todo o mundo onde a prioridade é de se ganhar dinheiro.
Boa leitura!
Do que trata seu novo livro professor Alfredo?
É a história da relação dos Estados Unidos com a América Latina desde o século 19, desde os primeiros contatos dos nortes americanos com os mexicanos, depois no Caribe, na América Central. Eles acreditam - acredite nisso! - que tem uma religião superior à outra, começa com isso, eles acreditando que a religião católica é inferior à religião protestante, depois a questão de raça, clima e tudo mais. Depois toda história da Doutrina Monroe, como eles fizeram intervenções na América Central, no Caribe. Depois veio a guerra fria, o confronto com a União Soviética, cada um desses que citei tem um capítulo e descreve aquele momento do relacionamento dos Estados Unidos com a América Latina. Apoio às ditaduras, depois que acaba a guerra fria a única preocupação deles até agora é a imigração, drogas, meio ambiente. Esta questão do presidente Bolsonaro e o presidente americano e tudo mais, e, tem mais um capítulo que é a nova preocupação americana na América Latina que é a China, a presença chinesa. E, neste último capítulo temos números de o quanto a China está entrando na região e comprando produtos. No caso do Brasil, Mato Grosso, a China compra entre outros, soja, milho e carne.
Os EUA investiram nos chamados “tigres asiáticos” através da comercialização de produtos, o que ajudou a capitalizar um desses países que é a China e o incentivou a investir e comercializar com países da América Latina a exemplo do Brasil. Onde está a preocupação dos EUA nessa presença chinesa?
Sim, e a China cresceu bastante e veio para a América Latina. Hoje, por exemplo, quem mais empresta dinheiro para a América Latina são os bancos chineses e tem esses números nos livros, assim como o quanto eles investiram em infraestrutura, portos, aeroportos, o quanto eles compram nos países da América Latina. Eu tenho até um número de cabeça, dados do governo brasileiro: em 10 anos, de 2010 a 2019, o Brasil teve um superávit comercial com a China de $ 137 bilhões de dólares, multiplicado por 5,5 são cerca de R$ 753,5 bilhões de reais. É um comercio extraordinário. Como é que os Estados Unidos vão agora relacionar com isso, pois não se trata de questão ideológica como foi a União Soviética, agora é uma questão de comercio, de dinheiro, como que a América Latina vai reagir com isso.
Então os Estados Unidos vêm a China como uma ameaça capitalista?
É bom ressaltar que no livro eu sempre trato da questão Estados Unidos na América Latina. O confronto entre EUA e China, na América Latina é muito forte porque os Estados Unidos pela primeira vez têm um contentor, digamos assim, à altura da questão econômica. Porque a União Soviética não era ameaçadora na questão econômica junto aos países da América Latina, era ideológica. Esquerda, Fideu, Cuba, toda aquela coisa, agora a questão é dinheiro, mercado. E, o mercado chinês é 1,3 bilhões de pessoas comprando comida.
Os problemas recentes econômicos e políticos enfrentados pela Venezuela, agora a Argentina, Paraguai tem a ver com a relação China e Estados Unidos?
A China acaba ajudando por exemplo a Argentina, a Venezuela, o Brasil, porque a China compra petróleo da Venezuela, compra soja, carne e trigo da Argentina, compra carne, soja e milho do Brasil, então direta ou indiretamente acaba ajudando as economias. Os Estados Unidos é o segundo produtor de soja do mundo, só perde para o Brasil, é o primeiro produtor de milho, é o primeiro produtor de carne do mundo. Portanto os Estados Unidos não compram milho e carne de Mato Grosso, zero, e, a China compra. Então o mercado Chinês é importante. A, mas é comunista, é partido único, etc. É sim é um fato real.
O que é esse comunismo da China? Parece bem diferente da definição de ideologia política ensinada pelos livros história, não?
Não é um comunismo clássico como o da União Soviética em que não tem iniciativa privada, o Estado tomava conta de tudo: empresas, etc. A China descobriu, com aspas ou sem aspas, um novo modelo: eles têm partido único, certo controle da imprensa, do judiciário, mas liberou os cidadãos para ganhar dinheiro. É chamado de Capitalismo de Estado. Então pode ganhar dinheiro, pode ficar rico na China, na União Soviética não, todo mundo tem que ser igual, etc e aquela coisa toda. Então é um novo comunismo esse modelo chinês, não é o comunista clássico em que todos os bens de produção estão na mão do Estado, na China não, o cidadão está ganhando dinheiro e ficando rico.
Nas discussões políticas no Brasil, que tem gerado grande polarização, o brasileiro já tem consciência desses novos conceitos políticos e econômicos?
A maioria fala dos conceitos antigos, de um comunismo que não vai voltar mais, isso acabou.
Como o capitulo novo do seu livro aborda a presença da China nos países da América Latina e a relação com os Estados Unidos?
A presença dos Estados Unidos na América Latina é muito forte, eles têm ainda uma vantagem enorme sobre a China ou qualquer outro país em se tratando de cultura, cinema, linguagem, modismo, música. O que entra no Brasil, por exemplo, nesses aspectos é muito pouco, agora que temos um ou dois canais na televisão que tem alguém da China falando português e trazendo notícias da China. Porque a presença americana nessa área cultural de cinema, música, etc, é muito mais forte.
Como analisa a formação do Brasil atual em todos esses contextos e transformações já citados?
Fortíssima. O livro trabalha com isso claramente. Por exemplo, os regimes militares na Argentina, no Brasil, no Chile. Há duas semanas atrás foram liberados pelos Estados Unidos – de 50 em 50 anos eles liberam documentos secretos do governo americano, é uma regra do país – há um tempo atrás liberou documentos em relação ao Brasil e agora foi sobre o Chile, e, é impressionante como os Estados Unidos derrubaram o governo chileno, não foi militar. Os militares são um instrumento. No Brasil é a mesma coisa, porque os Americanos acreditavam que a União Soviética estava entrando aqui, e que o Brasil seria uma retaguarda deles e poderíamos ser um perigo para eles Estados Unidos. E, teve a chama crise dos mísseis em Cuba, em 1962, em que a União Soviética estava colocando mísseis voltados para os EUA, em Cuba, que é ali pertinho deles. Os Estados Unidos apavoraram e falaram se tiver comunismo no Brasil ou na Argentina, a União Soviética entra e vai montar bases militares, então eles resolveram não permitir com intervenção, trabalhos junto à imprensa, dinheiro, fazer a cabeça, filmes etc, tomaram conta da região. E, esses novos documentos liberados pelos Estados Unidos acabam confirmando as informações que estão no livro.
Então o livro trata desde os primeiros contatos do século 19, e, é interessante observar que quando os norte-americanos mantêm o primeiro contato com os mexicanos na fronteira eles também estavam conquistando os índios internamente, então os Estados Unidos associam o índio americano com o índio mexicano. E cria aquela ideia da América Latina. Num primeiro momento o livro descreve a era intervencionista, depois o big-stick. O livro cita que a história dos EUA relata: converse com os latinos americanos mas carregue um grande porrete, se ele levantar a cabeça você dá uma cacetada. Não sou eu quem estou falando, foi o presidente americano Theodore Roosevelt. A Doutrina Monroe, “olha Europa, quem manda aqui agora sou eu”, pois antes a Inglaterra estava aqui, a França. Vem relatando até o momento atual que estamos falando da China.
Como os Estados Unidos veem o Brasil hoje?
Essa é uma boa pergunta e o livro trata disso também. A América Latina é vista pelos Estados Unidos em bloco. Eu cito no livro pesquisa de opinião nos EUA mostrando a enorme desinformação que eles têm da América Latina. Então Brasil, Paraguai, Argentina, etc, é um pacote só. Eu pergunto para você, como vemos a Africa? Em países separados? São 54 países na África, nós brasileiros olhamos para a África como um pacote. Os Estados Unidos olham para a gente como um pacote.
Então esse negócio de dizer que o Brasil, que o Bolsonaro é amigo do Trump, isso não existe. Não existe um presidente latino americano na história que foi amigo do presidente americano. Não falo só do Brasil, nenhum pais da América Latina.
E como o livro trabalha como os latinos, os brasileiros, observam os conceitos de ideologia política dos Estados Unidos?
É muito simples entender a política nos Estados Unidos, eles têm apenas dois partidos: Democratas e Republicanos. O republicano é mais conservador e está do lado dos mais ricos, o Trump quando entrou retirou impostos dos mais ricos, o partido democrata defende o capitalismo igual ao partido republicano. A diferença é que o partido democrata vê mais um pouco para o social, não tem nada a ver com esquerda, nada disso. O Biden – democrata, por exemplo, está dizendo que vai taxar os mais ricos novamente. Os republicanos têm a visão de que se tira o imposto do mais rico, ele com mais dinheiro vai investir mais e gerar mais emprego, então beneficia a população. Os democratas vêm um pouco diferente, eles não vão tirar dinheiro dos ricos para valer, mas tiram um pouco para beneficiar os mais pobres. A exemplo do almoço nas universidades que é gratuito aos estudantes quando em governos democratas e nos governos republicanos só é gratuito a quem apresentar imposto de renda dos pais comprovando que não pode pagar.
E isso não tem nada de comunismo. Esse presidente que vai entrar agora, vai ofertar mais bolsas de estudo, lanche, a questão médica, e, isso não é comunismo.
A nossa cultura – não está especificamente no meu livro, mas é uma área que eu gosto – nós temos no Congresso Brasileiro, 26 partidos e temos registrados no Brasil 33 partidos. Como administrar um país com 26 partidos? Nos EUA são dois, na Inglaterra são dois, o partido Conservador e o partido Trabalhista, o mundo é assim. Aqui no Brasil não. Agora nessa eleição, pega a lista dos prefeitos eleitos no país inteiro, é uma lista enorme, com 26, 27 partidos, vereadores. Como que pode ter tanta ideologia, que ideologias são estas? Como vai se administrar um país que a Câmara dos Deputados têm 26 partidos? Como vai se negociar com eles?
Qual a mensagem que o livro deixa para o brasileiro nessa relação EUA com a América Latina?
Eu termino o livro inclusive, que com a história relata, com as citações que somam 15 páginas, citações de livros de historiadores e de artigos acadêmicos norte-americanos. Em cima desse relato, o que o Brasil pode tirar de exemplo para a partir de agora aproveitar a presença da China e dos Estados Unidos no país e ganhar dinheiro dos dois, sem briga, sem frescura – permita-me a expressão. Os EUA sempre levaram vantagem, agora o Brasil pode levar vantagem nesse jogo entre essas duas superpotências econômicas. Aproveitar o momento a partir da história desse relacionamento e não se envolver em brigas bobas, se é de origem americana ou chinesa, que isso pode até prejudicar o país.
Inclusive vi recentemente uma matéria americana falando que essa disputa de poder econômico entre esses dois países – China e EUA, pode levar a um confronto militar, mas global. Mas a briga é realmente no campo econômico, por exemplo a briga da tecnologia 5G. A China tem essa tecnologia e os EUA não querem que eles entrem na América Latina com a 5G. Eles falam que a China vai espionar, em contrapartida todas as redes sociais são americanas e eles não querem abrir esse mercado para outros porque informação é poder.
Temos também a questão desse novo vírus, a Covid-19, que com certeza nasceu na China, mas não acredito que foi um plano para o chinês dominar economicamente o mundo. Trata-se de estudar a história para entender o momento atual.
O momento mais importante neste momento é a competição pelo 5G e devemos estar atentos pois o Brasil vai definir em 2021 qual tecnologia vai usar, se a Americana ou a Chinesa. Os dois estão competindo mesmo no comércio mundial e o Brasil pode levar vantagem se entender a história dos Estados Unidos que tem mais a ver conosco do que a Revolução Francesa e Europeia.
O senhor poderia fazer uma análise das eleições municipais em Mato Grosso?
Dessas eleições saíram fortalecidos o DEM, o MDB, a mídia social e a Fake News não funcionaram tanto quanto pensávamos. Funcionou mais o horário gratuito. Em Várzea Grande o mesmo grupo continua no poder. Fizeram uma arquitetura política interessante. No Estado não vejo grande mudanças, por exemplo em Rondonópolis, Lucas do Rio Verde e outras cidades não teve grandes mudanças.
O que se destacou foi que a mídia social não funcionou como se esperava. Achei que as Fake News também não foram tantas como se imaginava, o horário eleitoral funcionou mais para os partidos grandes.
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