• Cuiabá, 13 de Maio - 00:00:00

Procon: atuação na pandemia e foco nos preços abusivos do arroz


Rafaela Maximiano - Da Redação

O Código de Defesa do Consumidor completou 30 anos (11 de setembro). Mas o que avançou e o que ainda precisa melhorar nas relações entre quem compra e quem vende um serviço ou produto?  

O código representou mais que um marco, foi como um estalo no dia a dia do consumidor. Mas é preciso avançar: ele é anterior ao início da popularização da internet no Brasil. O comércio online, por exemplo, só faz crescer e explodiu durante a pandemia.  

Na Entrevista da Semana, o FocoCidade conversou com o advogado e secretário adjunto de Proteção e Defesa dos Direitos do Consumidor de Mato Grosso (Procon-MT), Edmundo Taques. 

Entre os avanços a serem comemorados nesses 30 anos de legislação consumerista, o dirigente do Procon Estadual cita: prazo de validade dos produtos, garantia e disseminação do Código de Defesa do Consumidor. Já entre os pontos negativos está o comércio online e o superendividamento, temas que não constam entre os artigos do CDC. 

Dois projetos de lei para atualizar o código já foram aprovados no Senado e hoje aguardam votação na Câmara dos Deputados - um voltado para esse consumidor cheio de contas a pagar, mas que precisa negociar a dívida para continuar comprando o básico; e outro sobre o comércio eletrônico.  

Durante a entrevista, o especialista também fala dos setores mais reclamados pelos consumidores mato-grossenses neste 2020, faz comparação da legislação brasileira com as de outros países, pandemia x reclamações e ações da instituição para coibir preços abusivos como a alta do arroz, atualmente. 

Edmundo Taques lembra que exigir seus direitos é exercer sua cidadania. “Hoje, em razão dos 30 anos com o CDC, as pessoas se acostumaram com práticas que não existiam antes dos anos 90 e que foram introduzidas pelo CDC. Com essa pandemia, passamos por drásticas mudanças de comportamento e, principalmente, de consumo, que a longo prazo vão mudar a forma como nos relacionamos em sociedade”. 

Confira a entrevista na íntegra:  

Nesse 11 de setembro o Código de Defesa do Consumidor (CDC) comemorou 30 anos de existência. Quais os principais avanços e retrocessos que podem ser citados?  

O CDC é a legislação mais popular do Brasil. Hoje, parte significativa dos consumidores - e isso é um grande avanço, principalmente quando a gente fala em legislação - tem acesso ao CDC, conhece seus direitos, porque o Código de Defesa do Consumidor está relacionado diretamente à vida das pessoas, ao dia a dia. E o primeiro grande avanço é a popularidade, porque à medida em que as pessoas conhecem o CDC elas passam a fazer exigências. Um exemplo muito claro disso são os prazos de validade. Hoje, é impensável comprar um produto sem prazo de validade, sem data de fabricação, e ter que contar com a sorte para saber se está ou não bom para o consumo. Antes do CDC as empresas não eram obrigadas a colocar essas informações no rótulo. Outro avanço é a garantia, que é um dos direitos que o consumidor mais lança mão. Todo produto e todo serviço têm garantia, por tudo aquilo que nós pagamos nós temos direito a um prazo de garantia.  

O Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec) também foi um avanço, uma vez que este sistema possibilitou a integração de todos os Procons do Brasil e da Secretaria Nacional do Consumidor, possibilitando o acesso do consumidor às estatísticas e dados sobre as empresas mais demandas, outro grande instrumento de política pública.  

Quanto aos retrocessos, é difícil pontuar um. O que posso dizer é que ainda precisamos avançar mais. Por exemplo, existem situações hoje, no dia a dia, que afetam as relações de consumo e que precisam ser inseridas no código. Em 1990 nem se pensava em uma era digital como a que temos hoje, que está aí e que precisa sim ser legislada.  

Nós também temos a questão do superendividamento, que vem sendo tratado em uma proposta de lei que está há 5 anos no congresso para ser votada e ainda não foi - apesar de agora, recentemente, a Câmara Federal ter colocado a proposta em regime de urgência devido à situação econômica de milhares de famílias nesse cenário de pandemia. Nesse sentido, o Procon-MT vem se antecipando à votação da lei para atuar contra o superendividamento. Para isso, estamos estruturando no Procon estadual um setor de cálculo, que vai dar suporte aos consumidores. Trata-se de uma ferramenta, um instrumento a mais com o qual o consumidor poderá contar.  

E o consumidor, ao saber dos seus direitos, opta por uma empresa que respeita a legislação e isso é, sem dúvida, um termômetro para se manter no mercado.  

Após esses 30 anos as empresas estão conscientes de que se não respeitarem o CDC perderam mercado?  

Ao longo desses 30 anos as empresas, de forma geral, conseguiram sim se adequar à legislação e estão conscientes de que é necessária idoneidade para se manter no mercado atual. Hoje as pessoas, pela facilidade de acesso à informação, cobram das empresas essa postura. Também temos um cenário de maior concorrência entre as empresas, que também acaba contribuindo para regulação do mercado. E o consumidor, ao saber dos seus direitos, opta por uma empresa que respeita a legislação e isso é, sem dúvida, um termômetro para se manter no mercado.  

Em relação a outros países, como por exemplo os Estados Unidos, quais as grandes diferenças no que diz respeito à proteção ao consumidor?  

É difícil fazer relação com outros países, principalmente os Estados Unidos, porque são regimes jurídicos muito distintos, em que não é possível uma comparação sem um estudo aprofundado da legislação desses países. Além disso, existem fatores históricos, sociais, políticos que interferem na forma como determinada sociedade se estrutura em torno das relações de consumo. O Brasil adota um sistema normativo positivado, o que dá maior previsibilidade ao consumidor. Já nos EUA segue um sistema da common law, o que difere em absoluto do sistema positivado. O que podemos dizer, com certeza, é que a legislação brasileira inspirou outros países em razão da sua completude. Embora a gente fale de 30 anos, estamos falando de uma legislação que não está desatualizada. O CDC é principiológico, ou seja, tratou de vários temas, mas deixou em aberto que houvesse interpretação. Quando falamos em práticas abusivas, por exemplo, a gente não trata somente daquele rol apresentado pela lei, existem outras práticas abusivas que não estão ali expressas na lei, mas que o código permite que o aplicador do direito faça essa interpretação e enquadre determinada prática como sendo abusiva.  

O Procon-MT realizou alguma atividade comemorativa à data?  

Tínhamos um projeto grande para esta data, que abrangia ações junto a públicos de diferentes idades, entretanto esse planejamento precisou ser revisto por completo em decorrência da pandemia e das eleições deste ano. Foram necessárias adequações para resguardar a saúde dos consumidores e servidores do Procon-MT, bem como em respeito à Lei Federal nº 9504/97, uma vez que teremos - além das eleições municipais - uma eleição suplementar ao senado, o que amplia as vedações para instituições e servidores da esfera estadual. Por se tratar de uma data de extrema relevância para os cidadãos brasileiros e que não poderia passar em branco, atuamos internamente na capacitação de servidores e dirigentes dos Procons municipais, a fim de melhorar ainda mais o serviço entregue à população. Também realizamos uma ação local, no dia 11 de setembro, para prestigiar a data, fortalecer o acesso da população à informação e ao código de defesa do consumidor. Neste mês, também retomamos as audiências de conciliação, que haviam sido suspensas devido à pandemia. As audiências agora seguem o formato online e o consumidor pode fazer da sua própria casa. Além disso, criamos uma estrutura no Procon-MT com computador, internet e suporte técnico, para atender aqueles consumidores que não possuem acesso à tecnologia e precisam realizar a audiência.  

Neste ano estamos enfrentando a pandemia da Covid-19. A legislação consumerista estava preparada para este momento ou o consumidor ficou desamparado?  

O Código de Defesa do Consumidor, apesar de ter sido promulgado em 1990, mantém sua contemporaneidade e atende os cidadãos brasileiros neste momento difícil de pandemia. Foi com base no CDC que atuamos ao longo desses meses de pandemia para fiscalizar e coibir práticas abusivas no comércio local. Importante destacar que até mesmo o comércio eletrônico, tão procurado neste período, é amparado pelo CDC, mais especificamente no artigo 49, que garante ao consumidor o prazo de sete dias para se arrepender da compra de um produto ou contratação de um serviço pela internet, telefone, e demais vendas fora da loja ou escritório comercial. Prazo este contado a partir do recebimento do produto ou fechamento do contrato. Claro que existem adequações que precisam ser feitas, afinal é uma legislação de 1990 e de lá para cá muita coisa mudou, principalmente quando falamos de mercado eletrônico. Mas ainda assim, o CDC é atual e garante a proteção e defesa do consumidor. 

Ainda com relação à pandemia que provocou um aumento do comércio online, houve alguma atualização da legislação? O que pode ser destacado de novo na relação direitos dos consumidores e a pandemia do novo coronavírus?

O comércio eletrônico já vinha se fortalecendo há alguns anos, era uma tendência. Com a pandemia o que vimos foi a antecipação de uma realidade que estava a caminho, que era breve, que iria acontecer. E muito provavelmente, quando a pandemia acabar, esse comércio - que foi aquecido em razão das circunstâncias - se manterá. Várias empresas que não praticavam o comércio online se viram obrigadas a se adaptar e muito provavelmente vão se manter dessa forma. Com relação à legislação, especificamente, nós não temos nada novo neste curto período - até porque é um processo que leva tempo. Mas a legislação que temos hoje nos permite regular essa área, uma vez que o decreto nº 7962, de 2013, regulamenta a Lei nº 8.078, dispondo sobre a contratação no comércio eletrônico e abrangendo: informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor; atendimento facilitado ao consumidor; e respeito ao direito de arrependimento.  

Em aspecto geral, no Estado, quais os setores que mais causam problemas aos consumidores, os chamados setores mais reclamados e quais as empresas que mais atendem os consumidores mato-grossenses?  

Aqui no Procon-MT, as reclamações dos consumidores são todas registradas pelo Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que é um sistema do Ministério da Justiça. Conforme dados deste sistema, os setores que mais vem registrando reclamações em 2020 são energia elétrica, água e esgoto, telefonia celular, banco comercial e cartão de crédito. Já no serviço de registro online, que é a plataforma nacional www.consumidor.gov.br , as demandas são referentes a serviços financeiros, telecomunicações, água, energia e gás. Esses setores se mantêm entre os mais reclamados há algum tempo, considerando também que estão entre os serviços mais utilizados pela população, proporcionalmente. Enquanto Procon-MT, temos investido em treinamentos do setor de atendimento e conciliação para que consigamos resolver ainda mais os conflitos de consumo na fase de atendimento preliminar e, se não for possível nesta fase inicial, que tenhamos sucesso na conciliação. 

Como está a atuação do Procon-MT em relação à fiscalização de produtos e monitoramento de preços, não só dos produtos de higiene que aumentaram nos últimos meses mas também dos alimentos que sofreram altas nesses dias?  

O Procon-MT realiza um trabalho de monitoramento de preços contínuo, que foi intensificado desde o início da pandemia, com foco, inicialmente, na comercialização de produtos como álcool gel e máscaras de proteção individual. Foram aproximadamente 350 ações relativas às condições de biossegurança no comércio local e mais de 230 ações de fiscalizações referentes a aumento de preços.  

No que tange o aumento de preço registrado em itens da cesta básica, reforçamos nossa atuação de monitoramento de preços e fiscalizações para identificar se, para além do contexto econômico nacional, está havendo abusividade por parte do comércio. É preciso ressaltar que a alta nos preços de alguns alimentos, em especial o arroz, vem sendo registrada em todos os estados brasileiros, como reflexo de um cenário econômico complexo, que envolve alta demanda da China por grãos, aumento do dólar e, com isso, aumento nas exportações.  

Devido a esse contexto, nós, juntamente com a ProconsBrasil, entendemos que há a necessidade de atuar de forma integrada, com todos os Procons, cobrando dos Ministérios competentes respostas e soluções rápidas. E foi isso que fizemos esta semana, por meio de ofício enviado à Secretaria Nacional do Consumidor, ao Ministério da Agricultura e Ministério da Economia. Logo em seguida, na quarta-feira, a Câmara de Comércio Exterior (Camex), do Ministério da Economia, decidiu reduzir a zero a alíquota do imposto de importação para o arroz em casca e beneficiado, até 31 de dezembro deste ano, como forma de minorar os prejuízos aos consumidores brasileiros. Essa redução está restrita a uma cota de 400 mil toneladas de arroz. Ou seja, essa medida conjunta de Procons do Brasil, tomada no dia 08 de setembro, já teve efeito no dia seguinte.  

Qual é o papel do Estado para evitar problemas nas relações de consumo? E, como fazer para a informação sobre direitos e deveres cheguem até os consumidores?  

O Procon MT, enquanto aparato do Estado, tem papel fundamental para intermediar os conflitos entre consumidores e fornecedores. Realizamos desde orientações sobre determinada relação de consumo até fiscalização e multa de estabelecimentos comerciais que não respeitam a legislação vigente. No que se refere ao alcance das informações, um dos pilares de atuação do Procon é a educação para o consumo. Utilizando-se de diferentes meios analógicos e digitais, desenvolvemos atividades para compartilhar conhecimento sobre os direitos e deveres inerentes às relações de consumo e, dessa forma, fortalecer a cidadania e a aplicação do CDC. 

O senhor teria uma mensagem aos consumidores mato-grossenses sobre a data comemorativa de 11 de setembro? 

Temos uma legislação grandiosa e, muito embora saibamos que existam avanços a serem feitos, - devido à dinâmica da atualidade e com o aquecimento que tivemos no mercado de consumo nos últimos anos - é inimaginável que o consumidor atual tivesse as mesmas condições da década de 80, em absoluto desamparo. Hoje, em razão dos 30 anos com o CDC, as pessoas se acostumaram com práticas que não existiam antes dos anos 90 e que foram introduzidas pelo CDC. Com essa pandemia, passamos por drásticas mudanças de comportamento e, principalmente, de consumo, que a longo prazo vão mudar a forma como nos relacionamos em sociedade. Mas graças ao CDC, estamos passando por esse desafio com direitos e deveres que nos garantem alguma harmonia em meio a tantas transformações. Frente a isso o consumidor precisa comemorar a legislação que tem hoje, uma lei que o compreende como um sujeito de direitos e que precisa ser respeitado. E nós do Procon-MT chegamos a esses 30 anos de CDC atentos a todas as movimentações de mercado que possam ser pano de fundo para abusividades e consequentes violações aos direitos dos consumidores. 




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