Rafaela Maximiano - Da Redação
Em meio à pandemia do novo coronavírus, com mortes, internações, sofrimentos, crise econômica, desemprego e isolamento, já se viu de tudo: da corrida da população aos supermercados, com os preços abusivos praticados por uma parcela de comerciantes e empresários que se aproveitaram do medo e da fragilidade das pessoas assustadas num momento de incertezas, ao embate político que se tornou o problema de saúde pública e o debate entre governantes e empresários sobre a continuidade ou o fim da quarentena.
É um leque enorme de questões que deixam os brasileiros com uma carga a mais de preocupação. E, toda essa situação pode afetar também a saúde mental das pessoas, aumentando a ansiedade, insegurança, tristeza e outros sentimentos diante do distanciamento social, em alguns casos do isolamento, e também das incertezas.
Para falar sobre o assunto na Entrevista da Semana, o FocoCidade conversou com a psicóloga Cleiri Souza. Especialista em situações de violência doméstica, relacionamentos abusivos, fobia social, depressão e ansiedade, a psicóloga aborda com propriedade os sentimentos, os efeitos colaterais do distanciamento social e da pandemia que a sociedade vive atualmente.
Cleiri Souza também fala sobre casos extremos de tragédias recentes, como por exemplo a morte de uma menor enquanto estava na casa de uma amiga em um condomínio de luxo em Cuiabá e a casos de violência crescente a crianças, mulheres e idosos. Mas entre tudo isso, também existem aspectos positivos que são ressaltados pela psicóloga, que cita a capacidade do ser humano de se reinventar, “de se tornar uma pessoa mais compreensiva, mais generosa e em particular no âmbito familiar”.
Confira a entrevista na integra:
Como manter a saúde mental em tempos de distanciamento e isolamento social devido à pandemia da Covid-19? Situação onde as pessoas precisam estar em casa sem poder sair, ou mesmo trabalhar. E, muitas vezes sendo bombardeadas por informações diárias sobre morte, crise e outros aspectos negativos?
O mais importante é se conscientizar de que de fato existe, uma situação bastante estranha acontecendo, e, para tomar qualquer providência se faz necessário também saber do que se trata, qual o real perigo, quais cuidados necessários devem ser tomados. Uma vez adquirido a consciência, o próximo passo seguinte é agir da melhor forma possível para se proteger e consequentemente proteger o próximo. Outro cuidado necessário para manter a saúde mental é escolher uma fonte de notícias confiável afim de primeiro: não se abarrotar de notícias espetaculares, fantasiosas, inverídicas, mas também não ficar alienado sobre o assunto. É necessário, também, manter uma rotina de atividades dentro de casa de forma a preencher o tempo que outrora era ocupado com os serviços laborais, executados na empresa onde trabalham. Neste caso usar da criatividade é importante. Realizar um projeto doméstico que estava engavetado por falta de tempo, fazer um curso online, quando for possível o acesso à internet e, até mesmo criar projetos novos com visão de futuro.
É necessário, também, manter uma rotina de atividades dentro de casa de forma a preencher o tempo que outrora era ocupado com os serviços laborais, executados na empresa onde trabalham.
O isolamento social pode ser a causa do aumento de casos de violência doméstica contra crianças e mulheres e idosos?
De maneira nenhuma o isolamento pode ser considerado o causador de violência. Ele veio apenas para agravar algo que já existente, contudo vem sendo usado como desculpa de que seja o estopim para o aumento da violência, por aquele que já é um abusador, um violentador contumaz.
O isolamento ou mesmos o distanciamento social, pode provocar um comportamento agressivo ou depressivo no ser humano ou só intensifica algo preexistente?
A situação de isolamento leva o sujeito a vivenciar novos conflitos. A vida saiu do prumo, o trem descarrilhou. São vários os fatores que saíram do controle inclusive, para muitos, até mesmo o sustento da família. É possível sim que o stress possa levar um indivíduo a um momento ou outro a ser um pouco mais agressivo, sem aqui justificar a violência propriamente dita. Um indivíduo que normalmente não é agressivo pode, com toda a gama de problemas advindos desse isolamento se irritar, ficar nervoso sem, contudo, agredir os seus mais próximos, seja agressões psicológicas, físicas ou outra qualquer.
É importante salientar que episódios de violência, recorrentes, podem indicar a existência de doenças mentais e que devem ser observados e avaliados por profissionais. Existem as estruturas mentais que levam o sujeito a determinados comportamentos que fogem ao controle do funcionamento psicológico como a mente psicótica, por exemplo, as quais perdem o contato com a realidade podendo causar episódio de extrema agressividade ocasionada por delírios e alucinações. Diferentemente das mentes neuróticas que são considerados capazes de resolução de problemas e uso adequado da Inteligência Emocional, mas que às vezes podem agir com uma agressividade transitória em locais públicos motivados pelos acontecimentos estressantes da situação atual e que se transformam em gatilhos para a momentânea falta de controle.
Quanto a depressão também pode ser causada pelos fatos assustadores e tristes como a possibilidade de vir a óbito caso seja infectado ou se sentir culpado por ter transmitido o coronavírus a outra pessoa.
É importante salientar que episódios de violência, recorrentes, podem indicar a existência de doenças mentais e que devem ser observados e avaliados por profissionais.
O excesso de informação pode levar a um desequilíbrio, ou sofrimento?
Certamente tudo que excede é prejudicial em especial quando se trata de assuntos que nos fogem ao controle desencadeiam medo e ansiedade. A consequência é um sofrimento e possível desequilíbrio, tanto mental, quanto emocional.
E no caso de depressão e suicídio, que mesmo antes dessa pandemia já preocupavam especialistas devido ao grande número de casos que vinham ocorrendo. Há possibilidade de aumentar nesse período ou não?
Sabemos que a depressão é a causa maior dos suicídios. Então visto pelo ângulo dos acontecimentos causados pela Covid-19, eu diria que sim, podem aumentar. Muito embora, o nosso desejo é que o efeito do isolamento seja de renovação de reestruturação, reinvenção e ressignificação de todo esse desastre mundial. É no que a psicologia tem investido para que o sujeito saia mais fortalecido.
Vimos algumas tragédias recentes de mortes entre amigas, como no caso ocorrido em um condomínio de luxo em Cuiabá. Teria relação com o momento que vivemos?
Bem, nem tudo está associado ao isolamento e este caso específico eu acredito que seja mesmo a imprudência do manejo da arma de fogo. Não sei bem em que situação exata aconteceu. Se em brincadeira ou exibição de habilidades com o objeto, como é comum principalmente em se tratando de adolescentes. O fato é que o manuseio foi em local impróprio e por alguém sem maturidade ou licença para o uso da mesma.
Se o indivíduo optar por ser a vítima, se deixar ser levado pelo sofrimento apenas, ele pode ser atingido e ser massacrado e não conseguir sair vitorioso.
É um leque enorme de questões que deixam os brasileiros com uma carga a mais de preocupação nesse momento, questões econômicas, políticas e sociais. Vemos pessoas se aproveitando desse momento de fragilidade da sociedade, aumentando preços de produtos essenciais ou mesmo usando a saúde pública como embate político. Como a psicologia analisa?
Como você disse, as preocupações são muitas e de grandes relevâncias, pois envolvem sobrevivência diante do perigo mortal, que é o vírus e de outros perigos que são causados pelo próprio homem. Neste caso, o fato de não poder contar com a total colaboração da sociedade.
A psicologia analisa situações como estas de abusos de possibilidades diante das situações catastróficas através de pesquisas científicas. Pessoas com este tipo de comportamento se encaixam perfeitamente no que chamamos de “Tríade Negra” que é um conjunto de três traços de personalidade (maquiavelismo, narcisismo e psicopatia) considerados socialmente aversivos. Esse conjunto de traços aversivos de personalidade levam as pessoas a serem mais suscetíveis a evidenciarem senso de grandeza e um aumento na sensação de poder pessoal tornando as mais egoístas.
Destacando neste caso o perfil maquiavélico, que se relaciona a um tipo de conduta social que tem como característica a dificuldade de sentir empatia, não possui respeito pelos direitos dos outros e é capaz de manipular deliberadamente as pessoas para ganho pessoal, desprezando os próprios interesses das pessoas manipuladas.
A sociedade e a socialização nos é equivalente à vida.
O momento que vivemos também pode despertar os sentimentos bons das pessoas como a solidariedade, por exemplo?
No inverso dos perfis maquiavélicos e, ainda bem que existem essas pessoas, estão os que se envolvem inteiramente com o voluntariado, por exemplo. Que se desprendem das circunstâncias de que toda a sociedade está com problema e se solidariza doando parte do que é seu ao próximo, ao mais carente, na tentativa de amenizar o sofrimento causado pela falta de elementos básicos para a sobrevivência. Estas atitudes podem mudar o perfil de uma sociedade se, houver um despertar comunitário.
O isolamento também pode trazer situações positivas para o nossa sociedade?
Sim, com certeza! Tudo está na maneira como o sujeito se permite ser afetado. E aqui eu falo de um duplo sentido. Se o indivíduo optar por ser a vítima, se deixar ser levado pelo sofrimento apenas, ele pode ser atingido e ser massacrado e não conseguir sair vitorioso. Na contramão da vitimização, está o sujeito que pode ser investido de sentimento de afeto, sendo capaz de se reinventar, de sair deste momento mais compreensivo, mais generoso e em particular no âmbito familiar.
Gostaria de fazer alguma consideração sobre o tema?
De tempos em tempos, o planeta passa por situações catastróficas e muitas vezes é aí que o indivíduo cresce. É clichê, mas é na necessidade, na crise que se busca novas soluções. Quando o indivíduo lança mão do controle de sua inteligência emocional ele se torna criativo. As habilidades emocionais, elas são aprendidas ao longo de nosso desenvolvimento e, este me parece ser um ótimo momento para que os pais ensinem seus filhos que é preciso dominar as habilidades humanas essenciais, que são necessárias, não só para lidar com as próprias emoções, mas também para o estabelecimento de relações humanas verdadeiramente significativas. Eu acredito que essa pandemia trouxe para esse momento de ressignificar as relações, de compreender a necessidade do outro e, de outro, porque o homem é sociável. A sociedade e a socialização nos é equivalente à vida.
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