Rafaela Maximiano - Da Redação
Neste segundo domingo de maio, quando é comemorado o Dia das Mães, o FocoCidade conversou com a desembargadora Maria Erotides Kneip, que também completa 35 anos de magistratura no Poder Judiciário de Mato Grosso.
Considerada por muitos uma “mãe”, devido à sua atuação como juíza, desembargadora, e defensora de mulheres vítimas de violência, crianças e adolescente em situação de vulnerabilidade, Maria Erotides Kneip ressalta as três décadas e meia de trabalho no Judiciário mato-grossense como uma escolha de vida.
Empossada em 23 de janeiro de 1985, a mineira de Juiz de Fora - formada pela Faculdade de Direito Benjamim Collucci (Universidade Federal de Juiz de Fora), em 1973, destaca também na entrevista os resultados e o caminho a ser seguido pela Rede de Enfrentamento à Violência contra Mulheres em Mato Grosso. E como não poderia ser diferente, afetando a vida global, em razão da pandemia da Covid-19, a desembargadora Maria Erotides Kneip fala sobre o período de teletrabalho do judiciário mato-grossense e revela que esse tem sido um período de profunda reflexão e aprendizado.
Confira a entrevista na íntegra:
Criado em setembro do ano passado, a Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, uma parceria entre o Governo do Estado de Mato Grosso, a Assembleia Legislativa e o Poder Judiciário, irá completar quase um ano de atuação. Já é possível fazer uma avaliação do atendimento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar através deste serviço?
O Protocolo de Intenções firmado pelos chefes dos Poderes Judiciário, Legislativo e Executivo, pelo Ministério Público Estadual, pela Defensoria Pública, pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Mato Grosso, pela Associação Mato-grossense dos Municípios, pela União das Câmaras Municipais de Mato Grosso e a Associação para Desenvolvimento Social dos Municípios do Estado de Mato Grosso foi assinado no dia 21 de agosto do ano passado, em 2019. Com base neste Protocolo, foram sendo criadas as Redes de Enfrentamento em vários municípios do Estado de Mato Grosso. Aqui em Cuiabá, já no mês seguinte, mais precisamente no dia 03 de setembro, foi lavrado um Termo de Cooperação Técnica para implementar o Protocolo e com objetivos de fortalecer a implementação da Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, intitulada Lei Maria da Penha; prevenir, combater e enfrentar todas as formas de violência contra as mulheres, construindo uma rede de atendimento articulada e garantindo os direitos das mulheres; reduzir os índices de violência contra as mulheres na cidade de Cuiabá; garantir e proteger os direitos humanos das mulheres em situação de violência; e promover mudança cultural, a partir da disseminação de atitudes igualitárias, da prática de valores éticos e de respeito às diversidades de gênero.
Este Termo de Cooperação Técnica foi firmado entre as instituições que promovem o atendimento de mulheres vítimas de quaisquer formas de violência a seus direitos humanos. Alguns municípios já possuíam a Rede de Enfrentamento instalada, como Barra do Garças e Várzea Grande, e vários outros promoveram a sua criação e instalação, como Sorriso, Sinop, Tangará da Serra, Rondonópolis e Lucas do Rio Verde, afora outros. A criação das Redes de Enfrentamento a Violência contra a Mulher fomenta a mudança de mentalidade decorrente do patriarcado, no tocante à desvalorização do feminino, porque trabalha com os diversos segmentos sociais. E todos somos obrigados a pensar na imprescindibilidade da garantia dos direitos humanos das mulheres e de equidade de gênero.
Posso assegurar que a criação e instalação das Redes Municipais mais do que promover o atendimento célere, o fortalecimento da mulher vítima da violência doméstica e familiar, está revolvendo o caldo de cultura que minimiza a violação de direitos humanos das mulheres.
E todos somos obrigados a pensar na imprescindibilidade da garantia dos direitos humanos das mulheres e de equidade de gênero.
Devido à sua atuação como juíza, a senhora sempre foi considerada uma ‘mãe’ para pessoas em situação de vulnerabilidade social, principalmente mulheres, crianças e adolescentes. Atualmente, à frente da Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar no âmbito do TJ-MT (Cemulher) e da Câmara Setorial Temática da Mulher na Assembleia Legislativa, avalia que o cenário para mulheres vítimas melhorou ou ainda há um longo caminho a percorrer?
Tive a honra de presidir a Câmara Setorial Temática da Mulher na Assembleia Legislativa, em sua primeira etapa, e após a prorrogação de seu prazo de instalação a presidência foi merecidamente transferida a competente Professora Jacy Proença. Continuo integrando a Câmara Setorial, ao lado de valorosas mulheres, e estamos prontas para apresentação dos trabalhos desenvolvidos, o que deverá acontecer tão logo seja afastado o período de isolamento social decorrente da pandemia. Com os levantamentos feitos, com os dados obtidos, com a estatística de todas as formas de violações de direitos, em confronto com as políticas públicas existentes, com os serviços disponíveis, posso assegurar que ainda há um caminho muito longo a ser percorrido. Acredito, entretanto, que o caminho está menos árduo para ser percorrido, em face da conscientização de homens e mulheres que se juntaram voluntariamente àqueles que têm o dever de enfrentar a violência contra a mulher.
Recentemente a Superintendência do Observatório de Violência da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT) divulgou que Mato Grosso apresentou aumento no número de feminicídios. Foram 17 casos registrados entre janeiro e março deste ano, contra 11 no mesmo período do ano passado. Já os crimes de injúria, estupro e importunação sexual, em Cuiabá, aumentaram 23%, 27% e 20%, respectivamente. Ao todo, foram 2.710 casos, de janeiro a março de 2020 e 2.632 no mesmo período de 2019. Diante da sua experiência é possível afirmar que o aumento de casos de violência com o público feminino é exclusivamente devido ao cenário de isolamento que estamos vivendo onde a permanência da mulher no ambiente doméstico é constante?
Não, exclusivamente, não! No início do mês de abril, logo em seguida ao período mencionado na pergunta, o secretário-geral da ONU, António Guterres, declarou que, com a pandemia, ocorreu um crescimento horrível da violência doméstica em nível global e pediu que os governos incluíssem medidas de proteção a mulheres e contra violência doméstica entre seus planos de combate à covid-19. Ele disse que para muitas mulheres e meninas, a maior ameaça está precisamente naquele que deveria ser o mais seguro dos lugares: as suas próprias casas. Não há dúvidas de que a pressão e a insegurança do isolamento acentuam a violência doméstica pré-existente, funcionando como se fosse um gatilho para atitudes e condutas mais violentas.
No Brasil, este aumento da violência doméstica contra a mulher já era esperado. Pudemos constatar isto nos países onde a epidemia chegou primeiro, como China e Itália. A obrigatória permanência dentro de casa decorrente do cancelamento de aulas em escolas, o teletrabalho, a necessidade de muito maior atenção aos filhos, o aumento das tarefas domésticas – e sua distribuição absolutamente desigual entre homens e mulheres – o medo da morte, o pavor dos enterros em covas rasas, a ausência do diálogo e do respeito, acabam por aumentar as tensões. Temos que ter um olhar muito mais atento, principalmente porque, no isolamento, a possibilidade de denúncia normalmente está dificultada para a vítima. Surge, aí, a importância da atuação das redes. E temos iniciativas fenomenais! Foram criados vídeos silenciosos, indicados celulares, e-mails, delegacia virtual, e outros.
Temos que ter um olhar muito mais atento, principalmente porque, no isolamento, a possibilidade de denúncia normalmente está dificultada para a vítima.
A desembargadora completa neste semestre 35 anos de magistratura no Poder Judiciário de Mato Grosso. Qual o significado de estar há tantos anos atuando na magistratura?
A Magistratura foi, para mim, uma escolha de vida. Tive a oportunidade de advogar por mais de dez anos e, depois, fazer o concurso público. É uma forma de servir à sociedade, procurando entregar a cada um o que é seu! Pacificar conflitos. Ser, exatamente, isso: instrumento nas mãos de Deus!
Ao longo da sua carreira profissional, o quê ou qual fato mais a marcou como pessoa e mãe? E, a senhora faria algo diferente neste trajeto?
Há muitos fatos e eventos marcantes. Mas, o convívio com as mulheres vítimas da violência doméstica, a possibilidade de trabalhar na constituição das redes de enfrentamento da violência doméstica é desafiante. Revolver o caldo de cultura do machismo, do patriarcado é um enorme desafio.
A desvalorização do feminino é, por vezes, de uma sutileza a toda prova.
A senhora já sofreu algum tipo de preconceito ao longo de sua trajetória? Seja como desembargadora ou juíza?
Todas as mulheres sofreram! As que dizem que não o sofreram não souberam identificar a gênese. Tanto por parte de homens quanto de mulheres. Eu também já os pratiquei, infelizmente. A desvalorização do feminino é, por vezes, de uma sutileza a toda prova.
Tenho profunda vivência religiosa e confio na segurança e na proteção do Altíssimo.
Tendo em vista a sua trajetória profissional, são muitas horas de estrada para resolver os conflitos sociais. Como a senhora lida com dias longe da família, filhos, netos, amigos e da rotina geral para cumprir seu papel profissional?
Os vários papéis sociais que desempenhamos devem estar em compartimentos separados de maneira a um não sufocar o outro. O amor dos filhos e netos são um sustentáculo: onde estou, por mais distante que seja, sei que eles estão agindo com retidão, porque desenvolveram valores sólidos. Tenho profunda vivência religiosa e confio na segurança e na proteção do Altíssimo.
Vivemos um momento conturbado para todo o planeta devido à pandemia da Covid-19, e neste mês de maio o Poder Judiciário de Mato Grosso celebra 146 anos. Como o Tribunal de Justiça vivencia essa revolução na forma de gerenciar suas equipes, implantar novos processos de trabalho, adotar modernas ferramentas online e alcançar produtividade na modalidade de teletrabalho? Está dando certo?
O Poder Judiciário de Mato Grosso comemorou seus 146 anos vivenciando uma revolução histórica. Houve uma mudança radical na forma de gerenciamento de suas equipes de serviços, foi necessário implantar novos processos de trabalho, aconteceu a adoção de modernas ferramentas online. Isso permitiu alcançar excelente produtividade na modalidade de teletrabalho. O desembargador Carlos Alberto, digníssimo Presidente do TJ, disse em entrevista recente que d o início do ano passado já vínhamos implantando algumas inovações, mas ninguém esperava uma pandemia que obrigasse, de uma hora para outra, os servidores e magistrados a trabalharem de casa, isolados. Tivemos poucos dias para nos reinventar. Não se trata apenas de ir no mercado e buscar novas tecnologias para realizar julgamentos colegiados e audiências por videoconferência, ou desenvolver uma ferramenta própria como o Plenário Virtual. Por trás de tudo isso tem dezenas de treinamentos, reuniões, testes de segurança da informação, edição de normativos, dentre outras providências. E além de tudo isso a expansão do Processo Judicial Eletrônico continuou como planejado. Estamos todos muito orgulhosos com os resultados alcançados.
Celebramos neste domingo, 10 de maio, o Dia das Mães. Vivenciamos o aumento do número de violência contra a mulher e muitas vezes por filhos, não somente os companheiros. A senhora teria uma mensagem para as mães e filhos mato-grossenses?
Mulheres, não se calem! Peçam ajuda! Nascemos para a Vida! E vida em abundância! Filhos, cuidem de suas mães! Vocês receberam delas a força do existir! Antes do amor, respeito. Quero ressaltar também que o Dia das Mães, comemorado neste domingo, 10, será um pouco diferente devido ao isolamento social provocado pelo novo coronavírus. Apesar do distanciamento, o sentimento e o amor dos filhos com as mães permanece o mesmo - e essa é a melhor mensagem para as mães mato-grossenses: a importância de reforçar que cada momento de amor e cuidado que as mães compartilham com seus filhos nesta quarentena traz ensinamentos e valores que eles carregarão para a vida toda.
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