• Cuiabá, 12 de Julho - 2025 00:00:00

Vamos terminar o ano com a mais profunda recessão de nossa história, crava Vivaldo Lopes


Sonia Fiori - Da Editoria

Diante do cenário de pandemia do coronavírus – o economista e referência na área em Mato Grosso, Vivaldo Lopes, descreve um campo de extremo alerta acerca dos reflexos na ordem econômica mundial, nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade – pontuando o inevitável colapso no mercado nacional e consequentemente em Mato Grosso.

As medidas anunciadas até o momento – leia-se na saúde para conter a onda avassaladora do Covid-19 –caminha o lado das previsões de um “campo de batalha” acima de tudo pela preservação da vida – mas que deverá arrastar economias e criar um ambiente hostil na seara da esperada recuperação.

“A economia de Mato Grosso, que poderia crescer até 10% em 2020, deve ficar próximo de zero, impactada pela quase paralisação das atividades produtivas e comerciais para combater a doença e da redução da demanda dos produtos do agro que são exportados”, cita Lopes.

O economista descreve os principais pontos da ciranda na economia à cargo dos Governos Federal e estaduais, e quando o tema é gestão nos municípios, considera: “não conseguirão sair sozinhos desse cataclisma financeiro”.

Confira esses e outros tópicos na íntegra da entrevista:

Como o senhor define o momento econômico no atual cenário de avanço – ainda sem precedentes – do coronavírus, no âmbito internacional – nacional e no Estado? 

Começou com um surto no interior da China e se alastrou em velocidade nunca vista anteriormente, transformando-se em pandemia. Como o protocolo para seu controle estabelece o afastamento social, ocasionando retração na produção e circulação de mercadorias. Levou pânico às bolsas de valores e aos mercados financeiros e promoveu um choque econômico que não havia acontecido nem na frise financeira de 2008-2009. Iniciamos 2020 com a expectativa que a economia mundial cresceria 3,1% e terminaremos com recessão, puxada para baixo pelos três motores da economia global: zona da Ásia (China, Japão, Coreia do Sul, Índia), zona do Euro e Estados Unidos. No Brasil não será diferente. As estimativas iniciais indicavam crescimento acima de 2,5% e vamos terminar o ano com forte retração. Os maiores bancos e consultorias refizeram suas projeções e apontam que o PIB do Brasil será de até -1,7% (Credit Suisse, Itaú, Tendências Consultoria) a -4,4% (IBRE/FGV). Caso se confirmem as projeções de queda da atividade econômica nessa proporção, será a maior da história econômica do país. A economia de Mato Grosso, que poderia crescer até 10% em 2020,  deve ficar próximo de zero, impactada pela quase paralisação das atividades produtivas e comerciais para combater a doença e da redução da demanda dos produtos do agro que são exportados.

As medidas adotadas pelo Governo Federal para prevenção e controle do Covid-19 são acertadas. Por quê? 

A despeito de tardias, as medidas anunciadas nesta semana pela administração federal são as adequadas. São medidas fiscais e monetárias anticíclicas que procuram dar liquidez às empresas, grandes e pequenas, preservar os empregos do trabalhador, estimulam o consumo das famílias e contemplam ações de proteção social. O Banco Central flexibilizou controles para permitir aos bancos disporem mais créditos, alongarem dívidas e reduziu a taxa Selic. A situação deficitária das contas nacionais reduz a capacidade fiscal do governo, ficando o Banco Central com mais condições de atuar para a saída da crise. A aprovação, pelo Congresso Nacional, do estado de calamidade pública nacional dá mais instrumentos e autonomia financeira para o governo federal liberar mais recursos para reaquecer a economia, pois ficará isento de cumprir as metas fiscais e remanejar recursos orçamentários para as ações prioritárias de combate à doença e estímulo econômico. As ações emergenciais vão aumentar o déficit anual mas são extremamente necessárias para salvar vidas e mitigar um pouco os efeitos perversos da paralisia econômica forçada. Entendo que o Banco Central pode atuar melhor na questão cambial, pois dispõe de folgada reserva (U$ 360 bilhões) e reduzir os depósitos compulsórios dos bancos para que estes possam emprestar mais.

Em relação ao Estado – o Governo segue a dinâmica correta? E o que pode ser feito para atenuar os reflexos desse dramático campo de caos financeiro? 

Vejo que a administração estadual tomou as medidas que a situação exige, especialmente no campo sanitário e administrativo, reduzindo horário de trabalho e impondo o home office para grande parte dos servidores. Talvez ainda precise flexibilizar nas datas de recebimento de tributos estaduais para dar alívio ao capital de giro das empresas.

As gestões nos municípios sofrerão, na prática, os efeitos mais drásticos – considerando que é nas cidades que se desaguam as ações e responsabilidades. Assim, as previsões de respaldo do Governo Federal poderão atenuar em que nível as consequências? 

Os municípios terão perdas expressivas na arrecadação de tributos municipais (ISS, IPTU, TAXAS). As receitas constitucionais que recebem do Estado e da União também serão reduzidas. Ademais, são responsáveis pelos primeiros atendimentos clínicos dos seus moradores. Não conseguirão sair sozinhos desse cataclisma financeiro. O plano do governo federal deve, necessariamente, garantir recursos extras para as administrações municipais.

Como frear um colapso na economia do Estado? 

É muito difícil evitar o colapso. Mas ações governamentais integradas e simultâneas das três instâncias (União, Estado, Municípios) e participação das empresas privadas podem mitigar os efeitos. Muitas empresas já colocam suas plantas produtivas para auxiliar na oferta de produtos e serviços essenciais no atendimento sanitário, em ação conjunta com o estado. Mesmo assim, as ações não vão para a tsunami econômica que a pandemia virou. Teremos um ano perdido, do ponto de vista do crescimento. As ações de governos e empresas são mitigadoras dos efeitos da crise.

Considerando que todos os setores são atingidos – e principalmente os trabalhadores autônomos/informais e prestação de serviços – o “apoio” anunciado pelo Governo Federal (de pouco mais de R$ 200) não deve nem mesmo suavizar o quadro. O que fazer? 

O governo federal deve anunciar mais medidas nesta semana para garantir renda mínima aos trabalhadores, especialmente aos autônomos e informais, como novas retiradas do FGTS. E deve utilizar mais intensamente os bancos federais BNDES, CEF e BANCO DO BRASIL para auxílio às empresas. O grande esforço é para reduzir o máximo o tempo para controlar da doença de forma tal que as forças produtivas voltem a funcionar normalmente.

Em recente artigo o senhor assinalou que “repete-se no Brasil o mesmo roteiro de filme de terror. Começamos o ano com estimativas de crescimento de 2,5%, após um 2019 de crescimento pífio”. Como se sobressair a esse ambiente? 

Como disse, vamos terminar o ano com a mais profunda recessão de nossa história. Em um ano que seria o marco da retomada do crescimento, quando o país ainda curava as feridas de quatro anos de retração econômica. Parece um roteiro de filme de terror. A crise será passageira, mas seus estragos profundos. Não se trata de uma crise estrutural da matriz econômica do país. Para superar esse período draconiano, há necessidade de forte intervenção governamental para manter as  empresas funcionando, empregos e ações de proteção social. Da parte das empresas, mesmo reduzindo carga de trabalho e salários, esforçar o máximo para manter os empregos, já que a situação é passageira. 

O Decreto de Calamidade Pública no país, poderá mudar o que na economia dos estados? 

A decretação de calamidade pública é  muito importante e necessária. Dá mais autonomia e agilidade gerencial para o governo comprar bens e serviços e implantar medidas de emergência. Também flexibiliza o cumprimento de metas fiscais estabelecidas na lei orçamentária anual e na lei de responsabilidade fiscal. A autorização, dada pelo Congresso Nacional, por exemplo, permitirá ao governo federal autorizar mais gastos nas áreas de saúde e proteção social sem os quais não conseguiria enfrentar o colapso sanitário e a crise econômica derivada da primeira. Os estados poderão receber recursos extras do orçamento federal. Juridicamente, a decretação de emergência permite ao estado, inclusive, fazer intervenções na atividade privada, como é o caso d e determinar a circulação de pessoas e o fechamento de estabelecimentos comerciais e industriais para evitar a propagação do vírus.

O senhor prevê um 2020 com PIB estagnado – abaixo de zero? 

Sim. Teremos os dois primeiros trimestres fortemente negativos e, a depender do tempo para controlar a doença, um segundo semestre de estagnação. Nesta semana, o time de macroeconomistas do IBRE/FGV divulgou o mais completo estudo da situação atual. No estudo, os especialistas da FGV estimam que o PIB brasileiro terá queda de 4,4% neste ano, pois além da paralisia da atividade econômica do país, o mundo todo já está em recessão, especialmente as economias dos Estados Unidos, China e os países da zona do euro. Basta lembrar que a greve dos caminheiros, que teve dimensão e efeitos bem menores, derrubou a economia do país com 45 dias de paralisação.

O déficit deve aumentar nos cofres da União – e nessa seara, qual o papel do Banco Central?

O déficit da União que estava autorizado na lei orçamentária era de R$ 124 bilhões. Deve chegar a R$ 200 bilhões após os gastos que o governo será obrigado a realizar. O Banco Central terá um protagonismo relevante no enfrentamento da crise. Tem reservas cambiais elevadas que podem ser utilizadas emergencialmente para auxiliar na injeção de liquidez do mercado e da administração federal. Pode reduzir ainda mais a taxa Selic, como aliás, já fizeram os bancos centrais da maioria dos países e reduzir os compulsórios dos bancos. Os compulsórios são aquela parte dos depósitos dos clientes que os bancos são obrigados a deixar entesourados no próprio Banco Central. Este, por sua vez, deve, naturalmente, monitorar para que esses compulsórios não fiquem represados nas tesourarias dos bancos e não cheguem nos caixas das empresas que precisam de liquidez para atravessar a queda de faturamento.

Na sua análise, como os estados como Mato Grosso dependerão necessariamente de respaldo do Governo Federal para efetiva recuperação na economia – e o que cabe a cada um dos entes federados nesse momento? 

Noto que os governadores estão fazendo bem o dever de casa. Em alguns casos até à frente da administração federal, dialogando com os empresários e suas representações, com os sindicatos corporativos, reduzindo e digitalizando suas atividades administrativas e assumindo o protagonismo na área sanitária. No campo econômico, as administrações estaduais têm mais limitações, mas podem fazer o diferimento no recebimento dos tributos estaduais, aumentando a liquidez das empresas empregadoras. 




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