
Na presidência da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam), biênio 2019/2020, o juiz Tiago Souza Nogueira de Abreu mantém a posição de defesa veemente sobre avanços na estrutura do Judiciário, em alinhamento às ações do ex-presidente, José Arimatéa Neves Costa, que na atual gestão integra a equipe da nova diretoria do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
No cenário de crise extrema nos cofres públicos, que levou o governador Mauro Mendes (DEM) a decretar Estado de Calamidade Financeira de Mato Grosso, solicitando apoio dos Poderes e órgãos, leia-se do Tribunal de Justiça em eventual “redução” orçamentária, o presidente da Amam é enfático ao assinalar que o Judiciário já vem fazendo a sua lição de casa.
Ele pontua ainda o congelamento do duodécimo do Tribunal de Justiça estimado junto à Lei Orçamentária Anual (LOA-2019) e alerta sobre a necessidade de o TJ vir a contar com reforço nesse caso – dada a crescente demanda de serviços e para fazer frente ao estoque de processos – em que pese o reconhecimento nacional sobre resultados positivos em Mato Grosso.
Nesta Entrevista da Semana ao FocoCidade, o juiz Tiago Abreu pontua que “entendo que o Poder Judiciário é mal compreendido em algumas situações pela sociedade e pela própria opinião pública. Isso pelo fato de que, muitas vezes, as pessoas não sabem como funciona o Poder Judiciário e os entraves que nós, magistrados, enfrentamos para desenvolver nosso trabalho. Existem várias circunstâncias que não são levadas em consideração, o que as levam a julgar o Poder Judiciário como sendo moroso e ineficiente – uma “casta de privilegiados”.
Ressalta que “para que exista essa sensação de maior celeridade e eficiência, hoje, nós precisamos de um aporte financeiro – para que sejam contratados mais servidores e magistrados. Isto, aliado às reformas segmentadas na Legislação para que a gente consiga dar uma celeridade ainda maior aos processos”.
O presidente da Amam assinala a parceria do Judiciário com o Executivo de Mato Grosso, mas lembra que o linear de ações deve ocorre na esteira da “mão dupla”.
“Essas parcerias irão continuar. Mas, óbvio, tem que ser uma via de mão dupla. Desejamos também que o Estado consiga compreender a complexidade do Poder Judiciário e venha a nos aportar com os recursos que necessitamos para fazer frente às nossas demandas e ao serviço prestado para a população.”
Perfil
Tiago Souza Nogueira de Abreu nasceu em 28 de julho de 1980 em Botucatu (SP). É graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Bauru e pós-graduado em Direito Ambiental pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Entrou para a magistratura mato-grossense como juiz na Comarca de Peixoto de Azevedo em 2004, em que seguiu até 2012. Em sua trajetória, também atuou nas Comarcas de Sorriso (2012-2013) e Sinop (2014-2018). Foi vice-presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados (Amam) durante o biênio 2013/2014, gestão que esteve sob o comando do desembargador Carlos Alberto Alves da Rocha.
Confira a entrevista na íntegra:
Quando o senhor assumiu a presidência da Amam, pontuou a defesa das prerrogativas da carreira, considerando que “muitas vezes é alvo de críticas”. O Judiciário se sente injustiçado?
Entendo que o Poder Judiciário é mal compreendido em algumas situações pela sociedade e pela própria opinião pública. Isso pelo fato de que, muitas vezes, as pessoas não sabem como funciona o Poder Judiciário e os entraves que nós, magistrados, enfrentamos para desenvolver nosso trabalho. Existem várias circunstâncias que não são levadas em consideração, o que as levam a julgar o Poder Judiciário como sendo moroso e ineficiente – uma “casta de privilegiados”. Na verdade, não é dessa forma. Hoje, para que o magistrado exerça sua carreira, ele precisa passar num concurso extremamente complicado e difícil. Um processo de seleção árduo – cinco fases até chegar a ser magistrado. O valor do salário, embora a gente lute para que melhore, de fato, hoje, não está condizente com a responsabilidade do cargo. Além disso, para que o magistrado exerça sua atividade, ele depende de funcionários, estagiários, estrutura física, de informática, entre outros, ou seja, ele depende de uma série de fatores para que tenha celeridade e eficiência. Outra questão diz respeito ao Sistema Recursal Brasileiro que, por vezes, torna o processo judicial moroso, o que não está sob controle do magistrado. Aliás, esses recursos são todos previstos em Leis e na Constituição Federal/88, visando garantir o devido processo legal. Aqui cabe um parêntese. Essas normas que me refiro, são construídas a partir de um processo legislativo, de competência dos parlamentares eleitos pelo próprio povo. Aqui o Poder Judiciário age enquanto aplicador/intérprete da lei ora criada. Algo que não é culpa dos magistrados, dos servidores e do próprio Poder Judiciário. É uma questão legal. É todo um sistema que funciona dessa forma e que, por esse motivo, acaba criando uma sensação de que não está adequado para a população. Enfim, não creio que o Judiciário é injustiçado. Mas, ele não é julgado da maneira adequada, pois a população não tem acesso a todas essas informações. Tanto que, pelos próximos dois anos da minha gestão, o objetivo da Amam será o de aproximar o Judiciário do cidadão e explicar exatamente como ele funciona. Traduzir ao público, de forma clara e objetiva, o que – de fato – ele é.
O objetivo da Amam será o de aproximar o Judiciário do cidadão e explicar exatamente como ele funciona.
A luta da Justiça do Estado, por vezes destacada, é no sentido de reduzir o estoque de processos e em contrapartida, caminham projetos de expansão. Mesmo assim a Justiça ainda é lenta aos olhos da sociedade. Como superar esse estigma?
Como eu disse anteriormente, nós temos um arcabouço jurídico no Brasil que – apesar de elogiado por alguns segmentos – é muitas vezes criticado. De qualquer forma, ele está amarrado dentro de um princípio que é o devido processo legal. E, dentro do devido processo legal, respeita-se o contraditório, as partes (autora e ré). Por esse motivo, temos muitos recursos que acabam fazendo com que o processo não caminhe com a celeridade e eficiência que o jurisdicionado e o próprio Poder Judiciário requerem e desejam. Além desse fato, temos uma deficiência de magistrados e servidores no estado de Mato Grosso. Hoje, nós temos 5.948 servidores (entre efetivos, comissionados e estagiários) em Mato Grosso e temos, entre 2019 e 2020, cerca de 300 aposentadorias previstas. Também contamos com um quadro de cerca de 300 juízes e desembargadores em atividade, mas com uma demanda que vem crescendo numa escala superior à reposição de funcionários e magistrados. Afinal, o Estado vem crescendo. Para que exista essa sensação de maior celeridade e eficiência, hoje, nós precisamos de um aporte financeiro – para que sejam contratados mais servidores e magistrados. Isto, aliado às reformas segmentadas na Legislação para que a gente consiga dar uma celeridade ainda maior aos processos. Vale ressaltar que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso vem permanecendo, por anos consecutivos, em primeiro ou segundo lugar em relação à produtividade no que diz respeito ao ranking nacional dos tribunais de médio porte, conforme aponta o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – o “Justiça em Números”. Tal colocação significa que os magistrados e servidores Mato-grossenses têm trabalhado e produzido muito. Óbvio que podemos melhorar – e desejamos melhorar – nossa produtividade cada vez mais.
Ações também dependem de questões de ordem orçamentária. Como avalia os pedidos do governador Mauro Mendes (DEM) sobre eventual redução do duodécimo da Justiça?
O Judiciário já vem com o orçamento congelado desde 2016. E, esse ano, o governador do Estado, Mauro Mendes, que acabou de assumir, mandou o orçamento – de novo – congelado. Isso significa que, sem mais recursos, nós não conseguiremos continuar a dar vazão às necessidades que o Judiciário tem. A questão é que o Judiciário tem contribuído por três anos seguidos com esse congelamento. No entanto, os servidores estão se aposentando ano a ano. Além dessa redução no quadro de servidores, o número de magistrados também vem diminuindo em relação ao número de processos – que só vem crescendo. Precisamos, sim, de mais recursos. Por isso, temos procurado sensibilizar tanto o governador quanto os deputados na Assembleia, que vão votar a LDO e a LRF estadual, para que eles possam compreender que o Judiciário – além de ser um Poder – tem uma estrutura própria que precisa de recursos. Hoje, o orçamento de R$ 1,16 bilhão como está na Assembleia é aquém daquilo que nós necessitamos. Vamos lutar e fazer gestão para que esse valor seja reajustado em prol de entregarmos a demanda que a sociedade tanto almeja e deseja.
Vamos lutar e fazer gestão para que esse valor seja reajustado em prol de entregarmos a demanda que a sociedade tanto almeja e deseja.
De que forma a Justiça pode colaborar para a retomada do equilíbrio fiscal e financeiro do Estado, sendo descartada pelo presidente do TJ a possibilidade de reduzir o orçamento do Judiciário?
O Judiciário vem contribuindo com o Estado de várias formas. Existem os mutirões fiscais, por exemplo, em que o Judiciário é parceiro para dar celeridade na cobrança dos créditos que o Estado tem com os contribuintes. Esses mutirões já funcionam há anos e têm dado resultados extremamente positivos. O que nós desejamos é que exista essa sensibilização por parte do Governo do Estado acerca de que o Judiciário tem feito sua parte. Tudo que ele pode fazer para dar celeridade aos processos envolvendo o Poder Executivo tem sido feito por meio da Corregedoria em parceria com as prefeituras e o estado de Mato Grosso. Essas parcerias irão continuar. Mas, óbvio, tem que ser uma via de mão dupla. Desejamos também que o Estado consiga compreender a complexidade do Poder Judiciário e venha a nos aportar com os recursos que necessitamos para fazer frente às nossas demandas e ao serviço prestado para a população.
Qual sua leitura, como cidadão, sobre as mudanças propostas pelo atual Governo para avançar no resgate do equilíbrio fiscal e financeiro de Mato Grosso, entre elas as que impactam no corte de despesas da máquina pública (redução de secretarias/corte de cargos comissionados)?
Entendo que as propostas colocadas pelo governador Mauro Mendes são extremamente necessárias para que o Estado saia da situação em que se encontra. Não tenho dados concretos – números –, mas acredito que a equipe de transição e o próprio governador têm responsabilidade. Ele, por si, já é um administrador experimentado – foi prefeito da Capital, bem avaliado. Vejo com bons olhos e espero, sim, que as medidas que ele está tomando gerem resultados – desde que não exista essa obstrução de orçamento para o Poder Judiciário. Apesar de nós entendermos a situação e a complexidade do Estado, não podemos deixar de destacar a relevância e a importância do Poder Judiciário para que a engrenagem funcione.
Entendo que as propostas colocadas pelo governador Mauro Mendes são extremamente necessárias para que o Estado saia da situação em que se encontra.
O governador pede “um Pacto por Mato Grosso”, com envolvimento de todos – Poderes Constituídos, órgãos, entidades da sociedade civil organizadas, enfim, da sociedade. A Amam integrará esse conjunto, e como poderá atuar nessa força-tarefa pela recuperação do Estado?
O Poder Judiciário continuará parceiro do Legislativo e do Executivo para que exista realmente harmonia entre os Poderes. Isso é algo que deve imperar. Vamos tentar sempre de maneira institucional – por meio do diálogo – resolver nossos problemas. Só ajuizaremos ações e buscaremos o próprio Poder Judiciário para definir e tratar os assuntos que nos afetam quando não conseguirmos mais, por meio do diálogo, solucionar nossos problemas.
O senhor também ressalta a importância da interiorização da Justiça e maior aproximação da figura do magistrado com o cidadão. Perspectivas para avançar sobre esse elo.
A interiorização da Justiça é a nossa meta de gestão. Sabemos que o Poder Judiciário, dia a dia, vem se interiorizando. Hoje, a própria carreira da magistratura não se resume à Cuiabá como ponto final. Temos quatro Comarcas de entrância final – que são Rondonópolis, Várzea Grande, Cuiabá e Sinop. Isto significa que muitos colegas irão fazer sua carreira toda no interior. A nossa gestão irá lutar para que exista uma estruturação do interior para que os colegas permaneçam ali com condições de trabalho semelhantes a todos os magistrados das demais Comarcas de entrância final. É preciso interiorizar ao dar condições para que todos desempenhem suas atividades da melhor maneira possível. Queremos fazer uma magistratura igual para todos. Esse é o nosso objetivo.
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